Rui Costa é campeão do mundo de ciclismo. E só em 2013 ganhou também a Volta à Suíça, mais duas etapas do Tour. Agora que vamos ver um português usar durante um ano a camisola arco-íris reservada ao detentor do título mundial, a que estamos a assistir? Que podemos esperar ainda de Rui Costa? E estaremos a falar já do melhor ciclista português de todos os tempos? Enquanto ele saboreia a vitória de Florença, o Maisfutebol fez estas perguntas a homens do ciclismo, que acompanham há muito a carreira de Rui.

Antes de mais, enquadremos o que conseguiu Rui Costa com o título mundial de estrada. Marco Chagas, quatro vezes vencedor da Volta a Portugal e comentador: «Ele fez o melhor resultado do ciclismo português em toda a história. Mesmo tendo sempre em conta as vitórias em etapas do Tour, conseguidas não só por ele como por outros ciclistas portugueses, contando também com os dois terceiros lugares do Joaquim Agostinho no Tour, os dias de camisola amarela de Acácio da Silva, a medalha de prata do Sérgio Paulinho nos Jogos Olímpicos de Atenas, este é o maior de todos. É o título de melhor do mundo. O Rui, até ao próximo campeonato do mundo, é o homem que transporta a camisola arco-íris. Além da medalha de ouro, que é das poucas que o desporto português conseguiu.»

Este, insiste Marco Chagas, é um feito «ao nível das grandes proezas do desporto português»: «Apesar da nossa dimensão temos conseguido ter algumas grandes figuras em diversas modalidades. Temos agora no futebol o melhor ou um dos melhores do mundo no futebol, o Cristiano Ronaldo, já tivemos noutras épocas, mas o Rui já faz parte da galeria dos notáveis. E estou plenamente convencido que não foi a última alegria que nos deu. Dar-nos-á muitas mais, se não tiver nenhum problema na sua vida, vai ser um dos melhores atletas portugueses de sempre em todas as modalidades.»

Estamos a falar não só de um grande ciclista, mas de um grande competidor. José Azevedo, com longa carreira internacional como ciclista e atual diretor da RadioShack (no ano que vem assumirá a russa Katusha), fala do que faz Rui Costa um corredor de elite mesmo entre o pelotão internacional: «Ele tem grandes qualidades como ciclista, que são naturais mas dão muito trabalho. Mas além disso é um corredor inteligente a ler a corrida. Espera pelos momentos decisivos, joga a sua cartada quando ataca. Isso faz a diferença. Há corredores muito fortes, mas que conseguem vitórias com base apenas na força. Ele além de forte é inteligente.»

É isso que o distingue, reforça Nuno Sabido, antigo ciclista, preparador físico e também comentador, além de irmão do ciclista Hugo Sabido. «Eu e o meu irmão estávamos a conversar num treino na semana passada e a concluir que, atendendo ao perfil do percurso e ao trabalho que o Rui Costa estava a fazer, ele estava a posicionar-se o melhor possível e ambicionava ser campeão. Em conversa dissemos: «Se tiver um dia perfeito, o Rui é candidato», conta, explicando depois o que torna Rui Costa especial: «Ele tem uma particularidade muito boa. Além de fisicamente dotado, corre de trás para a frente. Não se envolve nas primeiras lutas diretas. Está tranquilo, atrás desses ciclistas, e quando vê que eles já estão limitados, acaba por desferir o ataque. Vimos isso no Campeonato do Mundo e nas duas etapas do Tour que venceu este ano. É muito tático e estratégico.»

A ambição é outra das características que distingue Rui Costa. E a sua meta, acredita Marco Chagas, é bem alta. «Acho que o grande sonho do Rui é discutir a Volta a França, discuti-la na verdadeira aceção da palavra. O Rui tem esse objetivo. E a forma muito vincada como aborda as coisas também é o que o define. É o objetivo prioritário do Rui, por isso é que se mudou para a Lampre, para ver o que dá, o que vale, para ser líder de uma equipa numa corrida como o Tour.»

Rui Costa deixa a Movistar e em 2014 vai correr pela Lampre, onde à partida será o líder em quem a equipa aposta. «Ele sabia que na Movistar tinha de acompanhar o (Alejandro) Valverde e o (Nairo) Quintana. A Lampre dá-lhe a possibilidade de poder definir o seu calendário. Vai ter a equipa a 100 por cento com ele», nota José Azevedo.

E que podemos esperar? Azevedo: «O Rui já provou que pode vencer corridas de uma semana e de um dia. Em corridas de três semanas consecutivas falta-lhe uma classificação nos 10 primeiros. É o passo seguinte.» Marco Chagas faz a análise nos mesmos termos. Há que esperar para ver como lutará Rui Costa por uma grande Volta: «O tempo é que vai ditar o percurso do Rui. Se já tem provas dadas em relação às provas de uma semana, se ganhou corridas de um dia, como o Campeonato do Mundo agora e não só, resta saber como será numa corrida de três semanas. Acho que, com a inteligência do Rui, rapidamente perceberá se esse será o seu percurso ou se vai optar por corridas de um dia, como o Campeonato do Mundo, ou o Dauphiné Liberé, igualmente de prestígio mas de caráter diferente.»

Nuno Sabido enquadra essa diferença entre aquilo que Rui Costa já fez e a luta por uma grande Volta: «Vamos ver como vai ser a evolução dele numa corrida de três semanas. Nas corridas por etapas os ciclistas nomeados para desempenhar trabalho para os líderes conseguem-no pela motivação de deixar o líder na melhor posição em cada etapa. Por vezes fazem grandes brilharetes e isto faz os adeptos questionar-se: se a trabalhar assim consegue ficar nos cinco primeiros, se o deixassem se calhar podia ganhar a Volta. Mas são situações distintas. Há atletas que são muito bons a trabalhar, mas na situação de líderes não conseguem corresponder, falta-lhes algo para serem os melhores e vencerem.»

Rui Costa tem 26 anos e ainda uma longa carreira pela frente, já vimos. Mas já fez muito. Além das vitórias deste ano dourado de 2013, ganhou a Volta à Suíça também no ano anterior, e em 2011 uma etapa da Volta a França. O que nos leva à questão original: já podemos falar dele como o melhor ciclista português de sempre?

A única comparação possível, na análise de José Azevedo, Marco Chagas e Nuno Sabido, é com Joaquim Agostinho. Entre o final dos anos 60 e o início dos anos 80, Agostinho levou o ciclismo nacional onde ninguém o tinha levado. Subiu duas vezes ao pódio da Volta a França, como terceiro classificado, em 1978 e 1979. Venceu quatro etapas na Volta a França, uma das quais no mítico Alpe DHuez. Tem ainda um segundo lugar na Volta a Espanha e ganhou três Voltas a Portugal. Morreu aos 41 anos, quando corria a Volta ao Algarve e um cão se atravessou à sua frente na estrada.

Marco Chagas acha que já faz sentido, pelo menos, lançar o debate: «O Joaquim Agostinho marcou o ciclismo português, é uma referência do nosso desporto, a par do Eusébio, do Carlos Lopes, da Rosa. Mas a questão que se coloca hoje em dia no futebol em relação ao Eusébio e ao Cristiano Ronaldo, podemos colocá-la no ciclismo em relação ao Joaquim Agostinho e ao Rui Costa. O Joaquim Agostinho foi um fenómeno, tem um currículo extraordinário. Até pelo percurso invulgar, ele praticamente começou com a idade que tem hoje o Rui Costa. Mas o que o Rui já ganhou já o coloca a par do Joaquim Agostinho e faz sentido pensar que é já o melhor corredor português de sempre. Tem a seu favor dois pódios da Volta, tem número idêntico de vitórias em etapas do Tour. Vamos acompanhando, vamos vendo. Para já o Rui, com esta idade e com a inteligência que tem, virá a ser uma referência do ciclismo e do desporto internacional.»

José Azevedo tem opinião diferente. E usa precisamente o exemplo futebolístico de Eusébio e Cristiano Ronaldo para questionar o debate: «É algo prematuro e ingrato para ambos. Por um lado para o Agostinho, que fez uma grande carreira internacional, com dois terceiros lugar no Tour e várias vitórias em etapas, uma delas no Alpe d'Huez. É injusto para alguém que tem um palmarés que, mesmo a nível internacional, não encontra muito quem se compare. O Joaquim Agostinho não tem um título mundial, mas tem pódios no Tour. Para o Rui também é injusto porque também ainda está em competição, está a construir uma carreira. Coloca uma pressão adicional sobre ele, devemos deixá-lo fazer a carreira. É como estar a falar do Eusébio e do Cristiano Ronaldo. O mais correto é esperar pelo fim da carreira do Rui Costa. Elogiar o que o Rui tem feito, sem esquecer o Joaquim Agostinho.»

Por fim, Nuno Sabido. Também ele prefere levar este debate para um dia no futuro, com um pódio no Arco do Triunfo como pano de fundo: «O Joaquim Agostinho foi o grande ciclista que foi porque, além das Voltas a Portugal, nos pôs no pódio da Volta a França. Para podermos fazer uma comparação, falta só ao Rui Costa um lugar no pódio da Volta a França. Tudo o mais que o Rui Costa fez lá fora é estratosférico, coloca-o entre os melhores, mas ainda com características diferentes de Joaquim Agostinho.»