Com Portugal já apurado para o Euro 2016 houve quem pensasse que o jogo com a Sérvia já não servia para muito. Nélson Semedo discordará. A seleção nacional venceu em Belgrado (2-1), na última jornada da fase de apuramento, e o jovem lateral do Benfica estreou-se de quinas ao peito.

No mesmo onze em que Semedo foi escalado para o lado direito da defesa, Eliseu surgiu do lado esquerdo e, lá na frente, pela ala, Nani era uma das referências do ataque.

Três jogadores de origem cabo-verdiana no onze de Portugal e outro no banco: Ricardo Pereira. Não é inédito, mas é significativo do filão que o pequeno país-arquipélago se tornou para o futebol nacional.

Basta olhar para a seleção de sub-21 para perceber que também aí existe uma lista de talentos de origem cabo-verdiana prontos para em breve lutarem por um lugar na seleção A portuguesa: do guarda-redes do Benfica B Bruno Varela, ao defesa-central do Valência Rúben Vezo, até ao extremo do Sporting Gelson Martins.

Os três têm dupla nacionalidade (apesar de só Gelson ter nascido em Cabo Verde), mas já estão integrados na seleção portuguesa desde os escalões mais jovens.

Hernâni não está decidido

Além de Ricardo Pereira, lateral/extremo emprestado pelo FC Porto ao Nice, que integrou a última convocatória de Fernando Santos, há ainda Hernâni, extremo também cedido pelos dragões, ao Olympiacos, que há um ano recusou representar Cabo Verde por ter esperanças de ser chamado à seleção portuguesa. Convencer talentos é um dos desafios de Rui Águas, ex-internacional português, que é desde 2014 selecionador dos Tubarões Azuis.

«Cabo Verde é um país de futebolistas predestinados, mas também de emigração. O nosso dever como equipa técnica e o da estrutura organizativa passa por tentar alargar o universo de atletas que possam ser convocados», explica à MF Total Rui Águas, reconhecendo as dificuldades por muitos dos potenciais craques preferirem Portugal na hora de escolher que bandeira querem representar.

«Os fatores dessa escolha são vários: pode ser por uma questão familiar, de proximidade, de gosto pessoal; ou então a decisão pode até acontecer por influência do agente do jogador…», afirma Rui Águas, que sobre a recusa de Hernâni não dá o dossier como fechado: «Ele ficou orgulhoso por ser uma referência … E não me parece que seja definitiva a sua tomada de posição (de não representar Cabo Verde e esperar pela seleção portuguesa).»

O sonho de um Mundial

Apesar de preterido por alguns dos seus craques, o Petit Pays, pátria de Cesária Évora, está finalmente a ganhar o seu espaço no futebol africano.

A seleção cabo-verdiana começou a disputar qualificações para os Campeonatos do Mundo há apenas 15 anos. Estreou-se na fase final da Taça das Nações Africanas em 2013, tendo chegado aos quartos-de-final, e na edição deste ano foi o único país lusófono a voltar a estar presente na grande prova de seleções do continente africano, ficando na fase de grupos.

Os sinais são positivos. De tal forma que a seleção que tem o defesa Fernando Varela (Steaua) e os avançados Djaniny (Santos Laguna) e Héldon (Rio Ave) como principais figuras ocupa o 41.º lugar do ranking FIFA (a melhor classificação de sempre foi 27.º, em fevereiro de 2014) e tem expetativas fundadas de chegar ao Campeonato do Mundo de 2018.

«Cabo Verde é uma seleção cada vez mais respeitada e assumimos a presença no Mundial como um objetivo. Isso também pode ajudar a convencer alguns jogadores a integrarem o nosso grupo. Para já, é preciso ultrapassar o Quénia no playoff (a primeira mão é a 9 de novembro) e depois dependerá das seleções que nos podem calhar na fase de grupos», assume Rui Águas.

Vieira, Larsson e outros históricos

Na seleção portuguesa, Águas foi colega dos cabo-verdianos Neno e Oceano, num tempo em que Cabo Verde já estava filiado na FIFA (desde 1985) mas nem sequer disputava as qualificações para o Mundial.

Nesse tempo, craques como Patrick Vieira ou Henrik Larsson, que fizeram a história do futebol europeu e mundial, optaram por França e Suécia, respetivamente, apesar das raízes cabo-verdianas.

Tal como hoje Gelson Fernandes joga pela Suíça, enquanto o primo, Manuel Fernandes, já representou Portugal e tem legítimas ambições de regressar aos eleitos do selecionador nacional Fernando Santos, tal como Silvestre Varela ou Rolando, também com laços familiares às ilhas.

Porém, na relação futebolística entre Portugal e Cabo Verde, em que a seleção lusa sai claramente beneficiada, tudo começou com Carlos Alhinho, numa altura em que o arquipélago era província ultramarina.

A primeira das 13 internacionalizações do defesa que jogou nos três grandes aconteceu a 28 de março de 1973, na Irlanda do Norte (1-1). A estreia do malogrado Alhinho (faleceu em 2008) em Portugal com a camisola das quinas aconteceu diante da Bulgária (2-2), no Estádio da Luz. Foi a 13 de outubro, há precisamente 42 anos.

Morabeza é um termo colado a Cabo Verde. Significa amável ou gentil. No futebol, a relação de Portugal com as dez ilhas vulcânicas estendidas sobre o Atlântico tem sido assim mesmo.

Desde Alhinho que a terra da Morabeza não se tem poupado de fornecer futebolistas à “equipa das Quinas”: mais de uma dezena. Nélson Semedo, que não nasceu na Cidade da Praia ou em Mindelo, mas já em Lisboa, é só o mais recente exemplo dessa longa lista.
  
Jogadores cabo-verdianos que representaram a seleção A de Portugal:

Jogador                     Internacionalizações
Nani                           90
Oceano                      54
Varela                        27
Rolando                     19
Carlos Alhinho            14
Eliseu                        11
Manuel Fernandes       9
Neno                          9
Nélson  Marcos           3
Nélson Semedo           1
António Paris              1