As primeiras recordações que o professor António Fonte Santa guarda de João Filipe são a velocidade de execução e a facilidade com que lhe saíam as fintas. É isso que assalta a memória do homem que recebeu Jota, quando o miúdo de sete anos apareceu nas escolas do Benfica.

«Ele driblava como quem bebia água. Era-lhe igual fintar com o pé direito ou com o esquerdo, sair em vírgula para um lado ou para o outro. E essas características que ele já trazia quando chegou ao Benfica mantêm-se hoje», nota o coordenador técnico da escola de futebol das águias, função que já ocupava quando um dos heróis do título europeu de sub-19 entrou no clube.

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Fintas, fintas e mais fintas. Fonte Santa lembra-se de uma criança que tinha um gosto especial pela arte de tirar adversários do caminho. E que para aprender mais sobre essa arte, utilizava todas as ferramentas que tinha ao seu dispor.

«O João via muitos vídeos de fintas no Youtube, aprendia a fazê-las e depois chegava aos treinos e ensinava-as aos colegas. Aprendia uma finta num dia e no seguinte já queria aprender outra. Aquilo está-lhe no sangue», acredita o mesmo responsável.

Um «abre-latas» que tem o drible como «arma»

Ora, e se o miúdo gostava e era bom a fintar, a preocupação dos responsáveis da formação dos encarnados foi potenciar essa capacidade.

«A nossa metodologia assenta no antigo futebol de rua. E aquilo que planeávamos para o Jota eram exercícios dele contra quatro ou cinco adversários, precisamente para ele desenvolver o drible de forma a que não fosse um recurso, mas uma verdadeira arma ofensiva para ele usar em prol da equipa», defende ainda Fonte Santa. Ele que acredita que estamos perante uma estrela em ascensão que está destinada a brilhar quando tudo o resto falhar.

«O Jota está preparado para resolver o caos. Como é um desequilibrador nato, sempre quisemos que ele usasse isso para fazer jogar a equipa. Foi treinado para ser o abre-latas que é hoje: um jogador que se for preciso levar a bola para um canto e desenvencilhar-se de dois ou três adversários é capaz de o fazer», descreve, assegurando: «Se lhe derem confiança, ele pega no jogo e resolve».

E essa garantia leva-nos diretamente a uma história que ouvimos de Ricardo Monsanto, antigo selecionador da AF Lisboa, responsável pela primeira chamada de João Filipe a uma seleção, em 2013.

«Já o tínhamos observado dezenas de vezes e até ponderámos convocá-lo para o [torneio de seleções] Lopes da Silva do ano anterior, algo que a acabámos por não fazer. Mas como já tinha a ideia de fazer dele capitão da seleção de sub-14 no Lopes da Silva de 2013, em abril convoquei-o para o torneio Cidade de Mértola, onde ia participar a seleção de sub-15, de forma a fazê-lo ganhar mais experiência», explica Monsanto.

O que talvez o técnico não esperasse, era a desinibição e autoconfiança de um miúdo que estava numa equipa de jogadores mais velhos do que ele e campeões nacionais no ano anterior.

«Aquela era uma equipa de muita qualidade, mas o jogo de abertura não estava a correr nada bem», recorda Ricardo Monsanto, confidenciando a desfaçatez do miúdo. «Um pouco antes do intervalo, o Jota virou-se para mim e disse: ‘mister, meta-me que eu resolvo isto’. E a verdade é que eu lancei-o ao intervalo e ele resolveu mesmo o jogo com um golo e uma assistência», assegura, sorridente.

Senhor de um futebol que não cabe em formatações

Segundo lembra Ricardo Monsanto, a qualidade e confiança demonstradas naquele primeiro jogo valeram a João Filipe a permanência na equipa de sub-15 que disputou aquela prova. E valeu-lhe também a tal braçadeira de capitão que já lhe estava apontada antes, para a seleção de Lisboa que viria a vencer o Torneio Lopes da Silva no verão de 2013, no qual o atleta do Benfica foi eleito o melhor jogador e chamou a atenção de alguns dos maiores clubes europeus, como contou então o Maisfutebol.

«Era um miúdo com muita cabeça, a quem tirei logo a pinta de craque», sublinha Ricardo Monsanto que vê na jovem promessa do futebol nacional qualidades que já são muito difíceis de encontrar, num mundo em que tudo parece estar demasiado formatado.

«O Jota ainda tem aquele futebol de rua, imprevisível, que já não se vê muito. O que vemos agora são jogadores muito formatados. E ele, apesar de jogar desde os oito anos, mantém o futebol de bairro e aquela coisa saudável dos jogos de rua contra rua, ou turma contra turma. É isso que faz dele diferente», acredita o técnico.

«Talento e força mental» de braço dado

João Filipe é mais do que apenas talento puro, garante quem o conhece. É um jovem que soube manter as características que parecem ter nascido com ele, mas que foi evoluindo consoante o que o futebol lhe exigiu.

E para isso, muito terão contribuído as opções que os responsáveis do Seixal foram tomando na gestão do crescimento futebolístico de Jota, acredita Fonte Santa, que defende que o desenvolvimento do jogador foi feito com passos seguros… mas passada larga.

«Para a evolução dele foi fundamental jogar muitas vezes no escalão acima. Se ele jogasse sempre com miúdos da idade dele seria demasiado fácil e mau para continuar a evoluir. Também, porque além da qualidade técnica, é um jogador muito inteligente que foi evoluindo muito nesse aspeto do seu jogo», aponta o responsável da escola de futebol do Benfica.

Aliás, olhando para o percurso que João Filipe tem feito no Benfica, percebe-se que o salto de etapas fez sempre parte do dia-a-dia do jovem. E isso, resultou na chegada aos seniores ainda com 17 anos, sendo aposta de Hélder Cristóvão na equipa B.

O treinador que lhe abriu as portas da equipa secundária do Benfica e fez com que chegasse ao Europeu de sub-19 com quase 30 jogos no futebol profissional – divididos por duas épocas – revela ao Maisfutebol que a aposta foi natural.

«No Benfica, o que está definido para passar para escalões acima é apenas um fator: a qualidade. Seja ela técnica, física ou mental. E o Jota reúne todas elas, aliadas ao enorme talento e educação», descreve o treinador que deixou o Benfica B no final da última época.

Também ele com experiência como jogador de seleções jovens e seleção A, Hélder acredita que «as dificuldades encontradas pelo Jota na equipa B e na II Liga foram fundamentais para a sua evolução». «E depois, na parte final da época, a libertação que lhe foi dada para jogar nos juniores, o escalão dele, já com uma dinâmica e cultura tática superior», enaltece.

Com cabeça para ser «um caso sério do futebol mundial»

Após o sucesso no Europeu – não só coletivo, mas também individual, com a conquista do prémio de melhor marcador que dividiu com Trincão, outra das grandes figuras da seleção – a receita que Hélder dá para que Jota não seja mais um caso de talento desperdiçado é simples: «continuar a jogar com regularidade».

Mas quem conhece João Filipe desde mais novo, acredita que a estrutura mental o vai fazer triunfar no futebol. É essa a certeza de Ricardo Monsanto.

«Estive a falar com ele há cerca de dois meses e fiquei com a clara sensação de que o miúdo vai mesmo ser jogador. E digo-o, não só pelo que mete em campo, mas pela cabeça que tem. Parece-me que não se deixa deslumbrar pelas coisas pequenas, porque o que quer do futebol são as coisas maiores. É alguém com a magia que só os predestinados têm e que sabe exatamente aquilo que quer», aponta o antigo selecionador da AF Lisboa.

A mesma ideia é defendida pelo professor Fonte Santa, que vê em João Filipe alguém «muito forte psicologicamente». «É um miúdo humilde que tem os pés bem assentes na terra e não sobe às nuvens facilmente», assegura quem o conhece desde os sete anos, não deixando, contudo, de o apontar às estrelas.

«Se tiver a confiança dos treinadores e aquela ponta de sorte que é sempre necessária, será um caso sério do futebol mundial», antevê Fonte Santa.

Só o futuro o poderá dizer.  Para já, existe a esperança. E essa é tão grande quanto o talento de João Filipe.