João Fonseca (à direita na foto), antigo diretor desportivo do Tirsense (2013/14), tornou-se recentemente no primeiro português a vencer um prémio internacional de gestão desportiva por parte da FIFA. Concorreu em conjunto com dois advogados espanhóis – Reyes Bellver Alonso e Álvaro Conde Ramírez – já que o organismo não permite candidaturas individuais e ganhou neste país, estando ainda na corrida para um prémio global entre mais 15 projetos de outros tantas nações onde existe o programa. O vencedor estará uma semana na Suíça para conhecer as instalações e o meio de funcionamento, e apresentar as suas ideias a todos os responsáveis. 

«Ninguém pode relegar para segundo plano um reconhecimento internacional desta envergadura. No entanto, considero este prémio apenas um excelente indicador de que estou no caminho certo. Foi e será sempre um percurso com muitos obstáculos, mas assim estes sucessos têm mais sabor», começou o gestor por reconhecer à MFTOTAL, quando ainda desconhecia que o seu futuro profissional no imediato terá um rumo paralelo. Mas isso deixaremos para o fim.

Licenciado em Gestão de Empresas pela Universidade Católica, somou ao seu currículo a especialidade de Formação Executiva Gestão do Futebol Profissional (com projeto avaliado em 10 valores em 10 pelo Gabinete de Potenciação do Jogador Jovem), o Curso Superior em Direito do Futebol pelo CIES e Universidad Rey Juan Carlos e agora o Programa FIFA/CIES em Gestão Desportiva, com um projeto vencedor. 

A FIFA e o seu centro de estudos (CIES) criaram há uns anos um programa de gestão desportiva, uma espécie de mestrado com uma componente competitiva no final, contemplando a elaboração e defesa de um projeto de grupo. Participaram gestores de todo o mundo, e pela primeira vez venceu um português, que já tinha tido uma experiência na estrutura de futebol de um clube.

«Nasci no Porto, mas vivi quase sempre em Santo Tirso. Fui convidado pelo presidente do Tirsense, que me conhecia por ter sido jogador das camadas jovens e porque sabia que era licenciado em gestão, com especialização em desporto. Criou a figura do diretor desportivo que até então não existia. Foi uma boa experiência.»


João Fonseca no Tirsense

Um projeto para implementar desde as fundações

O INVICTUS consiste «num modelo de gestão desportiva aplicável a qualquer clube de futebol e que privilegia a criação de um código ético e de valores sustentado por uma forte ligação entre emblema, adeptos e região». De acordo com João Fonseca, o «objetivo passa por regenerar políticas, atribuindo ao clube um papel de formador de consciências e valores, e que influencie adeptos e região através de várias atividades». Ou seja, passará sempre por uma revolução das mentalidades, a partir da base, da formação, dos pais dos jovens jogadores, assente numa estratégia única e num código ético bem definido, e que ganhe pontos para a imagem do clube com a participação em ações de solidariedade e com uma comunicação sóbria e eficaz.

«Existem perspetivas, ainda em fase muito embrionária, com um clube espanhol. Vamos ter de assentar ideias, definir estratégias e abordar os clubes. Esperamos ter até ao final do ano situações concretas e luz verde para a aplicação do projeto», avança Fonseca sobre a possibilidade de ver as suas ideias serem em breve modelo de algum clube.

As diferenças na aplicação entre clube grande e não-grande

Mas será que uma revolução tão profunda e necessariamente mais lenta possível em clubes de maior dimensão? Não serão estes a soma de várias identidades, mais do que uma região, a buscar a universalidade, e igualmente mais difíceis de evangelizar?

«A diferença é que pode ser mais fácil ter espaço para aplicá-lo em clubes pequenos, onde estará tudo menos desenvolvido e possa ser necessário começar praticamente do zero. No entanto, num grande clube haverá maior mobilização em cada uma das estratégias adotadas e momentos em que que poderemos saltar passos porque talvez já haja algo alinhavado. Quanto maior é o clube maior será também o impacto das medidas ou ações. Por exemplo, a criação de uma bancada infantil é super-simples e pode ter um efeito gigantesco. Até na consciencialização do restante público. É preciso fazer com que o futebol volte às pessoas, se possível com os valores corretos, em que famílias possam conviver e, no fundo, fazer do futebol uma festa. Quando isto tudo parece utópico é que nos apercebemos quão mal estamos. Parece-me de fácil perceção que os clubes descuram na sua maioria o poder social e muitos a sua própria identidade. Vemos isso em Portugal, onde uma Académica e um Belenenses, pelo legado histórico que têm, podiam ser muito proativos em diversas questões. Aliás, um dos nossos pontos é que não existirá necessidade de investimento, uma vez que este pagar-se-á com novos sponsors, novos sócios e a evolução positiva do marketing social.»

Como se determinaria a diferença na aplicação do projeto? Através de uma análise interna e externa dos próprios clubes. «Se há clubes em que faz sentido partir da cidade e da zona, no caso de um grande como o Benfica teria de existir uma abordagem diferente, considerando o país como a sua região e depois evoluir-se para fora.»


Na federação espanhola

Os novos patrocínios e as barreiras a ultrapassar

Numa Liga em que há dificuldades para encontrar patrocinadores para as camisolas das equipas principais será viável o aparecimento de novos sponsors? João Fonseca acredita que sim, mas o clube precisará de mudar a sua forma de atuar no mercado. «Exatamente por não patrocinarem equipamentos será necessário ser mais proactivo na procura de sponsors regionais e de curta duração, ou seja, para uma campanha de marketing, para uma altura do ano como o Natal, por exemplo, ou para um determinado jogo. Acredito que possa estar aí a resposta para os clubes e para as empresas.»

Os atuais dirigentes, pouco preocupados com os valores éticos e com uma forma mais correta de comunicar, serão umas das barreiras a ultrapassar. «Sei que o início do processo não será fácil, mas existindo um mínimo de abertura os resultados poderão ser facilmente comprováveis. Destaco neste campo a Federação Portuguesa de Futebol, que tanto nas descentralização dos seus jogos como na entrega de bilhetes a escolas dos concelhos dos locais onde se realizam já percebeu que pode rentabilizá-los emocionalmente e financeiramente. Cria-se uma onda à volta da Seleção, e os patrocinadores gostam de estádios cheios, tal como as televisões.»

Mas a comunicação correta, que deveria transmitir os valores de desportivismo apreendidos, resistirá aos maus resultados e ao primeiro penálti não assinalado? «Conheço bem a realidade técnica, não sou aquele gestor que nunca jogou ou esteve no terreno. Com 24 anos, fui diretor desportivo do Tirsense, que terminou a segunda fase do Campeonato Nacional de Seniores em 1º lugar. Para mim, a dificuldade está no início, em fazer acreditar e começar. Depois, não é por se retirar uma bancada infantil já implementada, por exemplo, que se começam a ganhar jogos. Nem os adeptos permitiriam isso. É um programa que não toca na gestão desportiva pura e dura, mas pode ajudá-la com a envolvente criada em redor da equipa. Pelo contrário, os maus resultados até podem ser menos criticados, atendendo ao nosso trabalho à volta da equipa. Há um pilar no nosso projeto que contempla comunicação, protocolo e marketing. A comunicação é fundamental e terá de estar de acordo com o código ético elaborado de início e que terá com um dos pontos a linguagem não agressiva como argumento para não incendiar algumas querelas que existem sempre. Pelo menos, um controlo de danos tem de ser feito.»

O futebol tem-se preocupado bastante com o aspeto económico, e existem duas correntes, uma que defende que os gestores devem ser adeptos do clube em causa e outros que acreditam que isso vai contra a profissionalização da classe. «Vou mais pelo dirigente competente, mas uma mistura pode ser o mais acertado, até numa simbiose com os Oficiais de Ligação ao Adepto.»

E se fosse para aplicar em Portugal?

João Fonseca pisca o olho a um clube em especial do futebol português quando questionado pelo qual faria mais sentido começar na aplicação do INVICTUS. «Todos os clubes que sejam históricos são mais aliciantes. Há mais matéria para trabalhar e desenvolver. Não podemos criar factos históricos, podemos trabalhá-los e exponenciá-los. Em qual encaixaria melhor? Além de encaixar bem, tenho um carinho particular pela Académica. É um clube que só tinha a ganhar em focar-se em Coimbra e dominar por completo a zona centro, com novos sócios, sponsors e novos alunos da Universidade.»

E, de repente, a Federação

João Fonseca vai integrar um novo projeto na dependência do diretor geral da Federação Portuguesa de Futebol Tiago Craveiro. Soube-o no final desta reportagem. As negociações «já decorriam há algum tempo» e «em nada têm que ver com o projeto». Para já, este vai ter de beber do resto do tempo do gestor, mas continuará na sua cabeça. Fica a promessa.

O INVICTUS fica à espera do primeiro candidato.

A apresentação do Curso Superior de Gestão Desportiva: