Todas as histórias de amor têm uma música associada. É verdade que a história da subida de divisão do Desportivo das Aves, alcançada neste domingo, 30 de Abril, não é uma história de amor pura, pois não pode ser escrita apenas com os contornos daquele sentimento que tanto nos leva ao encantamento como nos atira para a amargura. Mas convenhamos que anda lá bem perto.

Estamos a falar de futebol, um desporto que exige uma dedicação diária que, não raras vezes, é pintada com algum sangue, montes de suor e até lágrimas, sejam estas desencadeadas pela tristeza ou alegria. No final do empate a duas bolas com o União da Madeira, ainda antes da receção em euforia na chegada ao aeroporto do Porto, primeiro, e depois à Vila das Aves, já noite dentro, viveram-se momentos únicos, e pincelados com estas emoções e com um tema especial. A música que ficará para sempre nos corações e memória dos jogadores que compõem o plantel do Desp. Aves foi escrita pelos Xutos e Pontapés.

Antes e depois dos treinos, é habitual ouvir-se música no balneário da equipa de Vila das Aves. Também é da praxe pedir a um colega que esteve afastado da competição para interpretar um tema para o grupo, no balneário, no dia do regresso aos relvados.

Assim começa esta história: «Estive magoado muito tempo e depois quando voltei, tive de cantar uma música para todos e escolhi ‘O Homem do Leme’. Toda a gente começou a cantar e canção pegou, tornando-se no nosso talismã», contou ao Maisfutebol o defesa João Amorim, num intervalo que nos concedeu no meio do almoço que se seguiu ao jogo e que juntou equipa, direção e alguns adeptos num restaurante situado na zona turística da cidade do Funchal.

João Amorim ficou com os «direitos» quanto à escolha do tema, mas os «louros» pela sua introdução como principal tema motivacional do grupo recaem sobre o avançado Luís Barry. «Nós sempre tivemos música no balneário. Normalmente ouvia-se ‘hip hop’, ‘kizomba’, essas músicas que se ouve hoje em dia, mas naquele dia toda a gente cantou em uníssono e o jogo correu muito bem», recordou o jogador, observando que na partida seguinte passou a mesma música e a equipa voltou a ganhar.

Antes do jogo com o União da Madeira, que terminou empatado (2-2) mas permitiu somar o ponto necessário para garantir a subida à I Liga, ouviu-se ‘O Homem do Leme’ no balneário do Aves. «Para ser sincero, por vezes até já nos sentíamos fartos de cantar a música. Mas hoje, até a cantamos no autocarro por diversas vezes na ida para o Funchal», confessou o avançado, ironizando que valeu a pena manter a música. Tanto assim é que o tema vai ser ouvido antes dos três jogos que faltam disputar, pois o Aves ainda está na luta para ser campeão, com «todo o respeito pelo [líder] Portimonense».   

O técnico do Desportivo das Aves, José Mota, assegurou ontem a subida de divisão da sua equipa ao principal escalão do futebol português, mas ficou sem smartphone. O equipamento caiu ao chão durante os festejos com os jogadores e ficou com o ecrã completamente estilhaçado. «Aconteceu por uma boa causa. Se fosse num dia normal, ficava com uma azia enorme», ironizou, despreocupado.

Como foi pegar nesta «causa», em fevereiro último, quando substituiu Ivo Vieira?

«Lembro-me perfeitamente de ter dito aos jogadores que tínhamos condições para ser a equipa que ia conquistar mais pontos nas jornadas que faltavam e que podíamos não só lutar para subir como também conquistar o título», recordou o técnico, já sentado à mesa do restaurante ‘Cá te espero’, onde a equipa festejava com cânticos e espreitava de vez em quando para o ecrã de uma televisão que transmitia o Tottenham-Arsenal, para a Liga Inglesa.

Admitindo que à primeira vista o seu discurso pudesse ter sido encarado como «exagerado», o técnico recordou que, «com o desenrolar do campeonato, eles [jogadores] foram-se apercebendo de que tal era possível e passaram a dar ainda mais por esse objetivo». Agora falta conquistar o título e o técnico promete dar luta, quando o Portimonense lidera com dois pontos de vantagem: «Não vamos facilitar.» E José Mota conta com ‘O Homem do Leme’ para continuar a ajudar na coesão do grupo em termos motivacionais. «É uma música emblemática e nestes momentos sabe sempre melhor ouvir. Espero voltar a ouvi-la em breve com a mesma emoção de hoje», confessou.

Quim não quis arriscar

O veterano guarda-redes Quim, habitual titular da baliza do Desportivo das Aves, ressentiu-se de um problema no «gémeo» que o vinha apoquentando desde o meio da semana e pediu para ser substituído pouco antes do apito inicial da partida que foi realizada no Centro Desportivo da Madeira, na Ribeira Brava.

«Mesmo antes de começar o jogo senti um esticãozinho e decidi não arriscar, até para não queimar uma substituição», explicou o guardião de 41 anos, que já defendeu as redes de Sporting de Braga e do Benfica.

Foi então, desde o banco de suplentes, que o experiente guardião seguiu o jogo e apoiou os colegas, sem «nunca deixar de acreditar que era possível», para chegar ao objetivo da subida neste domingo. Mesmo quando a equipa foi para o intervalo a perder por 2-0.  

O feito agora alcançado pelo Aves significou o regresso de Quim ao primeiro escalão, após quatro anos de ausência. «Para mim é a primeira subida de divisão. Tive sempre a felicidade de jogar na primeira liga», recordou. Quanto ao futuro, o guardião disse esperar poder vir a terminar a carreira no principal escalão, e se possível defendendo as cores da equipa de Vila das Aves.

«Seria importante para mim terminar na primeira liga. Não tenho contrato ainda e não sei o que é que vai acontecer. O que eu sei é que tenho perfeita condição para jogar ainda no clube e se as pessoas quiserem que eu continue, irei continuar com todo o agrado», disse.

Ano grande para o Desportivo das Aves

O Desportivo das Aves vive um dos melhores momentos, senão o melhor, desde a sua fundação. A equipa principal de futebol regressou à I Liga, após dez anos de ausência, mas o emblema da Vila das Aves, freguesia do concelho de Santo Tirso, também vem se destacando noutras modalidades.

Armando Silva, presidente do clube, não poupou elogios ao projeto iniciado há dois com a constituição da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) e fez questão de recordar os resultados que vêm sendo conquistados pelo futebol nas suas várias categorias, no futsal e ainda no voleibol. «Em dois anos notou-se uma melhoria substancial em termos desportivos que penso ser quase inédito», disse.    

Pelo mesmo diapasão alinhou o presidente da SAD, Luiz Carlos Andrade. «Foi um ano bom mas ainda não acabou», disse: «Há dois anos, quando começámos a planear, sabíamos o queríamos e os resultados estão à vista de todos.»

A realidade da I Liga obriga a traçar novos planos, reconheceu depois. «Já começámos a pensar no próximo ano. Ainda é cedo para avançar com algo de concreto, mas o certo é que queremos o desportivo das Aves a consolidar um lugar entre os grandes do futebol português», prometeu.