* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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Se Deus é o conceito pelo qual todo o sofrimento é medido, como avisou John Lennon numa das suas infinitas viagens interiores, então o Centro Inter-Religioso da Aldeia Olímpica é um depósito sem fundo da «mais física das sensações humanas».

Religião e Desporto, mãos dadas, olhos nos olhos. «O atleta não é só corpo, mas também alma», lembra o padre Leandro Lenin, na visita guiada ao Maisfutebol a este espaço «de unidade dentro da diversidade».

Estamos no coração da vila olímpica. A arqui-diocese do Rio de Janeiro e o COI criaram uma estrutura ecuménica para o apoio emocional e espiritual às mais de 17 mil pessoas que passarão por aqui nas próximas semanas.

A iniciativa teve um feedback «recompensador» nos Jogos Pan-Americanos de 2015 e mantém-se para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.

O Padre Lenin sentado ao lado do Papa Francisco

Cristianismo, islamismo, budismo, hinduísmo e judaísmo, as cinco maiores religiões do mundo estão representadas. «Teremos quatro capelães católicos, quatro presbiterianos e mais quatro representantes de cada uma das outras crenças», conta o padre Lenin, ele próprio um devoto do desporto.

«Fiz natação toda a vida e nos últimos anos entreguei-me à corrida. Todos os dias faço entre cinco e dez quilómetros», confidencia o coordenador desta verdadeira arca religiosa. Ninguém fica de fora.

«Há dez mil religiões no planeta. Não podemos ter todas representadas, mas se algum atleta de outra fé nos procurar e pedir apoio, de imediato encontraremos um sacerdote dessa mesma fé».

«Na Aldeia Olímpica combateremos tabus»

O mundo vive dias sanguinários. De extremismo e intolerância. O Maisfutebol coloca esse dado em cima da mesa da conversa e pede uma reação ao padre Lenin. Há reconciliação possível?

«Tem de haver, o Homem tem de superar isto. Não há receio nenhum, de nossa parte, em situar todas as religiões no mesmo espaço. Esta é, de resto, a prova viva de que é possível a harmonia inter-religiosa. Dividimos a sala e recebemos os crentes das mais distintas regiões do mundo. Vai ser recompensador», reage o sacerdote.

Simpático, jovial, excelente conversador, Leandro Lenin insiste no tom da «compreensão e respeito», dentro ou fora da competição.

«A dimensão espiritual não é estranha ao desporto. Pretendemos que a Aldeia Olímpica seja um verdadeiro lar. Um lar com carinho e respeito para combater tabus», prossegue, não valorizando as polémicas que têm atormentado o território brasileiro e a própria organização dos Jogos.

«Um casamento na Aldeia? Ficaria feliz com isso»

Neste espaço de pureza e catarse, o único código seguido é o da gentileza. «O atleta precisa de ter alguém com quem se alegrar na hora da vitória, mas também precisa do ombro amigo na hora em que percebe que alguma coisa não correu bem».

Esse ombro e essas palavras serão presença ubíqua no templo. Antes e após as provas, na celebração e na desilusão, o desportista terá um apoio «fraterno e incondicional».

«Ter uma área ecuménica para oferecer conforto religioso é fundamental para nós. Temos a clara noção de que a frustração e a glória andam sempre demasiado próximas», continua o clérigo, certo de que a sua cidade, a Cidade Maravilhosa, está preparada para «o hercúleo desafio» de organizar a mais grandiosa das provas desportivas.

«O Rio de Janeiro está preparado. E ansioso. Estamos de braços abertos, como o nosso Cristo Redentor. Esse simbolismo é real, os cariocas adoram receber com simpatia», refere o padre Leandro Lenin, no final de uma visita demorada e marcada por instantes de bom humor clerical.

O Maisfutebol desafia Leandro Lenin com uma provocação: e se dois atletas se apaixonarem durante os Jogos e quiserem contrair matrimónio na Aldeia Olímpica?

«(risos) Como missionário de Deus só poderia ficar feliz com isso. Tudo o que estivesse ao meu alcance para legalizar essa união seria feito com maior dos orgulhos».