«Acho que nasci para ser treinador. Ser jogador foi apenas um estágio para isso. Sempre gostei muito de questões táticas. Consumo muita literatura sobre o assunto. Compro muitos livros de fora porque é impressionante como se escreve pouco sobre isso no Brasil. E aprendo muito a conversar com pessoas que gostem de futebol».
ROGER MACHADO, treinador do Grêmio de Porto Alegre, entrevista ao jornal brasileiro «Correio do Povo»
 

«É um cara com trabalho de campo diferenciado e consegue ter o grupo na mão. É muito detalhista e cobra muito, independentemente da experiência do jogador. Quando faz treino tático, não prepara só os titulares. Além disso, a palestra é ótima. E estuda muito o adversário antes de explicar pontos fortes e fracos. Conheci-o ainda no Olímpico. Eu era do júnior do Grêmio, mas já treinava com os profissionais. E ele foi o primeiro jogador que me deu uma chuteira, isso me marcou muito».
BOLÍVAR, central da Portuguesa, sobre Roger Machado
 
 
Roger Machado, o jovem técnico do Grêmio de Porto Alegre (com 40 anos, é mesmo o mais novo treinador do Campeonato Brasileiro), está a ser a grande revelação do Brasileirão 2015.
 
Com um estilo de jogo atraente, bem trabalhado, revelando princípios claros e trabalho com rigor não muito habitual no que ainda vai acontecendo nos hábitos do futebol brasileiro, o Grêmio de Roger tem merecido elogios generalizados e está a surpreender pela constância nos resultados.
 
« Será precoce chamar-lhe revolução, mas Roger Machado trouxe, garantidamente, a luz da evolução ao futebol brasileiro, tanto no treino, como na tática», aponta José Pedro Teixeira, analista de futebol, em declarações ao «Mundo Brasil» da Maisfutebol Total
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GOLO DE DOUGLAS NO AT. MINEIRO-GRÊMIO: BELO EXEMPLO DO TRABALHO DE ROGER MACHADO
 
  
A excelente jogada que o vídeo acima mostra (num dos golo do triunfo do Grêmio no reduto do Mineiro, por 0-2) aconteceu no início de agosto passado, em semana inesquecível para os gremistas: além dessa vitória, também uma goleada sobre o eterno rival, Internacional de Porto Alegre, por 5-0.
 
À 28.ª jornada, o Grêmio de Roger Machado é terceiro, com 51 pontos, só atrás líder Corinthians e do At. Mineiro. Neste domingo, mais uma vitória clara, em casa com o Avaí (3-1). 
 
O que já não deve mesmo escapar é o acesso à Libertadores do próximo ano e mesmo o pódio é uma meta muito provável (ainda que Palmeiras, São Paulo, Flamengo, Inter e Santos ainda sonhem com o terceiro posto).
 
José Pedro Teixeira analisa: «Em contraste com as longas sessões de treino habituais no Brasil, Roger procura sessões com menos volume (por vezes a rondar os 45 minutos) e muito mais intensidade do que o habitual. Quando quer trabalhar uma componente predominantemente técnica – como a finalização -, opta por formatos reduzidos (1x1, 2x1) em vez de descontextualizar o treino, como é apanágio de vários treinadores de ‘topo’ na América do Sul. Tacticamente, a evolução é evidente. Em primeiro lugar, começou por provar a todos a irrelevância absoluta do sistema na ideia de jogo de uma equipa. Manteve os traços gerais do sistema de Scolari - o 4x2x3x1 - e isso não o impediu de apresentar um conceito de jogo quase diametralmente oposto ao do ex-treinador».
 

O QUE DISSE ROGER MACHADO NA APRESENTAÇÃO

  

Um desempenho bem acima do exigível para um jovem técnico que herdou um Grêmio em constante fase de perturbação com Luiz Felipe Scolari (técnico que, nos anos 90, o lançou como lateral-esquerdo no Grêmio, em fase em que o «tricolor» de Porto Alegre somou títulos).
 
Admirador de Tite (que foi seu treinador no Grêmio em 2001) e de Tostão (antigo craque brasileiro, campeão do Mundo e comentador referência nos media brasileiros), Roger Machado tem um perfil que se distingue, para melhor, da mediania em que têm caído os técnicos brasileiros nos últimos anos.
 
Em poucos dias, desde que em maio Roger rendeu Felipão ao leme do Grêmio se percebeu que algo de novo estava a acontecer.
 
Cássio Santestevan, jornalista de Porto Alegre, contou assim um dos primeiros treinos dirigidos por Roger Machado, no site «Goal.com.br»: «De comportamento calmo, Roger não é nada autoritário e faz seguidas reuniões com os jogadores. Explica opções técnicas e táticas e tenta, com muito diálogo e educação, fazer os atletas entenderem sua proposta e dar a sua cara ao time gremista».

 
«Em pouco tempo, que todos os jogadores aparentem ter um entendimento claro dos 4 momentos do ‘jogo corrido’: Organização e Transição Defensiva e Organização e Transição Ofensiva. Sendo este facto o suficiente para o demarcar de 90% dos treinadores do Brasileirão, não é o único. Em processo defensivo (quando a equipa adversária tem a bola), procura recuperar a bola o mais rapidamente possível, com um bloco alto e relativamente compacto de pressão. Quer os espaços em volta do portador da bola fechados de forma agressiva e com mais preocupação com a zona da bola do que com o adversário, augurando que o princípio do fim dos famosos jogadores de marcação (homem-a-homem) brasileiros pode estar próximo. O rigor da linha defensiva e gestão de profundidade estão ainda numa fase primitiva de evolução, embora as ideias-base em que pode assentar o trabalho para a sua melhoria estão, aparentemente, lançadas por Roger Machado», aponta José Pedro Teixeira.
 
Um treinador diferente no Brasil
 
Miguel Lourenço Pereira, analisa de futebol internacional, comenta ao «Mundo Brasil», da Maisfutebol Total: «O Roger pertence a uma nova geração de treinadores brasileiros, cada vez mais preocupados com a aplicação prática dos conceitos táticos que importam da Europa. O papel do treinador no Brasil sempre viveu uma dimensão diferente na Europa e são muito mais escravos dos resultados e dos humores dos dirigentes.»
 
E pode começar por aí a primeira diferença de Roger Machado: «Ao ser um filho da casa, alguém que conhece bem o clube por dentro e é respeitado por dirigentes e adeptos», acrescenta Miguel Lourenço Pereira, para depois apontar: «O Roger tem carta branca para aplicar algumas mudanças com mais tempo do que outro treinador.»
 
E há ainda a raiz geográfica. O Brasil é um país com zonas cultural e sociologicamente muito diferentes. Lourenço Pereira alega: «Além do mais o Porto Alegre é a zona mais ‘europeia’ do Brasil pelo que é normal que exista uma abordagem mais europeia nesse sentido. Nota-se esse desejo de aplicar conceitos táticos modernos, dinâmicos numa equipa que mistura muito bem jovens promessas de grande valor com uma velha guarda com muitos jogos às costas, uma espécie de versão gaúcha do que quis o Guardiola ainda que exista um abismo em termos de qualidade de jogo, o que é normal.»
 
Um projeto tático muito interessante
 

E então até onde poderá chegar este surpreendente Grêmio de Roger Machado? «O título é uma miragem a esta altura mas a forma como o Roger trabalhou taticamente o Grémio permite imaginar que a equipa, se seguir nos mesmos moldes, é com o Corinthians o maior candidato ao Brasileirão do próximo ano», lança Miguel Lourenço Pereira.  
 
José Pedro Teixeira destaca outros dados: «Também nas bolas paradas defensivas existe vontade de quebrar a rotina da marcação individual, procurando que os jogadores se preocupem com o espaço mais do que com o adversário. Nos cantos, privilegia um aglomerado de 7/8 jogadores em volta da pequena área, introduzindo uma presença constante ao segundo poste, que não acontecia com o seu antecessor. Por fim, quando o Grémio tem bola, a ideia tem sido consistente – saída apoiada, preferencialmente pelo chão, com algumas nuances de aproveitamento de espaço entre-linhas e muita mobilidade por parte dos jogadores sem bola, de forma a criar linhas de passe curto que permitam a equipa aproximar-se da baliza adversária.».
 
 
O QUE DISSE ROGER DEPOIS DE BATER O PALMEIRAS

  
 
«Tentar acabar o ano no segundo lugar seria a melhor carta de apresentação de um dos projetos táticos mais interessantes do futebol sul-americano», sentencia Lourenço Pereira.
 
Miguel Lourenço Pereira analisa: «Este Grémio move-se preferencialmente num 4x2x3x1, onde a pressão alta e a forma como os extremos aproveitam o espaço deixado pelas movimentações de Luan (jogador de um futuro fabuloso) ou Bobó são extremamente relevantes. Giuliano, Lincoln e Rocha têm indicações para perturbar a hierarquia defensiva do rival com as suas diagonais apoiando-se no jogo combinativo de Bobo e Douglas e é muito dessas triangulações que quase sempre se gera perigo. No processo defensivo o papel dos laterais no apoio aos extremos é compensado com a frieza posicional de Edinho ou Wallace, jogadores que patrulham bem o meio-campo. A equipa move-se quase sempre em bloco, sem espaço para grandes movimentações anárquicas, e esse equilíbrio é imagem de marca do Roger. Há sempre alternativas para a posse e essa favorece o jogo de combinação.»
 

Muito diferente de… Scolari
  
«O futuro do Roger, como sempre, dependerá muito das baixas que o clube possa ter», comenta Lourenço Pereira.
 
Mas o autor do livro «Sonhos Dourados – 20 histórias dos mundiais de futebol» faz questão de colocar Roger Machado já num patamar diferente, por exemplo, do seu antecessor no Grêmio, Luiz Felipe Scolari, símbolo de uma geração anterior no futebol brasileiro: «No cenário atual do futebol brasileiro não é só um símbolo relevante de uma nova guarda de jovens e ambiciosos treinadores como alguém também que tem capacidade para encurtar a grande diferença que ainda existe entre treinadores brasileiros e europeus a nível tático. Intensidade, jogo associativo, toque curto, pressão alta constante são imagens de marca de uma equipa radicalmente diferente da herança deixada por Scolari.»
 
 
O «NOVO GRÊMIO» DE ROGER MACHADO

  

« Apesar de ainda se encontrar longe do que de melhor há na Europa dentro dos mais diversos estilos (do rock’n’roll de Roger Schmidt ao bailado de Tuchel), as ideias evolucionárias de Roger Machado são certamente uma enorme lufada de ar fresco num futebol que se encontra(va) taticamente moribundo e refém de uma pseudo-elite de treinadores que teima em não permitir a entrada da Nova Escola, mais preparada e com maiores influências (táticas e de metodologia de treino) do futebol europeu
», avalia José Pedro Teixeira.
 

B.I.

ROGER MACHADO
Nome:
Roger Machado Marques
Data de nascimento: 25 de abril de 1975 (40 anos)
Naturalidade: Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Percurso como treinador: Grêmio (2011-13), Juventude (2014), Novo Hamburgo (2015), Grêmio (2015)
Percurso como jogador: Grêmio (1994-2003), Flamengo (2004), Vissel Kobe, Japão (2004, 2005), Fluminense (2006-08),