* Reportagem fotográfica de Rúben Neves

Nós somos do sítio onde o nosso coração está e o dérbi eterno é de muitos estádios: exatamente dezoito, por onde passou a história deste jogo incomparável do futebol português. Em todos eles, Sporting e Benfica deixaram o coração.

Começou no Campo da Quinta Nova, em Carcavelos, que sobrevive e que o Maisfutebol visitou. Continuou por vários recintos que deram lugar à voragem urbanizadora das cidades e terminou no Algarve, no último campo a ser utilizado pelos rivais.

Refira-se que o dérbi só saiu do distrito de Lisboa duas vezes, ambas em direção ao sol do Algarve. Há registos de um jogo em Braga, no Estádio 28 de Maio, que são falsos: o jogo em questão foi no Campo Grande, que durante algum tempo se chamou 28 de Maio, o que pode ter provocado a confusão.

Enganos à parte, venha daí nesta viagem pelos estadios por onde passou o dérbi (ou o que resta deles).

Campo da Quinta Nova

Em Carcavelos, na chamada Quinta dos Ingleses, começou esta história: a 1 de dezembro de 1907, em jogo da terceira jornada do Campeonato de Lisboa, Sporting e Benfica encontraram-se no Campo da Quinta Nova, propriedade do Carcavelos Futebol Clube. O Sporting venceu a batalha na lama por 2-1, numa tarde de muita chuva e granizo. Cento e dez anos depois, o Campo da Quinta Nova tem agora um relvado sintético, que serve o clube que disputa os distritais de Lisboa. Tem apenas uma bancada, com lugar para pouco mais de 50 pessoas, e um restaurante, que faz um peixe grelhado maravilhoso.

Campo da Feiteira

Foi o primeiro estádio do Benfica e tinha uma localização privilegiada: paralelo à Estrada de Benfica, numa zona habitacional, atraía as atenções de quem passava e serviu a popularização do clube. Foi inaugurado com um dérbi, que o Benfica venceu por 2-1, naquela que foi a primeira vitória sobre o Sporting. Ao todo recebeu três dérbis. Durou apenas quatro anos e foi abandonado em 1911, devido à renda elevada que o proprietário pedia pelo terreno. Acabou por ser vendido para urbanização, deu lugar à Rua Emília das Neves e é ocupado por prédios de seis andares, numa das zonas mais vivas de Benfica.

Campo do Lumiar

Nasceu ao lado das atuais Alamedas da Linha de Torres, no terreno cedido pelo Visconde de Alvalade ao neto José Alvalade, para fundar um clube grande, tão grande como os maiores da Europa. Em 1907 contava com pista de atletismo, courts de ténis, pavilhão, chuveiros, banhos de imersão e até cozinha. Mais tarde o Sporting mudou-se para o Campo Grande, mas regressou ao Lumiar em 1937, depois de fazer obras de remodelação. Foi neste estádio que assistiu ao nascimento dos Cinco Violinos e viveu os tempos mais gloriosos. Hoje é um baldio, abandonado, entre Alvalade e o metro do Campo Grande.

Campo da Palhavã

Depois de abandonar o Campo de Feiteira, o Benfica andou como um saltimbanco, à procura de um porto seguro. Durante alguns anos as soluções foram  o Campo do Lumiar, o Estádio das Laranjeiras, o Campo de Sete Rios e o Campo da Palhavã: este último era propriedade do Sport Clube Império. Era um campo de futebol modesto, que nasceu numa zona desabitada, de terrenos baldios, conhecida como Quinta da Palhavã. Ficava em Sete Rios e recebeu quatro dérbis. Hoje em dia a área está completamente urbanizada, com habitações, comércio e lojas. Onde era o Campo da Palhavã fica uma esquina do IPO.

Campo das Laranjeiras

Entre 1911 e 1916 o Benfica passou por vários recintos, a maior parte dos quais na zona de Sete Rios, na chamada Quinta das Laranjeiras. Foi lá que encontrou também este Campo das Laranjeiras, mesmo em frente ao então jovem Jardim Zoológico de Lisboa, que tinha sido inaugurado na mesma quinta em 1905. Era propriedade do CIF, Club Internacional de Foot-ball, que agora vive no Restelo. Recebeu apenas três dérbis e o espaço do campo de futebol é hoje ocupado pela movimentada Praça General Humberto Delgado, que é passagem obrigatória para autocarros e comboios da estação de Sete Rios.

Campo de Sete Rios

Depois de sair do Campo da Feiteira, o Benfica procurou um terreno para o novo campo de futebol. Acabou por encontrá-lo junto ao apiadeiro de Sete Rios, perto de outros dois campos que acabaria por utilizar: o da Palhavã e o das Laranjeiras. Inicialmente não tinha bancadas, mais tarde o Benfica foi investindo nele, mas o dinheiro escasseava, as obras eternizaram-se e a equipa nunca deixou de jogar noutros recintos. A prova disso é que só fez cinco dérbis em Sete Rios. Hoje é um quarteirão de casas com jardim, entre as Ruas Prof. Lima Basto e António Martins. Lá pelo meio foi construído o Colégio São Tomás.

Campo de Benfica

Depois de vários anos a saltar entre vários estádios, o Benfica decide abandonar Sete Rios e regressar à base: à zona de Benfica, onde vivera tempos felizes no Campo da Feiteira. Foi lá que encontrou um campo, na Quinta de Marrocos, que era utilizado por vários clubes que não tinham onde jogar. Propôs à empresa dona do espaço o arrendamento em regime de exclusividade, que foi aceite. Durante dez anos foi a casa do clube e recebeu até o primeiro jogo noturno em Portugal. Para isso foram instalados 18 refletores de mil velas à volta do campo. O espaço é hoje ocupado pela Escola Básica Quinta de Marrocos.

Campo das Amoreiras

Quando a Escola Normal reclamou os terrenos do Campo de Benfica, o Benfica percebeu que ia ficar outra vez sem casa. A solução desta vez passou por adquirir um terreno, e não arrendar, tendo o clube viajado para as Amoreiras. Nasceu dessa forma o Campo das Amoreiras, onde os encarnados viveram durante quase vinte anos. Até que o Ministro das Finanças avisa que ia ser construído o viaduto Engenheiro Duarte Pacheco, que ia passar por cima de uma bancada: o clube tinha por isso de abandonar o local. Nas Amoreiras realizaram-se ao todo 21 dérbis. O local é hoje ocupado pelo Liceu Francês.

Estádio do Campo Grande

Mesmo ao lado do Campo do Lumiar, nasceu o Estádio do Campo Grande em 1912. Foi propriedade do Sporting até 1940, altura que o clube o cedeu ao... Benfica. Na verdade já não o utilizava há três anos, tinha regressado ao Campo do Lumiar. O Benfica, por outro lado, ficara sem o Estádio das Amoreiras e  por isso mudou-se para o Campo Grande. Durante uma década os rivais viveram separados por uma dúzia de metros. No Campo Grande, de resto, disputaram-se 39 dérbis, sendo ainda hoje o terceiro recinto com mais jogos entre Benfica e Sporting. Agora é estação de metro e uma paragem de autocarros.

Campo do Restelo

O dérbi passou por muitos estádios: até pelas traseiras do Mosteiro dos Jerónimos. Numa altura em que as autoridades obrigaram todos os clubes a ter um recinto próprio, o Casa Pia construiu um campo de futebol num terreno entre o colégio e o lado ocidental do Mosteiro dos Jerónimos. Chamou-lhe Campo do Restelo: não confundir com o Estádio do Restelo, propriedade do Belenenses. Foi lá que Benfica e Sporting fizeram um dérbi da segunda jornada do Campeonato Regional de Lisboa, em 1926. Hoje no mesmo local existe ainda um campo de relva sintética, que já integra das instalações da Casa Pia.

Estádio da Tapadinha

Foi inaugurado em 1912, na altura como Campo da Tapadinha, e era propriedade do Carcavelinhos. Foi nessa condição, aliás, que recebeu dois dérbis, um em que o Sporting jogava em casa e ganhou, outro em que o Benfica jogava em casa e ganhou. Em 1945, já como propriedade do Atlético, passou a Estádio da Tapadinha e recebeu um desempate dos quartos de final da Taça de Portugal, que os leões voltaram a vencer. Situado na freguesia de Alcântara, com vista para a Ponte 25 de Abril, continua a ser a casa do Atlético, embora esteja muito velho, degrado e quase votado quase ao abandono.

Campo das Salésias

Foi inaugurado em 1926, no Bairro da Ajuda, e imediatamente adquiriu o estatuto de melhor estádio de Portugal. Era propriedade do Belenenses e foi o primeiro a receber relva, por exemplo. Chegou a ter capacidade para 21 mil pessoas e acolheu a primeira final da Taça de Portugal. Pelo meio recebeu um dérbi, em 1926, em finalíssima do Campeonato de Lisboa, que o Sporting venceu por 4-1. Fechou portas em 1956, quando o Belenenses se mudou para o Estádio do Restelo. Em 2016, e após 60 anos ao abandono, foi recuperado, com um relvado sintético, e agora serve as camadas jovens do Belenenses.

Estádio Nacional

O Estádio do Jamor foi inaugurado em 1944, precisamente com um dérbi: no fim dos desfiles e dos discursos de altos responsáveis do Estado Novos, os dois eternos rivais de Lisboa defrontaram-se, com vitória leonina por 3-2, após prolongamento. Desde então realizaram-se mais 27 jogos entre Sporting e Benfica no Jamor, tornando este no quinto recinto que mais dérbis recebeu, logo depois da Luz antiga, de Alvalade antigo, do Campo Grande e do Lumiar. A última vez foi em 2003, em jogo do campeonato, numa altura em que o Estádio da Luz estava em construção. O Sporting venceu então por 2-1.

Estádio da Luz (antigo)

O estádio do dérbi: nenhum outro recinto recebeu tantos jogos entre Benfica e Sporting como a antiga Luz: 56 encontros, entre 1954, data da inauguração, e 2003, data da demolição. Construído com o apoio dos sócios, que doaram dinheiro, ofereceram sacos de cimento e ajudaram até com mão de obra nos estaleiros, ficou conhecido como Luz por ficar na antiga paróquia de Nossa Senhora da Luz. Concretizou o sonho do Benfica voltar a ter um estádio próprio e na freguesia de Benfica. Inicialmente sem iluminação e apenas duas bancadas, cresceu até aos 120 mil espetadores e foi essencial no crescimento do clube. Hoje é ocupado pelo parque de estacionamento da nova Luz e por prédios.

Estádio de Alvalade (antigo)

É o segundo estádio com mais dérbis, perdendo para a antiga Luz por apenas um jogo: 55 contra 56. Nasceu da necessidade de ter maior capacidade, numa altura em que o Lumiar já era curto para a maior potência desportiva nacional. Chegou a ter 75 mil lugares e foi a casa do Sporting durante mais de metade da vida. Para além de ter recebido grandes jogos e grandes jogadores, como por exemplo Maradona, recebeu praticamente todos os nomes grandes da música mundial. Foi demolido em 2003 e na zona onde viveu durante quase cinquenta anos está agora a ser construído o Pavilhão João Rocha.

Estádio de Alvalade (novo)

A sétima casa do Sporting nasceu em 2003: já era um desejo dos responsáveis leoninos, o qual foi acelerado com a organização do Euro 2004. Já recebeu dezasseis dérbis, entre eles grandes jogos como a meia-final da Taça de Portugal em 2008 (5-3) ou a vitória do Benfica na última época, que lançou os encarnados para o título. Foi inaugurado com uma vitória sobre o Manchester United, num jogo em que Cristiano Ronaldo se lançou para o estrelato e conseguiu a transferência para Old Trafford. No próximo sábado vai receber o 300º jogo entre Benfica e Sporting, numa história com 110 anos de rivalidade.

Estádio da Luz (novo)

Empurrado pela organização do Euro 2004, o novo Estádio da Luz nasceu em 2003, sendo inaugurado numa vitória sobre o Nacional de Montevideu. Considerado um dos melhores da Europa, recebeu a final do Euro 2004 e a final da Liga dos Campeões de 2014. Já acolheu dezassete dérbis, entre eles a vitória do Benfica em 2005, na penúltima jornada, que lançou os encarnados para um título que lhe fugia há onze anos. Já teve uma agressão a um árbitro assistente, uma bancada a arder e o teto a voar, na noite em que o país ficou a conhecer a lã de rocha. Os benfiquistas adoram-no e chamam-lhe Catedral.

Estádio do Algarve

Parece mentira, mas em cento e dez anos de história, o dérbi só saiu duas vezes em jogos oficiais do distrito de Lisboa e ambas com o mesmo destino: o Estádio do Algarve. A primeira vez aconteceu em 2009, numa conturbada final da Taça da Liga que o Benfica venceu nos penáltis depois de Pedro Silva ter sido expulso por um penálti que não cometeu. A segunda vez aconteceu em 2015, naquele que foi o primeiro jogo de Jorge Jesus após deixar o Benfica: os leões venceram por 1-0. Para lá dos resultados, fica a simpatia de ver o Estádio do Algarve receber um jogo, coisa rara nestes catorze anos.