Não há maior história portuguesa na Arábia do que aquela que um grupo de rapazes fez em 1989. Da lamparina esfregada não saiu nenhum génio, mas sim uma geração dourada cuja influência se repercute no futebol nacional ainda hoje.

Mas há mais histórias para saber da Arábia Saudita, que nesta sexta-feira entra em campo no Fontelo, em Viseu, para defrontar Portugal, a campeã da Europa.

Há, por exemplo, um José Peseiro incrédulo à porta do Mundial 2010 e ainda a daquele golo inesquecível, à Maradona, apontado a Michel Preud’homme, e que, em último caso, levou à prisão de quem o marcou.

A Arábia Saudita também tem treinadores portugueses com grande sucesso: Artur Jorge campeão da Liga, e Vítor Pereira campeão da verdade.

Daquela outra vez… Cristiano Ronaldo

A seleção portuguesa já defrontou o adversário desta noite. No escalão sénior, fê-lo apenas por uma vez, curiosamente na preparação para um Campeonato do Mundo. Parece que não, mas já foi há mais de dez anos. O que é equivalente a dizer que Luiz Felipe Scolari era o selecionador, Cristiano Ronaldo ainda usava o número 17 e a maior figura portuguesa ainda era Luís Figo.

Ainda, porque nessa altura já o extremo do Manchester United, era assim mesmo, ganhava destaque, não só na Premier League como na equipa das quinas. Quando Portugal venceu a Arábia Saudita por 3-0 na Ltu Arena, em Düsseldorf, na ficha de jogo aparecia o nome de Cristiano Ronaldo. Em duplicado, com Maniche a marcar o outro golo.

A única derrota de um Portugal campeão do Mundo

Lembram-se sempre as vitórias. Aquela meia-final com o Brasil, em 1989, com um golo de Amaral; ou as outras meias-finais, com a Austrália e um golaço de Rui Costa no Estádio da Luz. E as duas finais, claro. A de Lisboa e a primeira, em Riade.

A capital saudita é um marco histórico no futebol português. Talvez o maior de todos a seguir a Paris, pelo que significou e pelo que encetou, uma caminhada até ao Euro 2016. Terá sido o ponto de partida, mas foi, também, o local onde surgiu a única derrota de um Portugal campeão do mundo em sub-20.

A Arábia Saudita foi a única seleção a vencer os jogadores de Carlos Queiroz nos dois mundiais da categoria, quando se junta 1989 e 1991. No mesmo King Fahd International Stadium onde viria a sagrar-se campeã mundial, a seleção portuguesa caiu derrotada pelos sauditas e por uns claros 3-0.

Do inacreditável com José Peseiro ao campeão Artur Jorge

Nelo Vingada era o braço direito de Carlos Queiroz, esteve na história em 1989 e voltou à Arábia Saudita em 1996. Foi a seleção que Portugal defronta nesta sexta-feira que separou o técnico português da federação. Até aí, Vingada esteve ao lado de Queiroz nos sub-20 e depois orientou a equipa olímpica, nos Jogos de Atlanta.

Vingada não foi o único português a ser selecionador dos árabes. José Peseiro esteve perto de qualificá-los para o Mundial 2010, mas aconteceu uma dessas coisas do futebol.

No play-off asiático, e depois de um nulo no Bahrein, a Arábia Saudita marcou aos 90+1 da segunda mão, para colocar o marcador favorável em 2-1.

Já havia pouca areia na ampulheta e os árabes estavam prestes, prestes a jogar com a Nova Zelândia, em derradeira eliminatória antes do Mundial da África do Sul. No entanto, a equipa sofreu um golo aos 90+3 e foi eliminada pelo fator de golos marcados fora de casa.

Mais feliz foi a história de Artur Jorge. A Arábia Saudita teve sete clubes campeões do país, o maior de todos o Al Hilal. Peseiro treinou-o, mas o único técnico nacional a ser campeão naquele país foi, até agora, Artur Jorge.

De resto, há um historial já considerável de portugueses no comando de equipas sauditas. Manuel José, Toni, Mariano Barreto, Humberto Coelho, José Morais, Jaime Pacheco, e Sá Pinto por exemplo. Estão por lá, agora, José Gomes e Quim Machado.

Inesquecível para todos, inclusive para o próprio, é a passagem de Vítor Pereira, bicampeão com o FC Porto, pelo futebol saudita.

Irrepetível o I speak the truth nesta conferência de imprensa.

Um dos melhores golos de sempre num Campeonato do Mundo!

A Arábia Saudita joga nesta noite em Viseu frente a Portugal, mas pode vir a fazê-lo de novo na Rússia. Porque está apurada pela quinta vez para um Campeonato do Mundo nos quais sofreu uma goleada que ninguém quer: em 2002, perdeu 8-0 frente à Alemanha.

Estranhamente, não é recorde, pois em 1954 a grande Hungria de Puskas e Kocsis despachou a Coreia do Sul por 9-0, a Jugoslávia fez o mesmo ao Zaire em 1974 e a Hungria venceu El Salvador por 10-1 em 1982.

A primeira participação saudita no torneio foi em 1994. Esse foi o Mundial dos EUA, o Mundial de Romário e Bebeto, do penálti de Roberto Baggio, dos golos de Salenko, do festejo em pirueta de Brolin, do cabelo de Valderrama ou dos equipamentos de Jorge Campos.

1994 também foi o Mundial de Al Owaiaran.

Na primeira entrada no torneio FIFA, a Arábia Saudita chegou aos oitavos de final e em grande estilo. Começou por perder 2-1 com a Holanda, mas depois venceu Marrocos e a Bélgica, antes de cair frente à Suécia já na fase a eliminar.

O jogo com os belgas era decisivo, os sauditas tinham de o vencer e pela frente tinham aquele que estava a ser um dos jogadores do torneio: Michel Preud’homme.

No entanto, numa jogada Maradoniana, Saeed Al Owairan bateu aquele que viria a ser o guarda-redes do Benfica nos anos seguintes. Já Al Owairan iria parar à prisão, como lhe explicaremos depois deste golo, o sexto melhor na votação Golo do Século da FIFA.

No regresso à Arábia Saudita após o Mundial 1994, Al Owairan era a estrela. Chegou a receber um luxuoso carro do rei Fahd, mas a fama iria trazer-lhe amargura também.

Quatro anos depois, ao NY Times falou do que viveu entre o Mundial dos EUA e aquele que se preparava para disputar, em França.

«Vi o golo mais de mil vezes, estou farto dele», disse ao jornal norte-americano, através de um intérprete.

Al Owairan contou de seguida: «O golo à Bélgica foi uma faca de dois gumes para mim. De um modo, foi fantástico, de outro horrível. Porque pôs-me debaixo dos holofotes e toda a gente olhava para mim.»

Lilian Thuram e Saeed Al Owairan em 1998

O gosto pela vida ocidental que Saeed Al Owaira adquiriu e o regime saudita simplesmente não eram compatíveis: «Toda a gente tem de viver de acordo com a lei religiosa e do governo, mas é sobretudo importante para que a estrela da equipa se comporte. Ela é que é sempre seguida, quem deve ser o bom exemplo para que todos se comportem de acordo.»

Na altura, o NY Times referiu que Al Owairan não quis discutir as razões que o levaram a ser detido e a ser suspenso do futebol por um ano. Mas noticiou dois eventos que estarão na origem de tal situação.

O primeiro foi que o jogador saiu do país sem autorização do clube, o Al Shabab, para ir para Marrocos divertir-se; o segundo quando no Ramadão, em 1996, foi apanhado a beber com um grupo de conhecidos, incluindo mulheres que não eram sauditas.

«Não era bem uma prisão, era um centro de detenção», disse Al Owairan, que de acordo com o jornal não quis entrar em muitos detalhes.

Impossibilitado de jogar fora da Arábia Saudita devido às leis nacionais que o impediam de praticar futebol fora do país, Al Owairan ainda esteve no Mundial 1998, o último da carreira.

Já a seleção voltou em 2002 e 2006. O ano do último encontro com os portugueses, um frente a frente que se repete nesta noite no Fontelo.