III Divisão Nacional, Série D, 17 de outubro de 1993. Chuva incessante em Vila Franca de Xira, pelado encharcado, muita luta e futebol durinho. No final, José Peseiro derrota Rui Vitória.  

O Maisfutebol localiza a primeira batalha entre os agora treinadores de FC Porto e Benfica.

Vitória é, por esses dias, um médio talentoso no Vilafranquense. 23 anos e já capitão de equipa.

Peseiro, 34 anos, acumula funções. É treinador e, ao mesmo tempo, avançado do União de Santarém.

Na tormenta «de água e cal viva», Peseiro ganha por 1-2 em casa de Rui Vitória. A 20 de março de 1994, meses mais tarde, volta a triunfar: 2-0, num jogo com mais incidentes.

Albertino ‘Tino’ Novo é incapaz de esquecer os dois primeiros duelos de sempre entre Rui Vitória e José Peseiro. «Eu jogava no União de Santarém, com o Zé Peseiro, e lesionei-me nesses jogos, curiosamente», conta ao Maisfutebol.

Vilafranquense, 1995/1996: Rui Vitória está ao centro em baixo
(Foto: arquivo pessoal de Germinal Cardoso)

«Em Vila Franca de Xira, o terreno estava empapado e valeu quase tudo. As marcações do campo eram em cal viva e fiquei com as pernas queimadas. Não pude jogar duas semanas. Na segunda volta, em Santarém, parti um pé. Fiz o jogo todo e só no dia seguinte é que percebi que tinha uma fratura».

 

Tino lembra-se bem de Rui Vitória, o camisa 10 do Vilafranquense. «Bom jogador, esclarecido».  

Ao lado de Vitória, por esses dias, está Germinal Cardoso. Cinco anos consecutivos no Vilafranquense. Germinal recorda o rapaz de «personalidade vincada» e «preocupado com o bem estar do grupo».

«Era o Rui que fazia a ponte entre o plantel e a direção, por exemplo, quando havia problemas com salários», diz ao nosso jornal, mais de duas décadas depois dos primeiros duelos com José Peseiro.

«Lembro-me que o Rui Vitória tinha boa técnica, jogava no meio campo, próximo dos avançados. Rematava bem de fora da área, tinha qualidade. Era alto e magro. Agora já tem barriguinha (risos)».

OS RESULTADOS ENTRE VITÓRIA E PESEIRO

. 17/10/1993 (III Divisão, Série D)
Vilafranquense-U. Santarém, 1-2


. 20/03/1994 (III Divisão, Série D)
U. Santarém-Vilafranquense, 2-0

Classificação final:

União Santarém, 1º classificado, 54 pontos
Vilafranquense, 9º classificado, 36 pontos

«O plantel comia uma mariscada e o Rui ia pelo bife e batatas fritas»


Germinal tem «excelentes memórias» de Rui Vitória e muitos pormenores curiosos.

«Ele era o único do plantel que não gostava de marisco e cerveja. Sempre que nos reuníamos para uma mariscada, o Rui pedia bife e batatas fritas. E perguntava-nos: ‘eh pá, como é que vocês comem esses bichos?’».

O rapaz «estudioso e sempre atualizado» nunca se mete em problemas. «Nem fora nem dentro de campo. Era tranquilíssimo. Aliás, o Rui tinha um pequeno problema. Sempre que apanhava um adversário agressivo, fugia ao confronto. Desaparecia do jogo», contra, entre sorrisos, Germinal Cardoso.

«Mas com espaço, atenção, era craque. Metia a bola onde queria. Lembro-me de uma tarde em que ganhámos 0-1 em Fátima. Cruzamento meu e golo do Rui. Mas tarde ele até foi treinar o Fátima. O futebol é assim».

Germinal recorda outro episódio, ilustrativo da «maturidade acima da média» de Vitória. «O Sporting foi ao Vilafranquense contratar o Torrão. Fizemos grande festa no balneário, mas o Rui chegou perto dele e disse-lhe: ‘atenção rapaz, ainda não conquistaste nada. Agora é que vai ser’».   

«O Peseiro treinador não escolhia o Peseiro avançado»

O primeiro passo de José Peseiro no cargo de treinador é dado em Santarém, nesse excelente União.

«O Zé começou a época como avançado e treinador, mas mais tarde deixou de jogar. A equipa era muito boa e o outro ponta de lança, o Filipe, dava conta do recado. Era o que o Zé Peseiro queria», conta Tino, outro dos atacantes desse plantel.

«Ele geria muito bem a condição dele. Colocava-se muitas vezes no banco de suplentes (risos). O Peseiro treinador não escolhia o Peseiro avançado. Sabia perfeitamente o que fazia».

Tino elogia sobretudo «a preparação fantástica» do atual técnico do FC Porto. «Era muito evoluído e fazia um trabalho já a pensar na prevenção de lesões. Em 1993, mais nenhum técnico obrigava os atletas a esticar e abrir as pernas contra a parede, para fortalecer o abdómen e evitar pubalgias. Explicava tudo ao detalhe».

Vilafranquense, 1995/1996: Rui Vitória está ao centro em baixo
(Foto: arquivo pessoal de Germinal Cardoso)

Peseiro, então um jovem na casa dos 30, procura conquistar o grupo através do diálogo e da comunicação. «No dia a seguir aos jogos, analisava individualmente a nossa prestação e exigia que todos nós falássemos do jogo também. Não sei se ainda o faz, mas isso era muito motivante».

«Há muitos episódios reveladores do que ele é. No final da época subimos e ele pagou do bolso dele o almoço de celebração. Atenção, nessa altura ninguém era rico», sublinha Tino.

E há mais.

«Eu cheguei duas semanas atrasado, porque estava na tropa, e fui ter com ele, preocupado. ‘Mister, quero jogar e estou pior do que os outros…’ Ele foi fantástico. Descansou-me logo, disse que ia desenhar um programa específico para mim e que em duas semanas ficava ao nível do resto da malta. Assim foi, no primeiro jogo da época lá estava eu nos titulares».

Mais de 20 anos depois, muita coisa está diferente em Peseiro. Menos a atração pelo futebol de ataque. Sempre com qualidade.

«É um amante do bom futebol. Muitas vezes nessa época entrámos mal, a sofrer um golo, e ele dizia-nos sempre o mesmo: ‘calma, joguem a bola no pé, sem desespero’. Obrigava-nos a jogar bom futebol».

Na época 1993/1994, o treinador-avançado José Peseiro ganha duas vezes ao Rui Vitória número 10.

Sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016, há um Clássico dos grandes entre estes dois ribatejanos. 

«Rui Vitória regressa às grandes exibições» lia-se no jornal da altura