*por Armanda Cunha

«Quando era mais novo eu dizia-lhe que ia ficar com as coisas dele, estava sempre a dizer-lhe: estas chuteiras vão ficar para mim! Mas agora acho que ainda vai ser ele a ficar com as minhas.»

Vinte e seis anos separam pai e filho na vida, mas nunca, em algum momento, esses 26 anos separaram pai e filho numa paixão: o futebol. Já jogaram juntos, durante três anos, mas agora atuam em emblemas diferentes da 1.ª Divisão da Associação de Futebol de Braga.

Manuel Osório tem 47 anos e o filho, Miguel, tem 21. Quando era criança, o filho seguia com atenção os passos do pai. «Ele acompanhava-me desde pequenino no futebol e acho que foi isso que o fez ter o bichinho.»

Manuel joga desde os 16 anos. Começou no Sequeirense, o clube onde, mais tarde, bastante mais tarde, viria a cruzar-se com o filho e onde, mais do que pai e filho, seriam companheiros de equipa.

«Somos pai e filho, mas no balneário sempre distinguimos as coisas. Quando algum de nós fazia alguma coisa errada não passávamos a mão na cabeça por sermos pai e filho. Dizíamos as coisas um ao outro como colegas. Mas é claro que o facto de ser o meu pai a chamar-me à atenção fazia-me pensar mais no assunto.»

Miguel Osório começou cedo o seu percurso. Aos 5 anos já defendia a baliza da Escola de Futebol Fernando Pires, em Braga, onde foi campeão por duas vezes. Acompanhava o pai desde que se lembra e confessa: «Quando ia ver os jogos dele nunca imaginei que um dia jogaríamos juntos».



Ter o pai na mesma equipa foi um fator determinante

«Quando era júnior jogava no Lomarense e aos 18 anos surgiu a oportunidade de ir para o Sequeirense e partilhar o balneário com o meu pai. Esse foi, sem dúvida, o motivo que mais pesou na minha decisão», contou o guarda-redes ao Maisfutebol.

«Era bom tê-lo lá, no balneário. O meu pai tinha 43 anos e como era o mais velho sempre impôs muito respeito». Os colegas sempre brincaram com a situação. «Às vezes eu fazia asneiras e havia sempre alguém que dizia: Hoje, o teu pai vai pôr-te a dormir fora de casa.»

Os adeptos, os menos familiarizados com a história de Miguel e Manuel, admiravam-se sempre. «As pessoas não acreditavam que jogávamos na mesma equipa».

Manuel nunca insistiu para que o filho jogasse futebol, confessou até que foram as suas irmãs que decidiram levar o sobrinho para o Fernando Pires. Nem sequer o influenciou na decisão de querer ser guarda-redes.

Mas, desde que Miguel começou a jogar futebol, o pai fazia questão de lhe transmitir duas coisas importantes. A primeira era que, «mesmo que não se seja a primeira opção do treinador», tem que se trabalhar sempre muito; e, a segunda, é que se joga sempre para ganhar.

Em campo, dificilmente pensavam como pai e filho

Durante três anos, o filho foi guarda-redes e o pai jogava a defesa central, na mesma equipa. Juntos cometeram erros, confessam, mas também foram grandes aliados nas vitórias.

«Uma vez, numa eliminatória da Taça AF Braga, estávamos empatados a uma bola e aos 89 minutos, num cruzamento, eu defendi, mas não consegui segurar a bola. O meu pai conseguiu tirá-la já em cima da linha de golo. Abraçámo-nos um ao outro e acabámos por ganhar nos penáltis.»

«Também houve uma situação em que fizemos asneira. Eu atrasei-lhe a bola, mas ele estava muito perto de mim e o avançado da equipa adversária acabou por conseguir marcar golo. Houve uma falta de comunicação entre nós», lembra Manuel.

Dentro de campo, as histórias familiares são poucas. No clube, sempre privilegiaram a relação de colegas. Mas pai é pai e o sentimento paternal nem sempre pode ficar fora das quatro linhas.

«Uma vez, num jogo, ele caiu ao saltar para defender e eu fiquei assustado. Nem consegui ir à beira dele. Preferi afastar-me porque me apercebi de que, naquele momento, era o sentimento de pai que estava em campo.»

Em outro jogo, relembram, houve uma confusão entre os jogadores de ambas as equipas e Manuel lembra-se de ver o filho perder-se na confusão. «A minha primeira reação foi tirá-lo dali. Puxei-o para o lado, tinha de o afastar.»



Deixaram de ser colegas e passaram a ser adversários

Aos 47 anos, Manuel, Nélinho no mundo do futebol, confessa já ter dito por duas ou três vezes que ia deixar de jogar. Foi o caso desta época. Deixou o Sequeirense e tencionava dedicar-se por inteiro a ser treinador, mas o «bichinho» não o deixou ficar em casa.

Nélinho foi para o Ferreirense. «Sinto-me bem e útil e enquanto assim for não consigo parar». No passado domingo, o calendário ditou que jogaria com a sua anterior equipa. E contra o filho também.

Miguel não chegou a entrar em campo, mas o pai foi titular e jogou a médio defensivo até ao apito final. Pode dizer-se que ganhou o filho. O Sequeirense ganhou 2-1 com um golo no último minuto.

«Custou-me porque era a minha equipa do coração, onde sempre pensei que iria terminar a minha carreira. Mas a minha vontade de ganhar era igual, mesmo com o meu filho daquele lado. Perdemos e fiquei chateado. Nem dormi de noite», confessou o pai.

O mais novo não jogou, mas vontade não faltava: «Eu já sabia que não ia jogar, mas queria muito ter jogado. Principalmente desta vez, por ser contra o mau pai».

«No início foi estranho. Jogávamos um com o outro e, de repente, estávamos ali, em lados opostos». Não se falaram, nem antes nem depois do jogo. Não comentaram nada nem partilharam ideias. Só se cumprimentaram, ainda dentro de campo, e como nos velhos tempos: como companheiros.

«Os meus colegas perguntaram-me se, caso o meu filho estivesse na baliza, iria hesitar em marcar golos. Respondi que não, obviamente».

Um pai que não desiste e um filho babado

Dentro de campo as coisas mudaram. Mas em casa nem por isso. «Quando jogávamos juntos, ele tinha sempre a preocupação de me mandar deitar cedo nos dias antes dos jogos. E isso não mudou, o meu pai continua a preocupar-se».

Manuel acha que este será mesmo o seu último ano no futebol, mas não o afirma com toda a certeza. Com 47 anos ainda se sente apto e expressa os desejos para esta época: «Espero que o Ferreirense seja campeão, mas se não for o Ferreirense, que seja o Sequeirense. Ao meu filho, desejo toda a sorte do mundo».

Miguel admira o pai. Desde sempre, mas mais ainda agora. Aos 47 anos ainda o vê com muito para dar. «Quando era mais novo eu dizia-lhe que ia ficar com as coisas dele, estava sempre a dizer-lhe: estas chuteiras vão ficar para mim! Mas agora acho que ainda vai ser ele a ficar com as minhas.»