Foi um dia longo, um final de manhã cabisbaixo até à esperança e por fim à festa, de Viseu ao Algarve. No fim o Portimonense celebrou mesmo o regresso à Liga, seis anos depois. Uma festa onde cabem muitas histórias, da incrível proeza da décima subida de Vítor Oliveira à emoção do capitão Ricardo Pessoa, ele que celebra a sua segunda subida no clube algarvio, dos adeptos que esperaram a equipa ao ex-companheiro que chegou da Alemanha ou ainda às aventuras de Fabricio, que foi campeão no Japão, conviveu com as estrelas do Real Madrid no Mundial de clubes e regressou a tempo da festa com o Portimonense.

Líder desde o início do campeonato, o Portimonense foi sempre o mais forte candidado na II Liga. Podia ter assegurado a subida em campo esta manhã, mas perdeu na visita ao Académico Viseu. Ainda podia acontecer antes que acabasse o dia, dependendo do resultado do Varzim, que recebia o Sp. Covilhã. E os serranos foram marcando golos: o bis de Chaby, aos 29m e 56m, foi o sinal para a festa do Portimonense. No autocarro, algures a chegar ao Alentejo. Depois mais golo e a seguir outro, quando se consumou a vitória do Sp. Covilhã (4-0) já ia lançada a festa no autocarro do Portimonense.

«Cada golo que saía era uma vibração enorme. Sabiamos que já estava quase, era quase impossivel não subir, mas quando vimos o fim do jogo foi maravilhoso, a emoção tomou conta.» A descrição é de Fabricio, o médio brasileiro que está de volta ao Algarve depois de ter estado até final do ano no Japão. Como foi, o autocarro teve que parar? «Sim», ri-se, «esteve um bocado agitado lá dentro.»

A festa seguiu em Portimão, onde ao final da tarde se juntou muita gente para receber a equipa, primeiro no estádio e depois na Câmara Municipal, onde se juntaram cerca de dois mil adeptos.

Uma festa para a cidade, mas também para o Algarve, que tem uma equipa de volta à Liga três anos depois. O último representante foi o Olhanense, que está em queda livre e já viu esta época confirmada a descida ao Campeonato de Portugal, deixando de integrar as competições profissionais.

Vítor Oliveira, a 10ª subida, que segredos?

Quanto ao Portimonense, que ficou à porta da Liga na época passada, esta temporada viu a vantagem esbater-se a certa altura, mas nunca esteve em causa o objetivo da equipa orientada por Vítor Oliveira. Ele mesmo, o homem que começou a carreira de jogador precisamente em Portimão, já lá vão mais de 30 anos, e que consumou neste domingo a quinta subida de divisão seguida no banco, a 10ª da sua carreira de treinador. Arouca, Moreirense, U. Madeira e D. Chaves foram as mais recentes, mas o treinador de 63 anos já anda nisto há muito: começou a construir a fama de «milagreiro» nos anos 90, quando subiu Paços Ferreira, Académica, U. Leiria, Belenenses e, já neste século, o Leixões.

O homem que chega, leva a equipa até ao primeiro escalão e não fica. Também agora o seu futuro não está definido, como disse Vítor Oliveira na festa. Quanto ao segredo do sucesso, o que tem a dizer o treinador é simples: «O fundamental é ter bons jogadores. Esse é o grande segredo. Não acredito em segredos no futebol. Acredito no trabalho, dedicação, profissionalismo e competência. E acredito que, com bons jogadores, é mais fácil ganhar.»

Foi um dia especial para todos, clube e adeptos, mas mais especial para uns. Como Ricardo Pessoa, o capitão que leva 11 anos de Portimonense, interrompidos apenas por uma passagem pelo Moreirense. E que já esteve na última subida do clube, há sete anos.

O capitão «com coração algarvio, mas principalmente de portimonense»

Quando lhe perguntam qual delas foi mais saborosa, hesita. «Esta acaba por ser antes do tempo, normalmente a II Liga decide-se nas duas últimas jornadas, nós conseguimos o feito de subir mais cedo. Acaba por ter o mesmo sabor, porque quando a gente se compromete com um objetivo e temos na cabeça esse objetivo, acaba por ter o mesmo sabor», disse.

O Portimonense, lembra o capitão, não viveu tempos fáceis ao longo desta mais de uma década: «Quando regressei há quatro anos o meu objetivo era voltar a colocar este clube na Liga, juntamente com a SAD, com o nosso investidor maioritário, o senhor Theodoro Fonseca, que é o grande obreiro deste feito. Se calhar na altura, se ele não entra neste clube, se calhar o clube tinha acabado, ou tinha passado por dificuldades. A verdade é que ele deu-nos um empurrão para que nós conseguissemos subir de divisão. A partir de agora o nosso objetivo é manter este clube na I Divisão, consolidá-lo e torná-lo numa potência do futebol nacional.»

Ricardo Pessoa termina a conversa com a voz embargada, quando lhe perguntam se, sendo alentejano de nascimento, já se sente algarvio: «Com coração algarvio, mas principlamente com coração de portimonense. São 11 anos e até hoje não me arrependo de um único momento que passei neste clube. Este clube é a minha família, é a minha vida, é a vida da minha família.»

O orgulho de «Pires Gol»

Também o avançado Jorge Pires vive a segunda festa da subida. Com muitos golos esta época, nada menos que 20 dos 60 marcados até agora pelo Portimonense. O melhor marcador da II Liga foi recebido pelos adeptos com cânticos de «Pires Gol». «É bom ser reconhecido», sorriu.

«As pessoas gostam, eu encho-me de orgulho. Não quero desiludir as pessoas e quero fazer o meu melhor», continuou, antes de resumir assim o dia: «Começou triste e acabou da melhor maneira.»

«Esta subida tem um sabor muito especial, com esta gente a apoiar é muito bom», continuou, admitindo que ser o melhor marcador do campeonato é um objetivo, mas não o principal: «O objetivo é ajudar a equipa, se for com golos melhor. Se juntar a isso melhor marcador é a cereja no topo do bolo. Primeiro o titulo de campeão, depois melhor marcador.»

Amilton e a viagem desde a Alemanha às quatro da manhã

Foram horas de emoção também para Amilton. Ele que deixou Portimão em janeiro, para rumar à Alemanha. Joga no TSV Munique, às ordens de Vítor Pereira, mas aproveitou o facto de ter jogado sexta-feira para dar um salto a Portugal e participar na festa.

«Joguei na sexta-feira, comprei uma passagem de uma hora para a outra, viajei às quatro da manhã para aqui, porque acho que este clube merece», contou. Esteve em Viseu esta manhã, a festa não aconteceu ali, mas seguiu para o Algarve. E festejou enfim. «Vim de propósito, saí daqui muito triste. É um clube que está sempre no meu coração. Foi uma batalha muito grande até aqui e objetivo foi conquistado. Agora espero que a equipa conquiste o título, que é o mais importante.»

Outra celebração com sotaque do Brasil, esta com muito humor, foi a de Fabricio. O médio que jogou no Kashima Antlers, cedido pelo Portimonense, e foi campeão do Japão em 2016. O que lhe valeu a ida ao Mundial de clubes.

«No começo fiquei um pouco triste por causa da derrota, mas quando foi anunciada a subida o coração explode e a emoção toma conta. É muita felicidade. Foi um presente divino, fomos todos abençoados com isso. Agora é aproveitar a festa e o sonho. Não acaba aqui, agora a gente vai buscar o título», disse, enquanto agradecia a receção dos adeptos em Portimão: «Foi  maravilhosa, por tudo o que os adeptos têm feito esta época, têm aparecido, têm ajudado. É uma festa que o Algarve merece, que o Portimonense merece. Agora vamos tentar ser campeões para conseguir a cereja no topo do bolo.»

Fabricio no balneário do Real Madrid a sentir-se «jogador de verdade»

Seria especial para Fabricio, duas vezes campeão. Quando fala sobre tudo o que lhe tem acontecido, tem dificuldades em dizer qual foi o momento mais especial: «Tenho vivido mesmo o sobrenatural de Deus na minha vida. É uma coisa masi maravilhosa que a outra. Foi tudo muito marcante. O campeonato do Japão, eu nunca tinha sido campeão, foi sensacional. Foi uma sensação maravilhosa, uma experiênca sensacional. E ainda para concretizar o sonho, fiz o golo do título na final da Imperador. Foi maravilhoso.»

Depois houve o Mundial de clubes, onde o Kashima Antlers supreendeu e foi até à final com o Real Madrid. «Joguei contra os melhores do mundo... Conversei com o Cristiano Ronaldo, com o Marcelo, com todos eles. Eu estava a viver um sonho naquela hora.»

A conversa com Cristiano foi curta. Mas a experiência no balneário valeu por muito, ri Fabricio: «Só pedi a camisa dele. O Marcelo conversei mais um pouquinho, fiquei no balneário com eles conversando. Foi um momento sublime na minha vida. Estava ali no balneário do Real Madrid, senti-me até jogador de verdade! Mas são pessoas sensacionais, muito humildes. Muitas pessoas pensam, o Cristiano Ronaldo... Muito humilde também.»

Um final de domingo feliz em Portimão, está visto. Mas não acaba aqui. A época ainda não terminou e o objetivo dos algarvios é mesmo conquistar o título. Portanto, a festa não vai durar, como diz Ricardo Pessoa: «Depois de estarmos desde a primeira jornada no primeiro lugar, perder o título para nós seria frustrante. Vamos apostar tudo nestas quatro jornadas para sermos campeões, é um dos objetivos que delineámos a partir do momento em que sentimos que era possível. Podemos fazer a festa hoje, mas a partir de segunda ou terça-feira o nosso foco é sermos campeões da II Liga.»