Fernando Santos falou ao Maisfutebol em cima do apuramento para o Campeonato do Mundo. Uma entrevista em que o selecionador nacional aborda a caminhada da seleção, as dúvidas, o futuro, o futebol português. Aqui, o selecionador volta à ideia de que esta é uma das melhores seleções de sempre, mas explica por que não consegue dizer que é a melhor geração do futebol português, lembrando grandes jogadores do passado. Pelo caminho o selecionador nacional fala sobre a organização que o futebol de formação foi ganhando na seleção a partir de Carlos Queiroz e a sua importância no crescimento consistente até ao nível em que Portugal se encontra hoje: campeão europeu, terceira melhor seleção do ranking FIFA e das poucas que somam dez apuramentos seguidos para fases finais.

Depois da festa, como viveu aquelas horas quando saiu da Luz?

Fui para casa descansar, ver a minha mulher, que era a única pessoa da família que ainda não tinha visto. Naturalmente dormi pouco, mas isso acontece-me sempre a seguir aos jogos em qualquer circunstância. Fico sempre a pensar no jogo e tal. Aproveitei para responder às muitas mensagens que tinha, fiquei acordado até tarde e depois fui dormir.

Tem 63 anos, viveu todas as grandes gerações do futebol português, lembra-se de alguma melhor do que esta?

Comparar gerações é sempre muito difícil, são contextos diferentes de futebol ao nível do treino e da organização. Para comparar as equipas teriam de estar todas nas mesmas condições: o mesmo treino, o mesmo tipo de material, enfim. Isso não é possível.

Mas então o que o leva a dizer que esta é uma das melhores de sempre?

Eu lembro-me bem do Mundial de 66, vi os jogos todos pela televisão, mas lembro-me de outras gerações de grandes jogadores, algumas até que nunca se apresentaram num grande palco. Até 84, em França, houve gerações de grandes jogadores e grandes equipas.

Está a falar dos anos 70...

Sim, a geração de Humberto Coelho, Toni, João Alves, Vítor Martins, Vítor Baptista, e quantos, e quantos, e quantos. Grandes jogadores, dos quais ainda falamos hoje, mas que a nível de seleção não tiveram a possibilidade de disputar uma grande prova. Por isso não fiz comparações e disse apenas que esta é uma das melhores.

Então o que define uma equipa como uma grande equipa?

É aquela que, para além da sua capacidade individual, coletivamente fez história. E Portugal fez história em 66, indiscutivelmente.

Mas esta geração conquistou coisas que mais nenhuma conquistou...

Está bem, mas seria presunçoso da nossa parte dizer que somos os melhores. Se me perguntassem qual é a melhor geração em termos de resultados? É esta, é evidente. Ganhou um Campeonato da Europa. Mas Portugal já teve grandes equipas e podia, tanto em 66, como em 84 em França, como em 2000 na Holanda ou em 2004, ser campeão. Esteve muito próximo de alcançar o título e só não o conseguiu por uma razão ou outra.

Falando das últimas gerações, qual foi para si o clique que permitiu a Portugal crescer até estar sempre nas fases finais e ser campeão ou vice-campeão da Europa?

O clique... Há muitas coisas que contribuiram para isso. Como a organização da Federação ao nível das seleções.

Com Carlos Queiroz.

Sim, com o Carlos, em 1989 e 1991, a nível do futebol de formação. Houve aí um salto qualitativo. Mas não podemos colocar em causa o passado. Em 84 Portugal tinha feito um excelente campeonato da Europa, em 66 um excelente Campeonato do Mundo.

Mas a partir daí tornou-se mais consistente?

Em termos organizacionais, sem dúvida nenhuma que a Seleção Nacional ficou mais consistente depois desse trabalho. É a primeira fase do futebol português em que a formação passa a ter um peso muito grande. Não que antes de 89 não houvesse formação. Havia, Portugal sempre foi um manancial de jogadores. Assim estávamos a esquecer Chalana, aqueles da geração de 70, grandes jogadores. Agora, a nível da estrutura das seleções nacionais é a primeira vez que há um enquadramento da formação. Pela primeira vez, lembro-me que eu era treinador e o Carlos tinha uma espécie de fetiche de treinar com as minhas equipas antes de ir para qualquer dessas provas, treina comigo antes de 89 e antes de 91, é quando a seleção a nível da formação passa a ser clube. Lembro-me perfeitamente que em 89 tinha o Valido e o Xavier comigo no plantel do Estoril e eles passavam mais tempo em trabalho de seleção do que no clube. Portanto aquela era uma equipa que vinha a crescer junta. Criou uma base de clube, com jogadores que têm um forte conhecimento entre eles, o que ajuda no trabalho da Seleção Nacional. Porque a Seleção Nacional não tem tempo para treinar. Por isso se formos analisar estatisticamente, os campeões da Europa e do Mundo são a maior parte das vezes seleções baseadas em um ou dois clubes. Porquê? Porque a falta de treino a nível de equipa nacional é mitigada pelo forte conhecimento que os jogadores têm entre si a nível de clube. Não basta ter qualidade individual, tem de haver um conhecimento.

Mas essa não é de todo a realidade desta Seleção Nacional.

Mas há outra forma de resolver este problema e essa forma tem muito a ver com o trabalho que é feito nesta casa. Daí a importância de destacar o trabalho que tem sido feito desde Carlos Queiroz, e sobretudo nos últimos anos, a nível de seleções jovens para que Portugal esteja sempre nas fases finais das grandes competições desde 2000. Há uma estrutura consolidada a nível da formação, os jogadores são muito escrutinados, trabalhados ainda nessa fase jovem e esse trabalho favorece a Seleção Nacional. Em 2004 a Seleção ainda joga muito com base no FC Porto, em 66 com base no Benfica, em 86 com base no FC Porto e no Benfica. A partir de 2004 deixa de acontecer isso.

Isso aumenta a importância da seleção sub-21?

Não é só sub-21. Sub-15. Sub-16. Todo este trabalho começa aos 15 anos. Não começa aos 21 nem aos 20. É aos 15 anos que estes jogadores são escrutinados. Eu tenho uma pessoa na minha equipa técnica, que é o Ilídio Vale, que foi o coordenador de toda a formação na Federação, e tem por isso um conhecimento profundo da qualidade individual de todos os jogadores, das suas características como pessoas, da sua forma de estar, da sua ligação coletiva. Este é um trabalho que tem sido feito muito bem por toda a gente há muitos anos. Os sub-21 já são a reta final da caminhada. Mas com isto não podes concluir que o importante são os sub-15. Cada escalão tem a sua importância, e muita.

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Fotos: Ruben Neves