Do Algarve para a América do Sul em busca de um sonho. Rui Capela é o português que treina o 3 de Febrero, clube de média dimensão no Paraguai. «Vim para me afirmar como técnico. Em Portugal nunca tive essa oportunidade», recorda. A verdade é que em Portugal pouco se conhece de mais um emigrante do futebol luso. Uma realidade que pode mudar.

O Maisfutebol conversou com Rui Capela para conhecer o Paraguai que encontrou, onde chegou há cerca de um mês, pela mão de um grupo de empresários. Para trás fica o trabalho realizado como treinador ou coordenador técnico de clubes como o Quarteirense, Lagoa, Portimonense e Esperança de Lagos.

«Quero deixar a marca de um europeu na América do Sul. Não é fácil, porque eles valorizam muito os treinadores locais, ao contrário de Portugal, onde se aceita tudo, muitas vezes de qualidade duvidosa. Felizmente é um cenário que está a mudar», lembra Rui Capela, ao nosso jornal.

«Aqui, Iturbe é um fenómeno»

O 3 de Febrero luta pela manutenção. «É uma espécie de Olhanense ou Portimonense, mas melhor. Havia algumas carências a nível de infra-estruturas, mas o clube tem um centro de estágio e um bom estádio», explica. Chegou como director técnico, agora é o treinador da equipa principal, trabalhando de perto com Saturnino Arrúa, lenda do futebol paraguaio da década de 70.

Os índios, o trânsito e os assaltos que obrigam a «saber viver»

Teve convites da China e de Angola. Optou pela América do Sul e, garante, não está nada arrependido. «Descobri um futebol muito competitivo e muito técnico. Esta é uma região onde se pode crescer como treinador, mas admito que socialmente foi um choque. São vários mundos dentro de um mundo», diz. Estava dado o mote para um relato detalhado da realidade social de um Paraguai, onde os índios deixaram as florestas.

«Impressionou-me ver os indígenas, que estão a chegar à cidade. É uma imagem de pobreza extrema a que não estava habituado. No século XXI pensei que já não encontrava esta realidade. Eles não têm trabalho, saem das florestas e vêm para as grandes cidades. Dormem ao ar livre, nos jardins. Vê-se mães com bebés ao colo a pedir nos semáforos. Há muita delinquência, também. Nunca fui assaltado, mas todos os dias há notícias de roubos e assassinatos. É preciso saber viver e ter cuidado. É o que mais me preocupa aqui», confessa.

A vida na Cidade de Leste já se começa a assemelhar à vida no seu Portugal. «A primeira semana foi difícil. Mas começando a trabalhar, a adaptação fica facilitada. Hoje estou perfeitamente ambientado», confessa.

«Andar na estrada aqui é o verdadeiro «Salve-se quem puder». O trânsito é infernal, porque esta é uma zona comercial. Não se sabe quando se pode passar ou não, é por tentativas. No início era uma confusão muito grande para mim, agora já me desenrasco melhor», conta.

«Se tiver de ficar na América, fico»

Portugal, onde tirou o curso de treinador em 2007, ao lado do seleccionador sub-21 Rui Jorge ou do adjunto do F.C. Porto Vítor Pereira, entre outros, fica para trás. O tempo é de afirmação no Paraguai.

«O meu objectivo é chegar a clubes de primeiro nível, mas não tem de ser na Europa. Se tiver de ficar na América, fico. Para já tenho três anos pela frente. Depois logo se vê», afirma.

Aos poucos, o futebol paraguaio vai conquistando o seu coração. «Gosto de ver os estádios cheios, as claques a puxar pelas duas equipas. É uma imagem que raramente se vê em Portugal. Aqui é todos os domingos», conclui.