"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Zé Postiga, 25 anos, avançado do Merelinense

«Comecei a jogar futebol aos 8 anos no Varzim. Via o meu irmão jogar na televisão quando eu era miúdo e foi aí que o bichinho do futebol nasceu. Sou de Vila do Conde, mas na altura a formação do Varzim era melhor. Tanto o meu pai como o meu irmão tinham jogado no Varzim, então fui para lá.

Estive dos 8 aos 13 anos no Varzim. Fiz os dois anos de infantil e fui para o Sporting. Fazia muitos golos. Fazia 70 golos por época no Varzim. É verdade que era mais alto e mais rápido que os outros e como jogávamos futebol de 11, destacava-me. 

No primeiro ano de infantil, fui disputar um torneio da seleção da Umbro. Participei no Mundialito e fui eleito o melhor jogador. Participei também no torneio Copa Foot 21 e fui o melhor marcador. Os treinos da seleçao da Umbro eram no Seixal. Depois desses dois torneios, voltei ao Varzim. Fui convidado pelo Benfica para fazer um torneio internacional em que jogávamos contra equipas como o Inter ou e o PSG. Voltei a destacar-me, fui o melhor marcador e estive para ir para o Benfica. No entanto, o meu pai não me quis deixar sair de casa muito cedo.

Na mesma altura surgiu também o interesse do Sporting. Queriam que fosse lá treinar. Dizia-se, na altura, que a academia do Sporting era a melhor. Fiz um ou dois torneios no Sporting e quiseram contar comigo. Fiz mais um ano no Vazim e depois fui para os sub-14 do Sporting. 

Fui sozinho para a Academia. Os meus pais iam lá ver os jogos todos os fins de semana e algum tempo depois o meu irmão também foi para o Sporting. Fiquei a morar na Academia, mas ele estava perto se precisasse de alguma coisa. O meu colega de quarto era o Rafael Barbosa (Tondela). Havia mais colegas que eram do Norte, como o Joca e o Tiago Castro, então foi fácil adaptar-me. As coisas correram-me bem no início e marquei muitos golos nos sub-14 e nos sub-15. Quando estava a terminar a época nos sub-15, tive uma lesão no joelho. Ainda hoje tenho dois parafusos e uma cicatriz no joelho.

Estava a chover e fiz um remate cruzado quando sofri um carrinho no joelho. Fiquei com o joelho desfeito. Felizmente lesionei-me quando jogava no Sporting, seria mais difícil de recuperar num outro clube. Duas horas depois da lesão, já estava a ser operado. Precisei de quatro ou cinco meses para recuperar. 

 

Zé Postiga brilhou na formação do Sporting ao lado de Matheus Pereira, Palhinha, Gelson e Podence, entre outros. 


Fui internacional pelas seleções jovens, marquei muitos golos... Jogava na seleção e no Sporting, por isso sempre pensei que pudesse chegar longe. Além disso, ainda me estreei pela equipa B na II Liga quando era júnior. Estava a contar ficar no Sporting, mas no último de júnior surgiu a possibilidade de jogar no Rio Ave, na I Liga.

Queria voltar para perto de casa. Por azar, no último jogo no Sporting, fraturei o tornozelo. Assinei pelo Rio Ave de canadianas. Comecei a época atrás dos outros, nem participei na pré-época. A ideia era ser inscrito em janeiro, mas depois tive um convite do Varzim. Fui emprestado.

O Capucho era o treinador do Varzim. A equipa estava bem, tinha o Gil Dias e o Manafá. Fui entrando em alguns jogos e ainda fiz um golo. Mas como a equipa estava a bem e a ganhar, era quase sempre suplente. Não podia dizer nada. A equipa estava bem. 

No ano seguinte fui para o Académico de Viseu. Estive lá um ano, mas esse ano não me correu bem. Apesar de ainda ter mais um ano de contrato com o Rio Ave, o clube não contava comigo e quis sair. Rescindi e fui para o Salgueiros. 

O Salgueiros foi um dos clubes onde mais gostei de jogar pelos adeptos, pelo ambiente e pelas pessoas. Nessa altura o clube tinha algumas dificuldades em pagar salários e muitos jogadores saíram. Acabei por ir para o Felgueiras pela mão do Horácio Gonçalves. No entanto, ele saiu pouco depois e entrou o Ricardo Sousa. Nos primeiros dois meses estive lesionado e joguei pouquinho. Ainda fomos ao play-off de subida, mas não conseguimos a promoção. 

 

José Postiga teve duas passagens pelo Rio Ave. 


No ano seguinte o Rio Ave criou a equipa de sub-23. As pessoas do Rio Ave gostavam de mim apesar de não ter ido espaço quando lá estive. O clube estava a construir o plantel dos sub-23 e queriam alguém que conhecesse o clube. Achei que era um campeonato novo no qual me podia mostrar até porque os jogos iam ter transmissão televisiva. A época correu-me bem e joguei bastante que era o que queria. 

Pessoalmente foi uma boa época em comparação com as anteriores. Na formação joguei quase sempre, marcava muitos golos e esperava fazer o mesmo como sénior. Mas nunca tive regularidade como nesse no Rio Ave. Felizmente não tive lesões e tinha a cabeça limpa. Reencontrei-me no Rio Ave. 

Não continuei no Rio Ave. Decidi ir para o Trofense, mas o clube mudou de direção e vim embora em novembro. Surgiram-me propostas, mas não queria ir para longe. Voltei ao Varzim, mas a pandemia de covid-19 acabou a época mais cedo. 

Foi um ano para o lixo. É verdade que tive um bocadinho de azar, mas também uma parte da culpa é minha. Com a pandemia, muita gente sentiu dificuldades em encontrar clube. Surgiram-me clubes do Sul, mas não queria sair de casa.

Quando o futebol parou, fui para o mar com o meu pai. Ele tem uma traineira para a pesca da sardinha. Íamos para o mar às 21h ou 22h e voltávamos de manhã. Com o regresso do futebol, assinei pelo Brito, um clube em Guimarães que joga no Campeonato de Portugal.
 

Zé Postiga foi internacional pelas seleções jovens de Portugal.

Continuei a morar em Vila do Conde. Sabe, estive muitos anos fora de casa. Agora prefiro ficar aqui por perto. Os treinos no Brito de noite, ia e vinha todos os dias para Guimarães e estava um pouco cansado. Entretanto, ligou-me o Rui Sacramento [ex-guarda-redes e treinador do Marinhense] e convidou-me para o Pedras Rubras. Ligou-me numa quarta-feira e sábado já estava a jogar. 

Apesar de só ter feito um golo no Pedras Rubras, joguei praticamente em todos os jogos. Infelizmente a equipa desceu de divisão. Estivemos quase para ir jogar o play-off de subida e acabámos por descer no último jogo quando precisávamos de um empate. Depois de tudo o que tinha vivido, esses meses no Pedras Rubras despertaram novamente o bichinho dentro de mim. 

Foi bom ter jogado com regularidade. Estou a contar-lhe a minha carreira como sénior e olhando para trás, sinto que poderia ter tomado melhores decisões. Desde que deixei o Rio Ave que nunca mais quis ter um empresário. 

Concluída a época no Pedras Rubras, voltei para o mar com o meu pai. Foi assim quase todo o verão. Fiquei à espera de algum convite que me agradasse. Apareceu o Merelinense, uma equipa que está sempre bem no Campeonato de Portugal e que esteve quase a subir à Liga 3. Pensei em ir para ver no que ia dar. Felizmente comecei a época desde início, sem lesões e joguei sempre. 

A equipa joga bom futebol e como marquei golos [11 em 18 jogos] ganhei moral. Acho que este pode ser o ano do 'clique' para voltar a ser o que fui. Não estou sempre a pensar em chegar a outros patamares, mas tenho 25 anos e não me dou como derrotado. Se calhar poderia pensar de forma diferente quando acabei a formaçao... Agora não. 

Recordo-me de jogar nos juniores com o Palhinha a varrer o meio-campo, com o Francisco Geraldes e o Gelson a colocarem as bolas e com o Matheus [Pereira] e o Podence a servirem-me. Só tinha de encostar. Já na altura tinha a certeza que o Matheus e o Podence iam ser jogadores. Eram diferenciados. 

 

Zé Postiga costuma ajudar o pai no trabalho no mar. 


O meu apelido nunca me pesou. Mas sempre fui e sempre serei comparado ao meu irmão. É normal. Muita gente não conhece o Zé Postiga, conhece o irmão do Postiga. Eu quero ser eu próprio e fazer a minha história. Ele já fez a dele. Nunca fui obcecado por ser melhor que o meu irmão. 

Neste momento estou a tirar um curso de Arrais de pesca. As aulas do curso começam às 8h30 e acabam por volta das 13h00. Almoço em casa e aproveito o tempo para ir ver os barcos que estão no estaleiro e assim. Por volta das 17h30, juntamente com outros colegas meus que moram aqui perto, vou para o treino. O treino começa às 19h00 e chego a casa por volta das 22h00. 

Gosto de ir para o mar. Quando a época acabar vou outra vez. Mas eu quero é continuar a fazer carreira no futebol. Sei que tenho de me preparar para o futuro, mas para já quero continuar a jogar.»