As mortes dos antigos jogadores de basquetebol Darryl Dawkins e Moses Malone chocaram o mundo do desporto numa forma geral pelo desaparecimento de duas antigas estrelas da modalidade, mas deixaram uma inquietação especial dentro da NBA quer pelas causas das mortes quer pelo reduzido período de tempo que as separou.

 

Foi como uma espécie de alarme a tocar quando antigos basquetebolistas, de elevada estatura, morreram em períodos próximos e de causas relacionadas com problemas cardíacos. Questões começaram a ser levantadas quanto à relação dos fatores num debate que marca o presente da modalidade enquanto a investigação médica ainda é um processo em curso.

 

As campainhas tocaram de forma bastante audível por volta de outubro do ano passado e fizeram os responsáveis do basquetebol dos Estados Unidos preocuparem-se de forma ativa com uma realidade que tem sido acompanhada muito de perto pela investigação da «ESPN». Neste mês de fevereiro, a estação norte-americana lança uma reportagem na edição impressa do seu magazine que volta a alertar para uma inquietação crescente.

 

No lançamento online do novo capítulo da investigação jornalística, na semana que passou, o alerta é mantido com as palavras de Larry Bird. Antiga estrela (das maiores) da NBA como jogador dos Boston Celtic, antigo treinador dos Indiana Pacers – equipa à qual agora preside –, Bird afirma, aos 59 anos, que não espera viver muitos anos: por ser um homem alto, por ser um antigo jogador de alta competição – como muitos outros como ele que não ultrapassaram uma certa idade...

 

 

Moses Malone tinha 60 anos. Morreu de ataque cardíaco. Fazia exercício, repudiava drogas ou álcool. Morreu devido a um problema coronário quando já usava um monitor de frequência cardíaca. Dezassete dias antes tinha sido Darryl Dawkins a falecer, aos 58 anos, também de ataque cardíaco.

 

Num período de sete meses do ano passado, segundo lembra a «ESPN», além de Malone (2,08 metros de altura) e Dawkins (2,11 metros), morreram Anthony Mason, Christian Welp e Jack Haley, todos também com problemas de coração e menos de 60 anos. O «Billy Penn» frisou mesmo, em outubro, que as duas mortes do verão «juntam-se a 50 outras de jogadores da NBA que sucumbiram a complicações de doenças cardíacas desde 2000, uma taxa que pode ser superior à da população em geral».

 

Joe Rogowski é o atual diretor executivo de medicina desportiva e investigação da Associação Nacional de Jogadores de Basquetebol (NBPA). À reportagem da estação norte-americana disse: «Sabemos que há uma diferença [em relação à população em geral], mas o que é que significam os números? É isso que nós queremos saber.»

 

É neste contexto que as palavras de Bird à «ESPN» ganham significativo destaque: «Estou sempre a dizer a minha mulher Não se vê muita gente de dois metros e 10 de altura a andara por aí aos 75 anos. Sei que há alguns de nós que vivem bastante, mas a maioria de tipos grandes como nós parecem não durar muito tempo.»

 

 

Os alarmes já tocaram. Mas, como Rogowski disse, ainda se está na fase de tentar saber, de investigar. Bird tem a sua «própria filosofia» do alto dos seus 2,06 metros. «Os tipos que jogaram mais – tipos grandes que suaram as estopinhas – são os que estão em maior perigo, acho eu», disse o antigo jogador afirmando que «Moses era um desses competidores». «Moldamos o nosso coração quando estamos a jogar e depois deixamos de jogar a alto nível e os nossos corações ficam por aí. Eu não faço exercício como fazia. Não posso. Não posso sair e ir correr. Faço um jogging e uma pequena sauna, não mais do que isso. O meu corpo não me deixa fazer mais do que isso», referiu na entrevista.

 

Quando Rogowski ainda trabalhava com os Houston Rockets, no segundo trimestre do ano passado, organizou uma série de exames para ex-jogadores da equipa. Dos oito que apareceram, Moses Malone foi um deles. Ficou a saber que o seu coração não estava bem. Foi-lhe detetada desfibrilhação. Um programa de monitorização de antigos jogadores já estava em vigor desde julho, mas foi acelerado desde as mortes de Malone e Dawson.

 

Em outubro, um mês depois das duas últimas mortes, os responsáveis da NBA mostravam reação ao soar do alarme. A diretora executiva da Associação Nacional de Jogadores de Basquetebol (NBPA) dos EUA, Michele Roberts, e o comissário da NBA, Adam Silver, afirmavam esforços conjuntos para fossem feitos exames aos antigos jogadores. «Tanto Adam como eu sentimos a urgência. Não queremos perder outro jogador antes [de se fazer algo]», afirmou então Roberts. Silver reforçava: «É uma alta prioridade para nós. As questões cardíacas que os nossos jogadores têm tido são bem conhecidas.»

 

No passado mês de dezembro, os esforços de NBA e NBPA resultaram numa série de exames feitos a jogadores já reformados. Apareceram cerca de três dezenas de antigos basquetebolistas nas instalações dos Houston Rockets. Rogowski e um batalhão de cardiologistas fizeram a primeira bateria de testes que incidiram nos históricos clínicos, em eletrocardiogramas, ultrassons, análises e testes de apneia do sono.

 

Problemas crónicos na NFL

 

Os problemas de saúde que alarmam agora a NBA não são exclusivos desta modalidade nos Estados Unidos. Em noite de Super Bowl, faz sentido recordar que a associação que regula o futebol americano, a NFL, também lida com situações semelhantes – e também fatais – de consequências para a saúde dos seus ex-atletas. Mesmo que o processo de alerta tenha tido contornos e resistências diferentes.

 

A descoberta da encefalopatia traumática crónica (CTE, do original inglês) pelo patologista forense Bennet Omalu abalou a modalidade. O especialista descobriu a doença ao fazer a autópsia de «Iron Mike» Webster, antiga estrela da modalidade, considerado um dos melhores de sempre. Webster morreu aos 50 anos em estado de demência e depressão. Chegou a colar os dentes com supercola e a usar armas taser para mitigar as dores nas costas. A família não autorizou a revelação da causa da morte.

 

No documentário da série «Frontline», da estação «PBS», «Liga da negação: a crise de traumatismos da NFL», Omalu expõe as suas conclusões sobre a CTE e sobre como a multitude de pancadas que Webster sofreu na cabeça estão relacionadas com o seu estado de saúde. As consequências para os jogadores são assustadoras. A NFL, numa primeira instância, refutou a relação.

 

Numa história bem à americana, depois de provas médicas, audições no Congresso e um processo movido por antigos jogadores terminou-se num acordo judicial com o reconhecimento pela NFL do problema e muitos milhões de dólares que podem ter de ser pagos em indemnizações para vítimas de doenças cerebrais degenerativas. E com um filme intitulado «Concussion» («Traumatismo») em que Will Smith veste a pele do médico Bennet Omalu .

 

 

A inquietação chegou à NBA. «Quantas pessoas vimos nós na nossa vida que são mesmo grandes, mesmo altas, e que têm 70 ou mais anos? Não muitas. Isso é porque a as pessoas [deste tamanho, 2,08 metros de altura] não vivem tanto», disse o antigo jogador Bob Lanier à «ESPN», também em outubro: «As coisas estão a evoluir. As pessoas tomam mais conta delas. Fazem mais exercício, comem melhor. Sei isso tudo. Mas continuamos a perder pessoas mais cedo do que se devia.»

 

Larry Bird já tinha arritmias nos tempos de jogador. Como treinador também sofreu esses problemas no banco. Bird sofre de fibrilhação auricular, uma arritmia que se caracteriza por batimentos cardíacos rápidos e irregulares em que as aurículas estremecem (ou «fibrilham») em vez de se contraírem no seu ritmo normal.

 

Os exemplos da «ESPN» referem ainda vários outros jogadores reformados ou no ativo com problemas cardíacos e mais um rol de outros com distintas complicações de saúde antes mesmo de terminadas as carreiras ou alguns anos depois. Os relatos de dor crónica, nas articulações, são vários. Cinco dos seis jogadores mais utilizados da equipa dos Boston Celtics no título de 1986 tiveram problemas graves de saúde. Danny Ainge sofreu um ataque cardíaco aos 50 anos e sobreviveu, Dennis Johnson sucumbiu mesmo, aos 52. Kevin McMale, Bill Watson e Larry Bird têm problemas de saúde preocupantes.

 

Posições médicas divergentes

 

No presente, as investigações feita aos antigos atletas ainda se caracterizam por uma variedade de posições. Desde os médicos que refutam a relação da altura com os problemas cardíacos e destacam antes a paragem de competição relacionada com o aumento de peso e problemas associados como hipertensão ou diabetes, aos médicos que admitem que ser alto pode facilitar o aparecimento da fibrilhação auricular, mesmo sendo esta passível de controlo.

 

O cardiologista Andrea Natale, que desenvolveu um aparelho para tratar a fibrilhação auricular, também faz parte da equipa de Rogowski e faz uma ponte entre as várias posições do momento apontando predisposição genética, excesso de peso, apneia do sono e hipertensão como fatores de risco para que os jogadores da NBA tenham anomalias cardíacas. Mas o médico destaca também que a arritmia revela-se na população em geral por volta dos 60-70 anos e que os dados que se vai tendo sugerem que os atletas padecem de batimentos irregulares mais cedo, geralmente aos 50 ou mesmo aos 40 anos.

 

«Estamos à procura de tendências. Nunca houve um estudo a sério sobre esta população que procure normas ou tendências. Eles são maiores. Têm mais peso, o que leva a outros fatores como diabetes e hipertensão», afirmou Rogowski à «ESPN». A próxima bateria de testes a antigos jogadores vai incidir na ortopedia e está marcada para este mês.