O selecionador olímpico, Rui Jorge, concedeu nesta quarta-feira uma entrevista coletiva aos órgãos de comunicação social. Foi num ambiente mais descontraído, na Cidade do Futebol, que o técnico abordou todas as questões relativas à equipa que vai levar aos Jogos Olímpicos.

Como é público, houve muitas dificuldades para fechar o grupo de trabalho. Rui Jorge tinha uma lista inicial de 35 jogadores convocados, mas o facto de os clubes terem primazia sobre os futebolistas, em relação aos Jogos Olímpicos, faz com que dos 35 apenas 11 estejam presentes. No próprio dia do anúncio dos eleitos, o treinador perdeu mais um elemento e, já depois de a lista estar feita, Nuno Santos (V. Setúbal) abdicou de estar presente.

Apesar de toda a confusão e, agora, até de algumas críticas, Rui Jorge não mudava nada no comportamento que teve. Exemplificou com o caso de Tiago Silva, algo insólito, para dizer que fez tudo o que era possível, inclusive suplicar.

[pergunta] Agora que tem o grupo completo e definido, quais são as impressões?

Rui Jorge - «Já tenho o grupo fechado, nesta altura sabemos com quem vamos contar e estamos a trabalhar com eles. Em nada se vai passar uma esponja sobre o que sucedeu antes. Apesar de tudo, é um grupo que conhecemos, já todos trabalharam connosco.»

É hoje um selecionador desiludido?

«Hoje já não (risos), mas há uns dias sim. Quando iniciámos esta caminhada para os Jogos Olímpicos, iniciámos com a vontade de lá chegar e fazer boa figura. Vimos isso como algo bem possível. Construímos uma equipa que só perdeu em grandes penalidades, numa final (sub-21 no Europeu). Pelos resultados, davam-nos garantias totais. A partir daí, é natural que alguma desilusão se abata sobre nós. A partir do momento em que foi este o caminho, procurámos construir o grupo mais forte e neste momento já o temos. Há seis meses não era o grupo que pensava, mas agora estamos concentrados nestes jogadores.»

Com a seleção em Lisboa, os quatro jogadores que chamou apenas para treinar são de FC Porto e Sp. Braga. Houve algum problema com os clubes da região da capital, ou houve outro critério na escolha?

«Estamos a falar de jogadores da seleção de Sub-20 [no caso do Sp. Braga]. Existindo esta possibilidade de os ter mais próximos, achámos que seria interessante. Também escolhemos posições específicas. Em relação ao FC Porto, trata-se de dois jogadores dos sub-19 que gostamos de acompanhar. Foi opção também de Luís Castro [responsável do FC Porto, que sugeriu Fernando Fonseca]. Ficamos contentes por isto. Precisávamos de quatro jogadores para completar o treino, mas não houve clubes de cá ou de lá.»

Alguma vez se ponderou, perante a situação, não ir aos Jogos Olímpicos?

«Custou-nos tanto lá estar…devemos saber como as coisas se processaram. Há uma norma da FIFA e internamente podia ter-se outra perspetiva. A relevância que quisemos dar ao regulamento interno levou-nos a esta situação. A desilusão foi a normal de quem esteve em busca de alguma coisa.»

Estes jogadores são segundas, terceiras e até quartas opções. Como se gere isto com os jogadores?

«Com a verdade! Temos de ser pragmáticos. Um dos itens principais que pomos quando escolhemos jogadores é a inteligência. Se faço uma lista de 35 e tenho um jogador aqui que não estava nela, ele não seria inteligente a pensar que seria a primeira escolha. Agora, sabe que tem um ou dois à frente dele, as tem de pensar que tem dez atrás. Há jogadores que davam muito para ir ao Brasil, que maior motivação podem ter? Aqui vão ter sempre a verdade. Por exemplo, ainda não tinha falado no Nuno Santos, porque ainda não tinha tido oportunidade para falar.»

Perante todas as limitações e condicionalismos que há nas outras seleções também, houve elementos que foram recolhidos sobre os adversários. Até que ponto estes vão ser úteis?

«É completamente diferente. Bom, para usar uma daquelas frases que se dizem…os Jogos Olímpicos não se preparam, jogam-se. Perante esta realidade, o facto de poder haver três jogadores acima da idade [23 anos] faz uma tremenda diferença numa equipa. Logo aí, os Jogos Olímpicos são de preparação difícil. Fica muito limitado trabalhar em cima do que foi observado. Mas agora os grupos estão fechados, vai haver jogos de preparação e vamos procurar obter informação.»

Quando Portugal se qualificou, havia a ideia generalizada de que havia uma oportunidade para se ganhar uma medalha. É realista continuar a pensar nisso?

«Realista…se escolho uma lista daqueles 35, vou mais forte. Tendo 11 dessa lista não lhe posso dizer que estou mais forte do que estava antes. No entanto, estes são jogadores de seleção e sabem o que esperamos deles. Vamos dignificar o país. E quando digo isto, não é pelas medalhas. É pelo comportamento e entrega. Se vamos passar a fase de grupos não sei, mas o resto posso garantir.»

Considera esta situação uma vergonha?

«Não, compreendo a posição dos clubes, se for esta a forma como olhamos para a Lei. Se têm primazia sobre os jogadores, devem exercê-la. Mesmo que um jogador seja a quarta opção no clube, pode haver uma lesão, qualquer coisa, e ter uma oportunidade. Por isso, percebo. Consigo perceber o outro lado. Depois entramos na questão de que jogos e quantos é que os jogadores perdem ao virem para cá. A lei é assim, não é uma decisão minha ou da Federação. É uma questão de Estado.»

O Rui Jorge esteve nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, Portugal teve quatro futebolistas olímpicos, em 2004, que também estiveram no Europeu desse ano. O que aconteceu para isto, os Jogos Olímpicos perderam mística?

«Não sei, mas eu sinto uma vontade enorme nos jogadores que cá estão. Fazem parte de uma elite pequena. O nome deles vai ficar gravado.»

Apesar de todas as condições já conhecidas, muitos destes jogadores não se conhecem em campo. Há tempo para se criar uma equipa?

«Há algum tempo, começámos a estagiar dia 18 e jogamos dia 4. Agora que a situação está definida, é aproveitarmos todos os momentos.»

Devia ter havido conversas ao mais alto nível, entre o presidente da Federação e os clubes?

«A FPF tentou sensibilizar os clubes, inclusive através do Pauleta. Há várias formas de abordar estes assuntos. Por exemplo, a federação da Dinamarca combinou com a liga que cada clube cedia dois futebolistas. Os clubes podiam vetar um, mas cediam outro. Desde que sabemos que estas não são datas FIFA que estivemos a tentar [convencer os clubes a ceder jogadores]. Estamos há muitos meses a tentar sensibilizá-los. Fizemos o máximo de esforço possível.»

Perante a situação, crê que o futebol deve continuar nos Jogos Olímpicos?

«Eu gostava, se continua ou não, não sei. Espero que saiam novos jogadores dos JO.»

Ao longo deste processo, mudava alguma coisa no seu comportamento?

«Não. Já fizemos essa pergunta internamente. É verdade que suplicámos por alguns jogadores (risos) e voltava a fazê-lo. É surreal como um selecionador nacional pede para ter uma equipa. Foram 57 jogadores abordados, foram muitos telefonemas (Rui Jorge pergunta, até, qual é a operadora que patrocina a seleção, em tom de brincadeira).  Falar com um treinador, depois com um jogador. Outras vezes o contrário. Houve uma altura em que deixou de haver ordem. Ir a sítios…onde se tinha de ir. Por exemplo, o Feirense. O José Mota ia receber um jogador e eu comecei a falar com ele. Mas ele ainda não tinha recebido o Tiago Silva (por empréstimo do Belenenses).  O jogador não estava com ele, mas estava a ir. Não estava habituado a viver isto. Terá valido a pena fazer esta figura? Valeu, porque hoje posso dizer que fizemos de tudo.»

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