O avançado Lucas João vive, por estes dias, o melhor momento da carreira, vendo o desempenho com a camisola do Nacional da Madeira reconhecido com a chamada à Seleção Portuguesa.

O avançado acrescenta, assim, ao currículo uma chamada à equipa das quinas, depois já ter sido assíduo nos escalões de sub-20 e sub-21, numa lista marcada por várias caras novas para o particular com Cabo-Verde.

Apesar dos 21 anos cravados no Cartão do Cidadão, Lucas João tem já garantido um lugar de destaque na história dos alvinegros, ou não fosse ele o primeiro a ser convocado enquanto jogador do clube, algo que não aconteceu, por exemplo, com Rúben Micael ou Luís Neto que não passaram das pré-convocatórias.

Lucas João não segue, propriamente, o protótipo de goleador convencional, geralmente homens solitários de rosto fechado constantemente à espreita pela oportunidade ideal para atacar a presa. O jogador nascido em Luanda encara o dia-a-dia de sorriso cravado nos lábios, até porque os episódios da sua carreira acabam marcados por uma espécie de  twist  que, invariavelmente, conduz ao sucesso.

O Maisfutebol traça-lhe, agora, o percurso de carreira da nova coqueluche dos insulares, numa história que tem início na viagem para a Madeira, inclui um retiro em Mirandela e tem epílogo na titularidade na Choupana.

 
Talismã inspirado em Ibrahimovic sonha com o Jamor
 
O protagonista de Almada que virou anónimo na Choupana

Lucas João embarcou para a Madeira em busca da felicidade, depois das portas de Benfica e Sporting lhe terem sido fechadas teste após teste, trocando o Beira-Mar de Almada, a sua casa de então, pelo desejo de uma carreira ao mais alto nível.

Aterrou no meio do Atlântico com o destino traçado: a equipa de juniores que procurava reforços cirúrgicos para atacar o Campeonato Nacional. Foi recebido por José Pedro Jacinto, responsável sub-19 nas últimas cinco temporadas, que, rapidamente, percebeu o diamante que tinha entre mãos para trabalhar.


«Vínhamos de disputar a fase de manutenção com uma equipa maioritariamente composta por jogadores de primeiro ano. Procurávamos, por isso, colmatar algumas posições específicas e para o ataque chegaram o Lucas e o brasileiro João Pedro [atualmente ao serviço do Trofense]. O Lucas tinha uma capacidade técnica acima da média, mas faltavam-lhe outros pressupostos de jogo como a intensidade», recorda o técnico, de 37 anos, que já guiou os madeirenses três vezes à fase de apuramento do campeão.

Além de todas implicações inerentes à alteração de contexto socioeconómico, Lucas João teve, ainda, de ultrapassar uma sempre difícil mudança de estatuto. O fato de herói que vestia no Beira-Mar de Almada ficou no armário, dando lugar ao cidadão anónimo que tinha de palmilhar para singrar no difícil mundo do futebol de alto nível.

«Chegou do Beira-Mar de Almada onde era ele e mais dez. Não era obrigado a defender nem a dar o máximo porque qualquer coisa que fizesse era sempre bom, tal era a diferença para os restantes colegas. A primeira coisa que lhe disse foi que, naquela nova realidade, não seria ele e mais dez. O Lucas é muito humilde e com a sua imensa vontade de trabalhar percebeu que tinha de dar tudo», sublinhou o treinador que forma com Idalécio Antunes uma dupla inseparável, recordando, posteriormente, a forma como o avançado conquistou um lugar na equipa.

«Tínhamos duas opções: o Lucas e o João Pedro, que depois regressou ao Brasil para jogar no Palmeiras onde foi um dos juniores em destaque. O Lucas acabou por levar vantagem porque o João, como era brasileiro, precisava do Certificado Internacional e o documento demorou a chegar. Entrou e nunca mais saiu», recorda.

Os madeirenses concluíram o campeonato na quinta posição, naquela que é, ainda hoje, a melhor prestação de sempre na prova desde a entrada em vigor do formato atual. Além de Lucas João, que terminou a época como segundo melhor marcador da equipa com nove golos, brilharam, nessa campanha, Nuno Campos, Edgar Abreu e João Camacho, jogadores que continuam a partilhar o balneário na Choupana.
 
O exílio em Mirandela

A boa prestação na primeira época na Madeira valeu-lhe um lugar nos eleitos de Pedro Caixinha para a pré-temporada insular, mas a concorrência de Keita e Mário Rondon (havia ainda Eliandro) acabaram por desvia-lo para Mirandela e para uma realidade sem qualquer ponto de contacto com a Choupana.

«Ir para Mirandela foi um passo muito importante. O Lucas saiu da sua zona de conforto para vir para o Nacional, conquistou o seu espaço e habituou-se a viver numa envolvência de I Liga. Depois passou pelo processo inverso, ou seja, do 80 para o oito, num clube com outras condições, sozinho e voltou a ter de passar pelo processo de afirmação e conquista do espaço», reforça José Pedro, confidenciando alguma conversas mantidas com Lucas João naquela altura.


«Falava com ele regularmente nessa altura e ele dizia-me que tinha saudades da comida do Alfredo [proprietário do restaurante que fornece a alimentação aos jogadores do Nacional], da estrutura de apoio, enfim de tudo o que rodeava. Acredito que aquela experiência contribuiu para ele voltar determinado a conquistar o seu espaço», lembro o técnico que foi adjunto de Ivo Vieira, atual treinador do Marítimo, nos sub-19 alvinegros em 2009/2010. 

Cinco anos a disputar o Campeonato Nacional de Juniores conferem a José Pedro Jacinto um conhecimento profundo sobre o futebol de formação em Portugal e o treinador não tem dúvidas em apontar o nacionalista como um dos três mais talentosos jogadores capazes de fazer frente à crise de pontas de lança que teima em não abandonar o Portugal.

«Já há muito tempo que digo que, com a mesma idade, só há dois jogadores do nível do Lucas João: O Betinho do Sporting, que está emprestado ao Brentford, e o Areias, titularíssimo do Vitória Guimarães B. São eles os futuros avançados de Portugal», prevê.
 
Do regresso a Angola à Seleção de Portugal em apenas três meses

Apesar de somar minutos desde o início da temporada, Lucas João apenas saltou para o estrelato em janeiro, num processo que coincide com a melhoria de resultados da equipa e com uma mudança para Angola que acabou por não se concretizar.

Nacional: Lucas João a caminho de Angola

«Como qualquer jovem jogador que se quer afirmar, o Lucas tinha de fazer golos para agarrar o lugar. A própria envolvência também não era a melhor porque, como todos sabem, a primeira volta do Nacional não foi das melhores. A oportunidade de sair para Angola surge numa fase em que o Suk [atualmente no Vitória Setúbal] deixou de estar disponível e ele foi chamado a jogar. Sem pressão desatou a fazer golos e as pessoas acharam, em boa hora, que era melhor ele ficar por cá», considerou o técnico.

De então para cá, Lucas João já festejou sete golos, o último dos quais numa cabeçada diante do Sporting na primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal. No entanto, nas últimas horas, o avançado tem sido tema de conversa pelo falhanço frente ao FC Porto que podia, inclusivamente, ter dado os três pontos aos insulares.

«Já falei com ele sobre o lance do jogo com o FC Porto. O que ele me transmitiu é que quando vai bater na bola há um ressalto na relva que o leva a apanhar quase na canela. Esse episódio não vai condicionar nem abalar o Lucas. Ele faz aquilo que gosta e vai continuar motivado para cimentar a sua posição e dar sequência a esta primeira chamada à Seleção Nacional», contou, sublinhado a importância que o avançado do Nacional pode ter para Fernando Santos.

«O Lucas é um jogador que não precisa que a equipa trabalhe para ele. Basta ver um jogo e facilmente se percebe que ele trabalha muito para a equipa e além dos golos que marca dá muitas assistências. Isso é muito fundamental para qualquer treinador. Ele encara cada treino como se de um jogo se tratasse e não é daquele tipo de jogadores que se limita a marcar presença no treino. A ambição constante que tem de melhorar faz com que os treinadores possam sempre contar com ele», rematou num grande elogio à forma como Lucas João encara a profissão.