* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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A estátua de Bellini, capitão do Brasil campeão do mundo em 1958, perscruta toda a conversa. 25 centímetros de madeira esculpida e guardada religiosamente na sala de estar.

Ao lado, uma representação de Santa Efigénia. Um santo oco, utilizado em tempos para contrabandear diamantes. De madeira também e com um pequeno orifício na parte de trás.

Noutra mesa, Rodin. Não o original, claro.

Desporto, Religião e Cultura, a Santa Trindade do professor Milton Teixeira, eminente pensador da história do Rio de Janeiro, do mundo do desporto brasileiro e da presença portuguesa na Cidade Maravilhosa

O professor Milton é uma estátua de conhecimento. Uma lenda viva e bem humorada. Ao primeiro contato com o Maisfutebol, o ancião do saber abre a porta e faz o convite: «venha ter ao meu apartamento e falamos sobre a relação de Portugal com o Rio e os Jogos Olímpicos».

E nós vamos. O professor Milton Teixeira tem programas na televisão e na rádio, conduz passeios turísticos pelas ruas do Rio, responde a tudo com precisão e uma gargalhada.

«Está a ver estas espadas aqui? São nipónicas. Da minha ex-companheira. Ela saiu de casa e deixou-me isto. Como pode ver, sou extremamente bonzinho».

E é este o tom. Cultura e história num tom leve. Descontraído. 

«A minha família paterna é do Norte, perto de Guimarães, mas eu nunca fui a Portugal. Tenho um antepassado meu que foi Cruzado e raptou uma mulher islâmica. Casou-se com ela».

E a Portugal, professor, foi alguma vez?

«Não fui a Portugal porque o meu dinheiro acabou em Madrid. Fiquei completamente nas lonas. Tinha só o bilhete de regresso ao Brasil e seis dólares no bolso. Foi em 1979».

«O ideal masculino era ser gordinho. No século XIX eu seria o George Clooney»

Milton Teixeira acha piada ao Português do entrevistador. Salta de tema para tema, mistura-os na mesma frase e de quando em vez dispara revelações incríveis. 

«O Marcelo Caetano, ex-primeiro ministro português, está sepultado no Cemitério de São João Batista. Eu faço lá uma excursões organizadas».

E chega o Brasil, a evolução do desporto no país. E mais revelações. É uma aula de História extraordinária.

«O Brasil não tem uma grande tradição olímpica. Durante um grande período, o exercício físico estava limitado aos militares. O ideal masculino era ser gordinho. No século XIX, aliás, eu seria um George Clooney». Gargalhadas, pois.

E de repente já estamos no início do século XX. «Em 1909 as touradas foram proibidas. Eram consideradas bárbaras». E dizem que o Brasil é um país atrasado?

«O futebol chega em 1897, em 1904 surge o Bangu, depois o Flamengo e o Vasco da Gama em 1923, um clube de negros. Na primeira presença olímpica, em Antuérpia, a delegação brasileira era só constituída por militares».

Fala-se de Política, do pântano cultural imposto pela ditadura militar brasileira.

«O golpe militar de 1964 atrasou de forma cruel a ligação entre o Brasil e o Desporto. Ironicamente, a oposição, a esquerda, também se afastou do desporto, preferindo as tertúlias e as reuniões culturais», prossegue Milton Teixeira, sentado num sofá castanho.

«As medalhas de ouro surgem no estertor do regime militar. Como vê, a Democracia só nos fez bem».

Milton Teixeira é um adepto apaixonado do Fluminense, «agora só pela televisão». A enciclopédia do futebol carioca é outra das suas especialidades. Lendas, mitos, amor. 

«A palavra 'torcedor' surge no Rio de Janeiro devido às moças que iam ver as pernas dos futebolistas», lembra, do nada, sem que qualquer pergunta apontasse nesse sentido.

«Os homens jogavam com roupa interior masculina. As mulheres ficavam na bancada, excitadas, a trincar o lábio e a torcer os cachecóis e as echarpes. O machismo, as hormonas e o futebol foram desde o início uma mistura explosiva». 

Nos Jogos Olímpicos, Milton Teixeira prevê «oito a nove medalhas de ouro» para o Brasil. E aplaude a comitiva portuguesa: «vocês vão adorar o Rio de Janeiro. O carioca adora o amigo lusitano».