Luiz Felipe Scolari levou o Brasil ao penta, já lá vão 11 anos e meio.

Mais de uma década depois do êxito no Mundial do Japão/Coreia do Sul, apoiado na seleção dos quatro «R» (Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo e Roberto Carlos), o Sargentão está a criar as bases para oferecer o hexa aos brasileiros.

Ser campeão do Mundo em casa é uma obsessão que muitos brasileiros alimentam há décadas. Os mais velhos guardam esse anseio há quase 64 anos, desde que, em 1950, o trauma do «Maracanazo» levou ao triunfo surpresa do Uruguai sobre a canarinha de Flávio Costa.

Mas a verdade é que, até há poucos meses, esse não seria apontado como um desfecho provável para o Mundial-2014.

Até à Confederações, realizada em junho, pairava sobre o escrete um manto de dúvidas e desconfianças, acumulado pelos resultados irregulares e as exibições dececionantes, desde o consulado de Mano Menezes e nos primeiros meses do regresso de Scolari.

Vigorava a ideia, entre os adeptos, a crítica e mesmo entre muitos jogadores e treinadores, que o Brasil não tinha seleção para se bater com as principais seleções mundiais, nomeadamente com a super Espanha, que venceu os últimos dois europeus e, pelo meio, o Mundial-2010.

O êxito da Confederações, com a conquista clara do título, coroada numa vitória por 3-0 sobre a Espanha na final, alterou por completo a perceção interna e externa sobre a canarinha.

O Brasil voltou a ser incluído no lote dos principais favoritos e algumas casas de apostas colocam mesmo o escrete no primeiro lugar entre as seleções com mais hipóteses de serem campeões do Mundo, no próximo ano.

Além da óbvia importância do triunfo na prova que serve de teste para o Mundial-2014, o facto da final ter sido com Espanha ganha relevância acrescida.

Se descontarmos uma derrota por 0-1 num jogo atípico com Suíça na primeira jornada da fase de grupos do Mundial-2010 (com resultado enganador e que acabou por não ter consequências práticas na caminhada vitoriosa da Espanha nessa prova), o Brasil de Scolari foi a primeira equipa a bater a Espanha em partidas oficiais nos últimos três anos.

Em declarações ao Maisfutebol, Rodrigo Muzell, editor do jornal brasileiro «Zero Hora», responsável pela cobertura do Mundial-2014 e da seleção brasileira para aquele periódico de Porto Alegre, coloca o Brasil imediatamente a seguir à Espanha na lista dos principais favoritos: «O Brasil deu um grande salto com o Scolari, mas ainda não será o principal favorito ao triunfo. A Espanha tem uma equipa muito forte, que joga junta há muito tempo. Mesmo tendo perdido aquela final da Confederações, voltou depois disso a mostrar que continua forte. Mas logo a seguir à Espanha, colocava Brasil e Alemanha e depois a Itália, pela tradição nos mundiais».

Dedo de Felipão

O que é que mudou? Rodrigo Muzell não tem dúvidas: há dedo de Felipão. «Com Scolari, o Brasil voltou a ter um conceito coletivo. Anteriores experiências deles, como o Brasil em 2002, ou o trabalho feito aí na seleção portuguesa, mostram que a chave da sua estratégia está na blindagem do grupo e em unir o grupo em torno de um objetivo comum».

Se os méritos táticos de Scolari são tudo menos pacíficos (sobram as análises, deste e do outro lado do Atlântico que apontam para que o conhecimento tático não será o ponto forte de Felipão como treinador), a verdade é que a capacidade de criação de um espírito de grupo do atual selecionador brasileiro volta a ficar evidente no modo como o Brasil cresceu no seu desempenho desportivo, nos últimos dez meses.

«Lembro-me de um Brasil-Chile, em Minas, em que o Ronaldinho queria jogar só para ele, estava desfasado da ideia coletiva. Scolari conseguiu acabar com isso e fechou o grupo, blindou-o», reforça Rodrigo Muzell.

É somar seis aos 17 já certos

A Confederações foi o ponto de viragem, mas não se pense que Scolari já tem todo o trabalho de casa feito. A oito meses do arranque do Mundial, o Brasil terá apenas mais cinco jogos de preparação, antes de começar a sério a competição.

O próprio Felipão já admitiu que tem um «núcleo duro de «16/17 elementos definidos».

Em função das escolhas que já fez, não é difícil adivinhar quem serão os 17 com lugar garantido na Copa: Júlio César e Jefferson (guarda-redes); Daniel Alves, Dante, Thiago Silva, David Luiz e Marcelo (defesas); Luiz Gustavo, Paulinho, Hernanes, Ramires, Oscar e Bernard (médios); Hulk, Lucas Moura, Fred e Neymar (avançados).

Sobram, por isso, seis vagas a preencher: o terceiro guarda-redes, a alternativa a Dani Alves, a alternativa a Marcelo, o quarto central, um médio-centro e uma unidade de ataque (não necessariamente um «centro-avante»).

Para a baliza, Victor, campeão sul-americano pelo At. Mineiro, é hipótese, mas também há Diego Cavalieri, que foi terceira opção na Confederações.

No lado direito da defesa, Jean e Maicon batalham por um lugar como segunda opção, caso Dani Alves falhe, com Rafinha à espreita de uma oportunidade. Do lado oposto, Filipe Luís já foi opção, mas atenção a Maxwell, forte no PSG.

No eixo da defesa, Thiago Silva e David Luiz são titularíssimos e formam dupla de centrais carregada de carisma. Dante, campeão europeu pelo Bayern, também será chamado, sobrando uma quarta vaga: Réver, do At. Mineiro, está a perder terreno para Dedé (um dos pilares do líder Cruzeiro) e Henrique, do Palmeiras.

A questão do médio-centro teria Fernando (ex-Grêmio, agora no Shakhtar) como escolha natural, mas não será de excluir destas contas Lucas Leiva, do Liverpool, chamado para os próximos compromissos na Ásia (e que regressa ao escrete, quase dois anos depois).

O ponto crucial no meio-campo terá a ver com as funções criativas: «Não vejo uma alternativa à altura do Oscar. Ele esteve muito bem na Confederações, mas mostra alguma irregularidade no Chelsea», alerta Rodrigo Muzell.

«Na Confederações, o Hulk teve uma ação importante, a fechar nas ações ofensivas, compensando com o Oscar. Essa zona do campo está ainda por definir», insiste o editor do «Zero Hora».

Bernard pode entrar neste tipo de contas para o onze e desde que faça um bom resto de época na Ucrânia parece ter já certo o lugar nos 23. Mas haverá pelo menos uma vaga por preencher nos convocados para o Mundial, para alargar opções ofensivas.

E para esse lugar não faltam candidatos: Leandro Damião (Inter de Porto Alegre), Philippe Coutinho (Liverpool), Jô (boa reserva na Confederações e fundamental no ataque do At. Mineiro), Ronaldinho Gaúcho (recuperará a tempo de fazer um grande Mundial de Clubes?), Kaká (o regresso ao AC Milan dar-lhe-á a última vida futebolística?) ou até, quem sabe, Willian (uma das grandes apostas de Mourinho no Chelsea, ex-Shakhtar e Anzhi).

Fator Neymar

Dúvidas e opções à parte, parece claro que Scolari tem as ideias gerais já assentes para o que quer no Mundial: «Oitenta por cento do trabalho está feito. Agora é fazer as últimas escolhas», reforça Rodrigo Muzell.

Uma boa parte das hipóteses de vencer o título passará por Neymar. Estará a «Joia» ao nível do que fez na Confederações? «Antes dessa prova, havia muitas dúvidas quanto ao Neymar. Mas na Confederações ele fez a diferença, é fortíssimo nos desequilíbrios e tem uma qualidade técnica incrível. Se fizer um grande Mundial, fica lançado para lutar por ser o melhor do Mundo», augura o jornalista do «Zero Hora».

O caso especial de Ramires

A recuperação de Ramires é um caso muito especial nas escolhas de Scolari. Felipão não costuma aceitar situações de indisciplina ou fugas às regras. Ramires ficou de fora da Confederações e até levou com uma declaração do presidente da CBF, José Maria Marin, dizendo que não tinha lugar no escrete.

Mas Scolari chamou a si a questão e transformou Ramires de excluído a indispensável. O rendimento em campo do médio do Chelsea falou mais alto.

Hulk, Lucas Moura ou Bernard no onze?

Se parece certo que Fred (desde que o 9 do Flu recupere bem da grave lesão que o fará parar até janeiro) e Neymar serão titulares, o onze do Brasil para o Mundial tem uma dúvida no ataque: aguentará Hulk o estatuto de titular até à Copa?

O público brasileiro não gosta especialmente dele (não faltavam assobios quando ele pegava na bola nos jogos da Confederações), mas Scolari aprecia o seu estilo físico e combativo.

Lucas Moura seria a escolha natural, se estiver bem. Mas o jovem talento oriundo do São Paulo demora a carburar no PSG, muito por culpa das lesões.

E não será, por isso, de descartar a titularidade de Bernard. Scolari adora as qualidades do «baixinho» que despertou tanta cobiça dos grandes da Europa e acabou por parar na Ucrânia.

Não faltam escolhas para Scolari montar uma equipa candidata a vencer, em casa, o sexto título mundial. Os próximos meses revelarão os últimos sinais do código de Felipão para o hexa.