Na passada segunda-feira, 6 de outubro, o Maisfutebol decidiu entrar de cabeça na fase de qualificação do Euro2016. Pensámos, antes de mais, vestir a pele de streaker e invadir um relvado.

Daria uma boa reportagem, na verdade, mas a multa abalaria certamente o nosso orçamento.

Eliminada essa hipótese, avançámos para o Plano B: pedir licença para frequentar o balneário de uma das seleções europeias. Mas como? Bem, olhámos o ranking FIFA e decidimos que seria mais sensato abordar as equipas mais frágeis. Ou menos fortes, se preferirem.

Batemos, por isso, à porta do Liechtenstein. Fomos recebidos com uma simpatia invejável. Peter Jehle (108 internacionalizações), ex-guarda-redes do Boavista, foi o anfitrião. A ele juntaram-se Nicolas Hasler (32 jogos/1 golo) e Franz Burgmeier (88 jogos/8 golos), dois dos atletas mais experientes e de maior qualidade na seleção alpina.

Todos se prontificaram a relatar, na primeira pessoa, os dias entre o jogo com Montenegro (em Vaduz) e a visita à Suécia. Pelo caminho, infelizmente, Jehle contraiu uma lesão grave no braço direito e foi submetido a intervenção cirúrgica. Hasler e Burgmeier foram até ao fim.

O Liechtenstein empatou 0-0 contra Montenegro e perdeu 2-0 na Suécia. Estivemos nos bastidores desses dois jogos, guiados por três dos futebolistas mais conhecidos da pequena seleção.

Escolhemos o Liechtenstein [seleção 172 no ranking FIFA] para somarmos as nossas primeiras duas internacionalizações. E escolhemos bem. A prova está nas próximas linhas desta reportagem. 

Tudo acabou como devia ser: futebolistas e adeptos a beber um copo. Não pode ser sempre assim?

DIA 1: um braço partido, um 0-0 histórico


PETER JEHLE

«Já estamos no autocarro, sentados. O caminho para o estádio dura poucos minutos. Silêncio. A equipa está em modo de jogo: focada e concentrada. Muitos dos jogadores ouvem música nos headphones. Eu sou um deles.

Ainda penso nas palavras do nosso selecionador. Há meia-hora falou connosco e mostrou-nos uma imagem que não me sai da cabeça: na capa de um jornal estrangeiro, desportivo, lemos que o Liechtenstein não será capaz de fazer um único ponto neste grupo de qualificação…

Já vemos o estádio, os holofotes estão ligados. Saímos do autocarro e vamos diretamente para o balneário. Falámos com o roupeiro e recolhemos o equipamento. Relvado. Que noite fantástica para jogar futebol em Vaduz! Quase não consigo esperar pelo início.

Estamos bem preparados para defrontar Montenegro. Eu sinto-me cheio de energia.

Voltamos ao balneário, equipo-me e salto para o aquecimento. No balneário a música toca nas alturas, ninguém fala. O que tinha de ser dito foi dito no hotel. Ok, agora já ninguém me segura, estou pronto.

O treinador de guarda-redes fala comigo, um adepto chama por mim na bancada. Não tenho tempo para falar, o meu cérebro só pensa na bola. Tudo o que me rodeia está longe, longe. Ótimo, estou da forma que mais gosto.

Volto ao balneário e ouço a equipa de Montenegro aos berros, logo ali ao lado. Entramos, toca o hino nacional e eu canto de olhos fechados. Foto de equipa, apito inicial, vamos!!!


Montenegro entra forte, cheio de vontade de vencer. Um ataque atrás de outro, remate difícil do Jovetic. Encaixo bem a bola. I am on fire! Estamos a lutar, Montenegro impõe o ritmo. Intervalo, 0-0, que primeira parte dura!

Segunda parte, ataques selvagens de Montenegro. Precisam desesperadamente de um golo.

Minuto 63. Vucinic tem a bola, finta, entra na área e tem boa posição de remate. Chuta. A bola vem direita a mim. Ok, não parece difícil. Bate-me na mão direita, sinto e ouço um crack no meu braço. O impato é fortissimo. Merda. Chuto a bola para fora, todos olham para mim.

Ouço gritos: o que se passa Pete? Não respondo. Sento-me e espero pelo médico. O que tens? Senti alguma coisa a partir no braço Doc. Tens de sair Pete, deve ser alguma coisa séria. Atrás, o fisioterapeuta avisa o treinador. Grito de dor e raiva.

Abandono o relvado. Sinto que vou ficar de fora várias semanas… agora é com os meus colegas».

NICOLAS HASLER

«Um ponto! Empatamos! Agradecemos aos adeptos e vamos para o balneário. Cantamos, tiramos fotos, não paramos de saltar. Depois de um ano inteiro sempre a perder, um ponto é uma grande conquista. Merecemos uma cerveja! Pelo menos uma.

Estamos aliviados, no fundo. Jantamos no hotel e a seguir temos mesmo de ir dormir. Dormir? Quem consegue dormir depois de tamanha emoção?»

DIA 2: este batido de proteínas é bom

FRANZ BURGMEIER

«A manhã começa com um pequeno-almoço fantástico, incluindo um batido de proteínas. Adoro. Às 9h30 saímos do hotel e seguimos para o Aeroporto de Zurique. No Liechtenstein não há espaço para um aeroporto (risos). O voo para Estocolmo dura 2h30 e é passado a dormir. Todos precisamos de dormir.

Bebemos mais uma garrafa do tal batido. O esforço contra Montenegro foi muito grande. Chegamos a Estocolmo, recolhemos a bagagem e 30 minutos depois estamos no hotel. O campo de treinos fica muito longe e a equipa técnica prefere trabalhar no ginásio. No final vamos para a sauna e seguimos depois para o jantar. Mais um batido de proteínas e estamos prontos para o sono.

Não há cartas nem conversa. Estamos exaustos e vamos cedo para a cama».


DIA 3: Estocolmo, mulheres bonitas e Zlatan (em sonhos)


NICOLAS HASLER


«Depois do pequeno-almoço, logo às 8h30, vamos de autocarro para umas instalações de treino militar. Estamos assustados, mas vemos um relvado e acalmamo-nos. Os titulares contra Montenegro jogam futevólei
, os outros trabalham mais intensamente.

O treino é engraçado porque dividimos as equipas do futevólei
em grupos originais: de um lado os jogadores que nasceram mesmo no Liechtenstein, do outro os que se naturalizaram mais tarde. E sabem quem ganhou? Os outros, claro.

A minha equipa tem o Burgmeier, o Mario Frick, o Kaufmann e o Buchel. 2-1 em sets para eles. Polverino e companhia celebram como se tivessem ganho o Campeonato do Mundo! (risos)»

FRANZ BURGMEIER


«Depois do almoço nem temos tempo para uma sesta. Toda a equipa segue para uma visita de barco às ilhas em redor de Estocolmo. É sempre bom ter este tipo de iniciativas. Se não fosse assim, só víamos estádios, hotéis e aeroportos. Estocolmo é uma cidade fantástica, com um centro histórico extraordinário, muitos parques e, claro, mulheres lindas.

Portamo-nos bem e voltamos ao hotel para preparar o treino mais importante antes do jogo contra a Suécia, em Solna. Depois de não termos sofrido golos contra Montenegro, o técnico pede que nos foquemos no mais difícil: ter a capacidade de também marcar golos.

Acabamos o dia com um ambiente muito bom. Jantar e depois massagens. Os nossos dois fisioterapeutas são ótimos.

Vamos para a cama a sonhar com o Zlatan [Ibrahimovic] e companhia. Qual será a melhor estratégia para lhes ganhar?»

DIA 4: presentes à Suécia e um copo com os adeptos


FRANZ BURGMEIER


«Dia de jogo! Típico pequeno-almoço sueco para arrancar a manhã. Vamos dar um passeio a pé e respirar ar fresco antes da partida. Ao almoço comemos massa. Na reunião da equipa vemos imagens dos últimos jogos da Suécia. É sempre importante conhecer bem todos os jogadores adversários.

Uma hora de aula teórica, uma sesta rápida e mais uma refeição cheia de massa. Estamos a quatro horas do início do jogo e temos uma bela surpresa! O Peter Jehle, mesmo lesionado, aparece e deseja a todos boa sorte. Enche-nos de coragem e apoio.

18h45: hora de partir para o estádio. A ansiedade cresce, imparável. Para alguns jogadores é a estreia absoluta num estádio tão grande e com tanta gente a ver. Nas bancadas estão 200 adeptos do Liechtenstein [a nossa população é de 30 mil habitantes]. Vê-los ali, com a nossa camisola, deixa-nos comovidos.

À volta deles uma moldura de gente amarela. Assustador».


NICOLAS HASLER


«Durante a primeira parte sofremos uma pressão muito forte. Mas só concedemos um golo. Que azar! Aos 34 minutos, um remate inofensivo bate num defesa nosso e trai o guarda-redes. Mesmo assim, ao intervalo todos acreditamos num empate. A palestra do selecionador vai nesse sentido.

O pior é que aos 30 segundos do segundo tempo, a nossa seleção dá um belo presente à Suécia. 2-0. Vejam a jogada na internet! Lutamos até ao fim e chegamos ao fim orgulhosos. Perder 2-0 na Suécia é um resultado aceitável, mas ao pensarmos nos dois golos sofridos percebemos que era possível mais. Estamos desapontados.

No hotel o selecionador elogia-nos, diz que está orgulhos e dá-nos um presente: hoje podem ir beber um copo com os adeptos!


DIA 5: na Moldávia é para ganhar

NICOLAS HASLER


«Oito horas, é altura de voltar a casa. Ao meio-dia estamos em Zurique. Sentimo-nos felizes por estar com a família e já pensamos no jogo de novembro contra a Moldávia. Esperamos que a nossa primeira vitória aconteça aí, em Chisinau».

Um abraço forte a todos os leitores do Maisfutebol,
Pete, Burgi e Nici