O Maisfutebol surge no Complexo Desportivo do V. Guimarães antes de Rui Vitória. Uns minutos de espera, apenas. O treinador chega pouco depois ao seu posto. Mais um dia de trabalho. Começou a 1 de outubro de 2002 e nunca passou pelo desemprego.

São dez épocas como treinador, um crescimento progressivo numa carreira abraçada sem pensar nisso. Nesta altura, é um dos nomes mais consensuais na primeira Liga portuguesa.

Jogador mediano, professor dedicado, não esquece o adeus às chuteiras. Era uma segunda-feira. Recebeu um telefonema e, 24 horas depois, estava a treinar o Vilafranquense. Foi uma fase decisiva na sua vida. Dias antes, tinha perdido os pais num acidente de viação.

«Sei que eles estão contentes, onde quer que estejam, comigo. Isso dá-me orgulho e alimenta-me», confessa o treinador, nesta longa entrevista ao Maisfutebol.

Durante mais de uma hora, Rui Vitória falou sobre a sua carreira e a segunda vida do V. Guimarães. Aqui ficam alguns segredos.

Como é o dia a dia do treinador Rui Vitória?

«Normalmente, acordo às 7h45/8h00 e tomo o pequeno-almoço com a minha equipa técnica, com os quatro/cinco elementos que a compõem. Depois seguimos para o complexo, chegamos 45 minutos antes do treino, já com 30 minutos de café pelo meio, fazemos o treino e então almoço, novamente com a equipa técnica. De tarde, regresso ao complexo para o trabalho complementar: observação de adversários, preparação do jogo seguinte, análise de dados, reuniões com outros departamentos. Aliado a isso, um bocado de ginásio para a equipa técnica, para fazermos nossa higiene mental e física. E saio quanto tiver de ser, às vezes 20, 21 horas.»

À noite, consegue abstrair-se do futebol?

«Consigo. Normalmente, quando saio daqui é para ir para casa, descansar, ver televisão, falar com a família, etc. Isto é o hábito. De vez em quando, ainda vejo algum jogo que tenha gravado ou isso. Mas a norma é contrária, é importante para o equilíbrio mental. E outras vezes, como se come bem no Norte, ainda aceitamos um ou outro convite para jantaradas».

Em dez anos de carreira, alguma vez esteve desempregado?

«Nunca. Por acaso, nunca falei muito sobre isto, mas é curioso. Nunca parei como jogador nem como treinador, quando comecei naquela terça-feira de 2002. As pessoas falam em feriados, fins-de-semanas, férias, mas treinador não tem disso. Faço férias lá fora mas um telefonema dá para contratar um jogador ou perdê-lo, portanto nunca nos podemos desligar. O defeso é um período em que se ganham épocas. Nestes dez anos, nunca estive desligado do futebol. Nunca estive desempregado mas espero que falar disto não me dê azar agora.»

Perdeu os seus pais num acidente de viação dias antes iniciar a sua carreira de treinador. Lamenta que eles não tenham visto o seu sucesso?

«Não me custa falar sobre isso, gosto de falar porque é uma forma de os recordar. Aquele momento mudou a minha forma de encarar a vida. Eles viram-me como jogador mas não como treinador. Faleceram os dois a 21 de setembro de 2002, viram o meu último jogo como jogador e passado uma semana recebi o convite para treinar. A minha mãe costumava perguntar-me o que seria a minha vida depois de ser jogador. Eu dizia: se for professor e treinar uma equipa de juniores, já não é mau. O meu pai acompanhava-me mas à distância, estava sempre comigo mas sem evidenciar a sua presença. Sabia que ele tinha orgulho na minha carreira de jogador e tenho quase a certeza que ele gostaria de estar a falar com os amigos sobre o filho que agora treina na Liga. Sei que eles estão contentes, onde quer que estejam, comigo. Isso dá-me orgulho e alimenta-me.»