A convocatória de Fernando Santos para o jogo particular com Cabo Verde, no dia 31 de março, tem, entre várias outros aspetos curiosos, a particularidade de poder acentuar, de várias formas, os laços familiares entre elementos que, no passado ou no presente, formam parte da história da Seleção. O lado mais visível é, claro, a chamada do avançado do Belenenses, Rui Fonte, que poderá vir a fazer companhia em campo ao irmão José, caso este não seja utilizado com a Sérvia.

A chamada e possível estreia do irmão mais novo (o avançado tem 24 anos, o central do Southampton tem 31) foi devidamente assinalada na conta Instagram de José Fonte, que por sinal também só se estreou pela equipa das quinas no último jogo, com a Argentina:
 

 




Esta chamada pode reeditar um facto que não acontecia há sete anos, a última vez em que dois irmãos representaram a seleção principal na mesma partida. Aconteceu a 6 de fevereiro de 2008, num particular de preparação para o Europeu, em Zurique, com a Itália, e que Portugal perdeu por 3-1. Protagonistas, Maniche e Jorge Ribeiro, que dessa vez, ao contrário do que já tinha sucedido em três ocasões anteriores, não chegaram a coincidir em campo: Jorge, o irmão mais novo, só entrou aos 69 minutos, sete minutos depois de o mano mais velho ter sido substituído.

Com apenas essa derrota nos quatro jogos em comum, entre 2004 e 2008, Maniche e Jorge Ribeiro formam a dupla de irmãos que mais vezes coincidiu na seleção, com a particularidade de ambos terem participado em fases finais de grandes competições, mas em momentos distintos: Maniche no Euro-2004 e Mundial-2006, Jorge Ribeiro no Euro-2008.

2008: Maniche e Jorge Ribeiro «apadrinhados» por Cristiano Ronaldo


Apesar do currículo, talvez não sejam os irmãos mais famosos na história da seleção: essa honra irá, muito provavelmente, para a dupla do Belenenses formada por Matateu e Vicente. O primeiro, um dos melhores goleadores de sempre no futebol português, era oito anos mais velho do que o segundo, um defesa de bons recursos, que brilhou com os «magriços» no Mundial de 1966. Apesar da diferença de idades, ainda coincidiram em três jogos: vitórias sobre a Escócia (1-0) e a RDA (2-0), em junho de 1959, e uma derrota (3-5) com a França, em novembro desse ano. E Matateu marcou quatro golos nesses três jogos...

Pode ver aqui um resumo alargado dessa última partida:


Para encontrarmos a terceira dupla de irmãos a atuar em simultâneo pela seleção principal é preciso recuar muito no tempo. Quase 94 anos, mais precisamente: foi no primeiro jogo da seleção, a 18 de dezembro de 1921, que isso aconteceu, tendo como protagonistas os irmãos Artur Augusto , do FC Porto e Alberto Augusto, do Benfica. Este último ficará para sempre na história do futebol português por ter sido o autor do primeiro golo da seleção, nessa derrota inaugural (1-3) em Madrid, diante da Espanha, do famoso guarda-redes Zamora, e do goleador Paulino Alcantara.

1921: Artur e Alberto Augusto, na fila de baixo, à ponta direita


Alargando um pouco o campo de pesquisa, encontramos mais irmãos que representaram a seleção nacional, mas não no mesmo jogo. É o caso de Vítor e Mário Campos, da grande Académica dos anos 60, que fizeram as suas únicas partidas na seleção principal com dois anos de intervalo (1967 e 1969). Seguem-se na lista os irmãos Murça: entre 1969 e 1979, Alfredo jogou cinco vezes pela equipa das quinas, representando Belenenenses e FC Porto, com o seu irmão, Joaquim a atuar por Portugal em duas ocasiões, em 1982 e 83, quando jogava no Portimonense.

A lista fica completa com dois pares de irmãos representativos da década de 80, de José Luís e Jorge Silva (Benfica e Marítimo), que passaram pela seleção entre 1983 e 1989, em momentos diferentes. Os gémeos Carlos e Pedro Xavier (Sporting, Real Sociedad, Académica e E. Amadora) tiveram registo de quinas ao peito entre 1981 e 1993, mas sem coincidirem num mesmo jogo.

Quatro histórias de pais e filhos

A possibilidade de Rui e José Fonte se juntarem a esta lista ilustre não é a única ligação familiar na lista de Fernando Santos, já que as chamadas de André André e de Tiago Pinto abrem a porta a outro tipo de relação de parentesco. O médio do V. Guimarães e o lateral do Rio Ave são filhos de internacionais com currículo de respeito, respetivamente António André, 20 internacionalizações entre 1985 e 1992 e uma presença no Mundial 1986, e João Vieira Pinto que, entre 1991 e 2002 somou 81 jogos e 23 golos na seleção principal, com três fases finais no currículo.

Caso venham a ser utilizados diante de Cabo Verde, André André e Tiago Pinto poderão juntar-se a mais quatro casos de «sucessão dinástica» na seleção portuguesa, em que o testemunho passou de pai para filho. A primeira vez que tal sucedeu foi em junho de 1959, quando o defesa do Belenenses, Raul Figueiredo, se estreou na seleção principal, 32 anos depois de o pai ter feito o mesmo. Raul sucedia a Raul, já que tinha o mesmo nome do pai – no entanto, para a história do futebol português, Raul sénior, médio do Olhanense e, depois, do Benfica, ficou popularizado por uma alcunha, «Tamanqueiro» - é com esse nome que as suas 17 internacionalizações, entre 1925 e 1930, surgem no registo da equipa das quinas.

Raul Figueiredo ladeado por Matateu e Vicente, em 1959 (imagem do blog «Belenenses Ilustrado»)


Mais fugaz foi o trajeto na seleção das duas gerações Morato: o pai, António, defesa do Sporting, atuou apenas uma vez, em 1961. Já o filho, também António, atuou por seis vezes com as quinas ao peito, entre 1985 e 1988, tendo estado entre os eleitos de José Torres para o Mundial de 1986.

António Morato, nos anos 80 (Facebook pessoal)


A dupla seguinte tem outro peso na história da seleção. No mesmo ano de 1985 estreava-se na seleção outro herdeiro ilustre de um antigo internacional. Rui Águas era ponta de lança, como o pai, e entre 1985 e 1993 até conseguiu superar o total de internacionalizações de José Águas (31 contra 25), aproximando-se também do seu total de golos: dez para o filho, 11 para o pai, que brilhou pela equipa das quinas entre 1952 e 1962.

Um dos golos de José Águas pela seleção, nos 6-0 ao Luxemburgo (1960)


Por fim, a última passagem de testemunho de que há memória na seleção principal remonta a outubro de 2007, quando Miguel Veloso se estreou numa equipa orientada por Luiz Felipe Scolari. Então no Sporting, o médio, que à data soma 53 jogos em sete anos ao serviço da seleção, acabou por superar o registo do pai, António Veloso, autor de uma das carreiras de maior longevidade na seleção, cumprindo 40 jogos entre 1981 e 1994.

Miguel e António Veloso, em 2008