A porta fecha-se nas nossas costas e, instantaneamente, a gravação dispara. Um ambiente de final, o juiz a exclamar 40-love e os aplausos no final do ponto disputado ao limite, de lado a lado, com emoção intensificada pela história. Quando acaba, desvanece-se a imagem, já não é a mesma coisa. Bancadas vazias, não há jornalistas, o pó de tijolo não está tão berrante, tão sanguíneo, como na televisão.

- Em abril, o barro é mudado em todos os campos de Roland Garros, antes do torneio.

Turistas espanhóis dão a volta ao court do Philippe Chatrier, ameaçam subir para a cadeira do árbitro, enquanto outros, americanos, ingleses e franceses, tiram fotografias atrás de fotografias para registar o habitual «Eu estive ali». Sente-se o peso da história, foi ali que Rafael Nadal ganhou os seus oito títulos, com 15 mil na bancada a prestarem-lhe vassalagem, ano após ano.

Na subida para o palco dos sonhos, acompanham-nos os autógrafos de todos os jogadores que passaram pelo court central, de 2005 a 2010, até que faltou parede para os restantes. Habituamo-nos ao fim de uns dias a esta forma de pensar. Os franceses têm vista curta, da mesma forma que somos nós, simples peões, que temos de dar prioridade aos automóveis nas passadeiras. É algo que faz parte da sua maneira de ser. No Court 1, por exemplo, os consagrados pelo triunfo final têm direito a gravar o seu nome na orla do estádio, mas já só há espaço para mais uma década. Dez pedras e acabou. C´est fini!

A guia encolhe os ombros no início da nossa viagem, ainda na Praça dos Mosqueteiros, onde nos conta por que o antigo tenista René Lacoste adoptou um crocodilo para a marca que criou. Logo se vê quando acontecer, diz ela. (Ah, o crocodilo... Tornou-se alcunha depois de perder uma final em que o prémio era uma mala feita de pele desse animal. Pronto, agora já sabem.)

Os corredores de Roland Garros estão cheio de histórias. Imaginamos Nadal a abrir o seu cacifo de sempre, de madeira envernizada, com o número 159. É superstição, 15 de Setembro é a data de nascimento da mãe. Já Roger Federer sabemos que salta um lugar de ano para ano e não é para ficar mais perto da porta: 11 em 2011, 12 em 2012 e 13 em 2013. Mas, apesar de ser o número 1 e os melhores poderem escolher, Djokovic fica com o que lhe apetece naquele momento e vai sentar-se na sala de massagens a ver um jogo. É incrível o sérvio! Ficamos sem conhecer as crenças que sobrevivem ao balneário feminino, mesmo vazio. Não é dia.

A meio do torneio, a 3 de junho, Rafa desloca-se para o bar do estádio, onde celebra o aniversário com a família e amigos chegados. É tradição também. Tal como os jogadores irem receber o seu prémio após cada jogo à sala de pagamento, ou cobrarem um cheque de 250 euros da organização para ajudar a pagar o hotel. Faz parte.

Pior foi quando Agassi, número 1 do mundo na altura, falhou uma conferência de imprensa depois de perder um encontro. A multa, proporcional à posição do ranking de cada tenista, foi então de 25 mil euros.

Somos alertados para espreitar por uma janela. A federação francesa instalou um centro de treinos em Roland Garros, que se pode ver a partir de dois minúsculos buracos envidraçados à superfície. Os campos são indoor e, por norma, Gasquet, Tsonga e Benneteau (ganhámos, grande João Sousa!) costumam treinar ali. Qualquer profissional pode vir treinar a Roland Garros. No total, espaço não falta: são 27 courts, 22 de pó de tijolo.

- Se estiver aí a Sharapova, chame-a, por favor.
- No Sharapôva today, I'm sorry.


Está provado, os franceses falam russo melhor do que nós. É pena, podíamos perguntar-lhe pelo número do cacifo que escolhe habitualmente ou outra coisa qualquer.

Acabamos no museu, ainda pobre, da federação francesa de ténis. Sentimos falta de mais objetos, de mais ligações ao passado, aos heróis. Björn Börg não pode ser só uma fotografia acompanhada da palavra «revolucionário», tal como Nadal ou Federer, que são, a par de Djokovic, dos melhores de sempre. Ou até Chris Evert-Lloyd, que fez história ali a dois passos. Roland Garros é tão grande, que simplesmente esperamos sempre mais. Mais do mesmo.