17 de maio de 2003.

A data ficou para sempre gravada no quadro de honra das seleções portuguesas, após a conquista do título europeu de sub-17.

No Estádio do Fontelo, em Viseu, os portugueses derrotaram a «equipa maravilha» da Espanha por 2-1 e deixaram o «caneco» em casa.

João Coimbra era um dos nomes presentes nesse encontro histórico. Ao lado de João Moutinho, Miguel Veloso, Vieirinha ou Paulo Machado, o médio entrou na história do futebol português.

Desde então, nunca mais esqueceu esse dia. No fundo, foi o começo de tudo.

«Foi um dia inesquecível. Um estádio cheio a torcer por nós, contra a equipa maravilha, como era chamada. A Espanha tinha David Silva, Jurado, que na altura era mesmo craque. Conseguimos ganhar em casa e foi um dia memorável. Cada passo que demos nesse jogo ainda está na memória de todos certamente. Muitos de nós ficámos conhecidos por isso.»

Catorze anos volvidos, o Maisfutebol foi dar com João Coimbra no Estágio do Jogador, iniciativa levada a cabo pelo Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF).

Na realidade, o jogador de 31 anos é repetente no projeto e, garantiu, não sente qualquer tipo de vergonha em fazer parte dele há já três anos.

«Isto tem cada vez mais condições, é muto bom para mantermos a forma. Sinto-me melhor agora do que com 21 anos se for preciso, não só fisicamente mas também psicologicamente. Por isso quero continuar a mostrar que ainda estou aí para a luta. Qualquer um quer chegar à Liga. Eu sinto que tenho condições e quero continuar a demonstrar isso, mas depois depende de outras coisas», vincou.

Essas «outras coisas» são aquelas que, muitas das vezes, complicam a vida aos jogadores. Uma delas é a idade.

Noto que há esse estigma dos trinta, mas depois há exemplos como o do Silas, que aos 40 anos ainda mostrava um empenho e disponibilidade muito grandes. No último ano mostrei que estava bem, fiz muitos jogos. É triste que se olhe muito à idade em Portugal, em vez de se ver o que os jogadores fazem em campo. Talvez isso mude, nós aqui queremos provar que é uma ideia errada»

Agora tem como companheiros muitos jogadores que outrora estiveram debaixo dos holofotes e que, tal como ele, parecem ter-se tornado menos apetecíveis para as gentes (e agentes) do futebol.

É verdade, há uma altura em que o interesse [dos empresários] é menor, mas também depende do rendimento do jogador. A partir dos trinta nota-se mais isso, o momento é o mais importante. Numa altura em que os jogadores precisam mais de ajuda é que ela desaparece. Até comentei aqui com uns colegas: quando há lesões e situações destas, até aqueles supostos amigos desaparecem, não os verdadeiros, mas os outros», indicou.

Na última época alinhou em grande parte dos jogos da U. Leiria no Campeonato de Portugal, sem qualquer pudor por se tratar do terceiro escalão do futebol português, pese embora muitos ainda se lembrem dele pelo vasto trajeto na Liga.

Um trajeto que teve início no Benfica.

Da troca com Miccoli às épocas de sonho ao lado de Marco Silva

Em 2005, aos 20 anos, João foi um dos jovens que Ronald Koeman decidiu promover à equipa principal dos encarnados. Na época de estreia foi lançado apenas num jogo e mesmo em cima do apito final, por troca com Fabrizio Miccoli. Na segunda, porém, conseguiu ter mais espaço.

Ao olhar para trás, contudo, o médio confessa que hoje possivelmente teria tido outras possibilidades.

«Sempre foi o clube do meu coração e foi um sonho ter chegado à equipa principal. Mas olhamos para agora e tem muito mais condições. Nós treinávamos em pelados ou em recintos lá perto, devido às obras no estádio. Agora até os jogos de juniores são televisionados. Quem passou naquela casa sente que, se tivesse passado lá nesta altura, as coisas podiam ter sido diferentes»

«Se calhar se tivesse nascido dez anos antes, o meu destino seria outro, mas não gosto de pensar nisso. Sinto que fiquei conhecido muito por causa do Benfica e, se muitas vezes ainda me reconhecem na rua, muito se deve ao facto de ser o João Coimbra que jogou no Benfica. Talvez me tenha afetado um pouco psicologicamente isso, mas sempre fui um rapazinho tranquilo. Acima de tudo foi um sonho poder jogar com senhores do futebol, como Rui Costa, Simão ou Miccoli», recordou.

Ao fim de onze anos, encerrou o capítulo nas águias na época seguinte, dando início a um caminho em que conheceu mais sete clubes. Estabeleceu-se no Estoril, entre 2009 e 2014, e foi no emblema da Linha que viveu uma das histórias que lhe deixam mais saudades.

Depois de subir de divisão com os canarinhos, o médio disse presente nas duas épocas de sonho que a equipa da Linha viveu recentemente, com duas idas à Liga Europa, inclusivamente.

À frente dessa equipa surpresa estava Marco Silva, atual treinador do Watford de Inglarerra.

«Ainda apanhei o Marco como jogador, recordo muito o ano em que subimos de divisão. O grupo era espetacular, dentro mas, acima de tudo, fora de campo. Essa era a nossa força e o Marco soube explorar muito bem. Recordo esse ano com muita saudade, ficou uma ligação forte entre nós. Foi a prova de que bons jogadores não ganham campeonatos, mas um bom grupo sim. Aquelas duas idas à Liga Europa seguidas foram prova disso», afirmou.

Ao olhar para o antigo colega, João não esconde «orgulho» no trajeto que este traçou, até porque, pelos vistos, sempre demonstrou um talento nato para ser treinador.

«Quando eu conheci o Marco, ele já queria ser treinador e notava-se em campo. Quando o Professor Neca era treinador do Estoril, pediu ao Marco para ele e ver um adversário, visto que não iria jogar o próximo encontro, creio que por castigo. Lembro-me que o mister ficou maluco com o relatório que o Marco apresentou, gostou mesmo muito. Às vezes, nos treinos, explicava-nos como tínhamos de fazer nas bolas paradas»

«O gosto estava lá, depois teve a oportunidade que muitos gostavam de ter, embora com muito mérito. Agora está onde está e de forma merecida, tenho um orgulho tremendo. Como treinador nem vale a pena falar, mas gosto sempre de realçar o lado humano dele», referiu.

Um possível Doutor que dá prioridade ao futebol

Com o avançar da idade e da carreira, João Coimbra decidiu abraçar um novo projeto. Por sinal, nada fácil. O médio tenta conciliar o futebol com o curso de medicina, a fim de garantir alguma alternativa para quando disser adeus aos relvados.

Para já, confessou, quer apenas desfrutar da sua paixão de sempre.

«O curso são de cinco anos e já cumpri três. Com 31 anos já começo a pensar que num futuro próximo vou terminar. Para já quero desfrutar ao máximo do futebol, porque sei que vou sentir saudades disto. O futebol é a minha vida, mas sei que tenho uma opção muito válida para quando terminar a carreira. Nesta altura tenho de pensar também nas minhas filhas e sei que terei um futuro mais garantido, mais certo. Depois decido, quando terminar a carreira», explicou.

A carreira, essa, tem já muitas histórias para contar. Na Índia, por exemplo, contou que viveu um dos períodos mais ricos em termos de envolvência, menos a nível gastronómico, uma vez que «a comida era sempre muito picante».

Nesta fase, a prioridade é encontrar um clube e viver o futebol ao máximo, até porque ele deu-lhe algumas das melhores coisas da vida.

«As amizades é o que ficam. Aquela geração campeã da Europa, por exemplo, continuamos a ser grandes amigos. Depois do futebol é isto que fica e nesse aspeto sinto-me feliz porque sei que tenho amigos para a vida feitos no futebol», concluiu.

O resto, virá por acréscimo.