* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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Esfregona na mão, para trás e para a frente, minucioso. Ewerton Nascimento deixa o chão da casa de banho a brilhar. Entra um usuário, aí vem mais outro, e o rapaz da Cidade de Deus tem sempre um sorriso para oferecer.
O Maisfutebol encontra-o dia após dia no mesmo sítio. «Bom dia, boa tarde». E Ewerton sempre lá.
Na noite da passada quinta-feira, a conversa vai mais longe. Quem é você, Ewerton? O que faz aqui no Rio2016?
«Tenho 23 anos e trabalho nos serviços gerais. Faço faxina no WC. Os meus Jogos Olímpicos são ganhos aqui».
Camisola roxa imaculada, calças negras, Ewerton é um bom profissional. Esmerado. Seguimo-lo com atenção nos afazeres diários, muita lixívia e controlo perfeito da esfregona.
Depois, a surpresa.
«É um bocadinho frustrante. Estou aqui dentro, tão perto, e não posso ver nem um segundinho das provas. Só quando chego a casa, na televisão», reclama Ewerton, com uma humildade tocante.
«Estou aqui dentro todo o dia. Oito horas, às vezes mais. Só posso ficar nesta zona dos WC. É o pior sítio das Olimpíadas, mas dá para escutar o som da torcida. No ténis de mesa gritam muito, dá-me ânimo para o trabalho».
«O meu irmão morreu com uma bala perdida. Mas lá é tranquilo»
Inaceitável. Ewerton sai da Cidade de Deus para o Parque Olímpico, todos os dias. Está proibido de largar a zona de instalações sanitárias e jamais viu uns minutos de competição olímpica.
Nem ténis, nem natação, nem ténis de mesa, tudo a poucos metros dele.
Ewerton percebe o interesse do jornalista do Maisfutebol – e do colega da SporTV – e acrescenta uns pozinhos de dramatismo ao relato.
«Se eu não estivesse aqui agora… bem, estaria a jogar peladinha na minha comunidade. Perigoso? O meu irmão morreu com uma bala perdida, mas é tranquilo».
Este braço de ferro de emoções está perdido. Ewerton derrota os repórteres por KO. A decisão está tomada e é definitiva: temos de conseguir levar Ewerton a uma das finais de ténis de mesa. Na primeira fila da bancada de imprensa.
Vamos a isso?
«Este mês vou ganhar 1100 reais (310 euros)»
Autorizações, telefonemas, supervisores e patrões. A dada altura, a guerra travada pelo sonho de Ewerton começa a ser perdida. Até que encontramos a pessoa certa. Chama-se Cecil Blieker e é o responsável pela coordenação do Media Center.
«O Ewerton nunca viu nenhum jogo? Então temos de levá-lo. Deixem-me fazer um telefonema e pedir autorização».
A espera torna-se longa. Começamos a partilhar da ansiedade de Ewerton. «Este mês vou ganhar 1100 reais (310 euros) e vou ter dinheiro para entregar em casa».
«Fico feliz por os Jogos estarem na minha cidade. Sinto que faço parte deles», continua o simpático faxineiro, visivelmente nervoso, como se preparasse a sua própria final olímpica.
O que pensa Ewerton enquanto limpa as casas de banho e ouve o barulho no pavilhão? «Imagino o que se passa lá. E quando não está ninguém pego na esfregona e faço de conta que é uma raquete».
Calma Ewerton. Isto vai mesmo acontecer.
«O pavilhão é muito grande, não é?»
Dia 11 de agosto, 21h30. Final do Ténis de Mesa masculino, singulares. Dois chineses frente a frente. Long Ma contra Jike Zhang. Ganha o primeiro, quatro sets a zero.
Na primeira fila da bancada reservada aos jornalistas, de olhos colado na bolinha branca, o bom do Ewerton. Boquiaberto.
«Nunca joguei ténis de mesa. O pavilhão é muito grande, não é?»
A esfregona não pôde entrar. Atrás, Cecil, o nosso cúmplice, segue tudo comovido. Tão simples e tão belo.