Já imaginou, leitor, o que teria sido se, no último ano do século passado, os adeptos do Manchester United tivessem desistido da final da Liga dos Campeões com o Bayern?
 
Uma tragédia, claro.
 
A história é conhecida, e felizmente para os apoiantes do Manchester United ninguém pensou em sair mais cedo. A formação de Alex Ferguson fez dois golos nos descontos, deu a volta ao jogo e proporcionou a final da Champions mais louca de sempre.
 
Ora à sua dimensão, essa final da Liga Campeões aconteceu ao Sporting este domingo.
 
A última meia hora da final do Jamor, no entanto, não passou sozinha aos olhos de ninguém: fez-se acompanhar de uma cortina em pano de fundo.
 
A cortina dos adeptos do Sporting a abandonar o estádio antes do fim do jogo.
 
Foram seguramente centenas de adeptos que preferiram sair mais cedo e que não viram a formação de Marco Silva dobrar o destino mais emocionante da história da Taça.
 
Saíram muitos e por muitas razões. No final não faltou quem os criticasse, afinal de contas tinham conseguido um bilhete raro, tinham visto uma hora ou mais de um jogo de más memórias e falharam depois disso cerca de quarenta minutos absolutamente épicos.


 
Mas cada adepto vive o clube como quer: e como pode. Palavra de Artur Gomes.
 
«Saí a seguir ao Slimani cabecear e o guarda-redes do Braga fazer uma grande defesa.» Aos 76 minutos, portanto. «Saí por causa dos nervos e por um pressentimento. Até disse aos meus amigos que eu tinha de sair do estádio para o Sporting marcar.»
 
Assim foi, de facto. Saiu pela porta norte e desceu aquilo tudo até à mata do Jamor.

«Ouvi umas pessoas, que não conseguiram bilhete e tinham ficado a ver o jogo pela televisão numa roulotte, gritar golo. Nessa altura podia voltar para trás, mas não voltei.»
 
Não fazia sentido, pensou.
 
«Tinha dito aos meus amigos que ia meter as minis no frigorífico, que ia assar a carne e que o Sporting ia ganhar. Não podia colocar isso em risco. Se estou arrependido? Não, nada arrependido. Como podia estar arrependido se o Sporting ganhou?»
 
Não foi caso único, de resto. Manuel Fernandes, por exemplo, também revelou que saiu das bancadas por superstição: sabia que se saísse, a equipa ia marcar. A equipa marcou quando o eterno capitão do Sporting se dirigia para o exterior e já não voltou. Ficou a ver ao longe.
 
As superstições são um assunto muito sério no futebol.
 
Artur Gomes acrescenta de resto que é sócio com lugar anual e por isso não aceita lições de como deve viver o Sporting.
 
«Foi a primeira vez que saí de um estádio antes do final do jogo. E olhe que naquela época que foi a pior da história do Sporting, se falhei dois jogos foi muito... Quando saí os meus amigos mandaram-me as bocas habituais, és um judas, és um traidor, mas entre pessoas que não conhecia, nada, ninguém me disse nada, ninguém me criticou.»
 
No fim, garante, foi espetacular. «O Sporting ganhou e quando os meus amigos chegaram as minis estavam fresquinhas e a carne assada.»


 
Francisco Limão saiu antes de Artur Gomes: saiu por volta dos sessenta minutos. Saiu desolado, triste, abatido.
 
«Vim embora quando saiu o Carrillo, que fez uma exibição péssima. Custou-me ouvir sportinguistas a aplaudi-lo. O grau de exigência tem de ser grande e revoltou-me ver pessoas a aplaudir um jogador que tinha feito uma exibição tão má», confessou.
 
«Quando caminhava para fora do estádio, estava desolado. Muito triste. Atrás de mim vinha um sportinguista que me disse que o coração dele já não aguentava. Respondi-lhe que o meu coração é forte, o que não aguentava era ver o Sporting a definhar. Não estava a suportar ver a falta de interesse dos jogadores pela grandeza do Sporting.»
 
Francisco Limão saiu do estádio, entrou no carro e colocou um CD com músicas do Sporting a tocar no rádio. Quando Slimani reduziu a desvantagem, choveram mensagens e telefonemas. A família insistia que voltasse para o estádio. Não quis.
 
Quando o Sporting fez o segundo golo e empatou o jogo, continuou a recusar-se voltar.
 
Mas saiu do carro e procurou uma televisão. Encontrou-a num grupo de sportinguistas que estavam a acompanhar tudo na mata do Jamor.
 
«No último penálti não resisti à emoção e desmanchei-me em lágrimas. O Sporting é muito importante para mim, é a minha vida. A seguir à família e aos amigos, é a coisa mais preciosa que eu tenho», confessa.
 
«Se estou triste? Não, não estou triste. Preferi viver a emoção e a alegria que foi este dia na minha solidão. Estava a sofrer muito dentro do estádio. Estava à espera de ver a equipa voltar dos balneários com garra e atitude, mas não vi nada disso», recorda.
 
«Não suportei. Este troféu era muito importante. Era decisivo. Não me revejo nesta estrutura diretiva, o presidente é um homem muito emocional e instável, o Sporting não tem estabilidade, é um clube idealista e por isso precisava deste troféu.»
 
«Fazia falta um título para recuperar a ideia de grandeza e marcar a reviravolta para o futuro.»
 
Francisco Limão é um sportinguista de antigamente. Quer o Sporting dele de volta.
 
«Há clubes que vivem permanentemente felizes, mas nós não somos esse clube. Toda a gente nos olha com desconfiança, não temos peso nas instituições desportivas. Costumo dizer que o Arouca ou o Penafiel têm mais peso do que nós. O meu Sporting é o Sporting de há trinta ou quarenta anos: o Sporting de Yazalde, Manuel Fernandes, Jordão...»


 
O Sporting de Manuel Andrade, por outro lado, é este Sporting. É um homem mais novo do que Francisco Limão. Mas também ele saiu do estádio mais cedo. Um dia depois, acha que fez bem.
 
«Não me arrependo porque a gente ganhou», conta. «Tenho um bocadinho de pena de não ter visto o golo do Montero, claro. O golo do Slimani também, mas sobretudo o do Montero. Tenho pena de não ter visto o Patrício levantar a taça. Mas pronto, foi assim.»
 
Manuel Andrade saiu por causa do filho.
 
«O jogo estava uma desgraça, um sofrimento enorme. Estávamos a jogar muito mal. Estava com o meu filho, que é uma criança de nove anos, e pensei que ia ficar ali duas horas para sair, no meio daquela desilusão toda. Por isso preferi sair mais cedo.»
 
Saiu aos 80 minutos de jogo, mais ou menos. Quando ia a sair, já perto da porta, o Sporting empatou. O filho disse-lhe que tinham de voltar, mas já não conseguiu passar.
 
«Ficámos junto à grade. Pu-lo às minhas costas, tentámos de tudo, mas era tanta gente que não se conseguia ver nada. Ficámos a olhar para as pessoas e a ver o jogo pelas reações delas.»
 
Quando o prolongamento acabou, aí sim saíram.
 
«Não aguento ver penaltis. Sofro muito. Mas isso é no estádio ou em casa. Não consigo ver. Neste caso, e como o Sp. Braga falhou logo o segundo, acabei por ver a parte final numa televisão de uma roulotte.»
 
Foi uma emoção, claro. Uma loucura. Foi épico. E a festa?, pergunta-se. «A festa? Ó, a festa foi maravilhosa.»
 
Por detrás de cada adepto que abandonou o Jamor antes do final do jogo há uma história particular. Estão são apenas três de várias centenas. Porque no fundo, é isso: cada um vive o Sporting como quer. E como pode...