«Posso?», pergunta-nos em castelhano, enquanto entra no elevador da unidade hoteleira onde o Maisfutebol está instalado, em San Sebastián.

À medida que o elevador desce para a receção, a conversa inicia-se e evita-se o silêncio, por vezes, desconfortável destes momentos. E Carlos Brito, o indivíduo que instantes antes tinha entrado no elevador, apresenta-se como sócio do Benfica e da Real Sociedad.

Ficamos boquiabertos. Como é possível alguém ser sócio de dois clubes que estão separados por mais de 900 quilómetros?

«Por influência do meu pai, comecei a apoiar o Benfica desde miúdo. Assisti a vários jogos memoráveis no antigo estádio da Luz. Mais tarde, entre 1980 e 1985, morei em Madrid, mas nunca gostei das equipas da cidade. Por influência de amigos, do Carlos Xavier, que andou no liceu comigo, e do Oceano, que jogavam na Real Sociedad na altura, tornei-me adepto do clube», começou por contar ao Maisfutebol, já no dia seguinte, entre a curta viagem do hotel ao estádio Anoeta.

«Estive também emigrado na Suíça e todos os anos passava férias em Portugal. Numa dessas viagens de carro, decidi parar em San Sebastián e fiquei maravilhado com as praias e com a beleza da cidade. Pensei: “Como é que vivi tantos anos em Madrid e nunca vim cá?”», acrescenta, quando o estádio txuri-urdin já surge no horizonte.

Já fora do carro, o sócio do Benfica e da Real Sociedad, de 67 anos, explica-nos como foi mantida a ligação ao emblema basco.

«Tenho um amigo desde o tempo em que morei em Madrid, o Fernando, que é natural de Donostia. Ao longo dos anos, ele enviou-me cassetes, porta-chaves e coisas do clube. É uma história muito bonita e ainda hoje somos amigos», esclarece.

Carlos Brito interrompe o diálogo e parece procurar qualquer coisa nos bolsos. Ah! Os cartões de sócio da Real Sociedad e do Benfica. Exibe-os, com orgulho.

«Já vivia em Portugal quando decidi tornar-me sócio da Real Sociedad. Foi em 2000. Queria ser sócio, mas não tinha conta num banco espanhol. O meu amigo Fernando disse que pagava as quotas por mim. Inicialmente enviava-lhe o dinheiro, mas, entretanto, ele disse-me: ‘Carlos, não me vais pagar mais. Quando vieres cá, vamos jantar’. Como o cartão não tem fotografia, ele vai a todos os jogos em casa com o meu cartão», diz.
 

Carlos Brito mostra os cartões de sócio do Benfica e da Real Sociedad.


«Há uns anos, vim aqui aos escritórios da Real Sociedad no estádio e disseram-me que era o único português registado como sócio», reforça.

O lisboeta, que reside em Carcavelos, não contém as lágrimas ao falar sobre o assunto, mas apressa-se a pedir desculpa. «Emociono-me com facilidade», justifica enquanto se recompõe.

Afinal, quem vai ao jogo, esta quarta-feira? A resposta não deixa dúvidas: «Eu! Como o Fernando vai sempre aos jogos, desta vez vou eu. Isto é um sonho… há muitos anos que gostava que este sonho se realizasse, que o meu clube do coração, o Benfica, jogasse com a Real Sociedad, o meu segundo clube. São dois amores. Se dá para ter dois clubes? Dá», sublinha, já entre risos.

Caminhamos, em passo lento, para a loja oficial da Real Sociedad. Na montra, há um manequim com um cachecol alusivo ao jogo: metade txuri-urdin, metade encarnado. Embasbacado, Carlos Brito fixa os olhos no adereço e as lágrimas voltam a escorrer-lhe pela face.

«Não esperava ver um cachecol com os dois emblemas do meu coração. Fiquei muito emocionado, passaram-me muitas recordações pela cabeça», refere.
 

Carlos Brito com um cachecol alusivo ao jogo entre a Real Sociedad e o Benfica, os dois clubes que apoia.

Antes de nos despedirmos, há uma dúvida importante esclarecer. Por quem vai torcer esta quarta-feira? «Pelo Benfica. Mas vou estar no meio dos adeptos da Real, por isso, tenho de comportar-me bem», atira, com um sorriso.

Nem os títulos de campeão espanhol no início da década de 80, nem a Taça do Rei conquistada frente ao eterno rival, Athletic Bilbao, em 2020, ou os títulos do Benfica celebrados desde que se lembra de ir à bola, o sonho de Carlos Brito era só um: ver os dois clubes do coração defrontarem-se.