Este é provavelmente a herança soviética que mais envergonha Saransk.

Nenhuma outra região da antiga União Soviética tinha tantos gulags quanto a Mordovia, nem sequer a Sibéria. Os campos de concentração soviéticos espalhavam-se ao longo de centenas de quilómetros, desde as redondezas de Saransk até aos locais mais inacessíveis, e matavam milhões de pessoas. Um pouco como faziam os campos de concentração nazi na Europa mais central.

Os primeiros gulags foram construídos aliás na Mordovia nos anos 30.

Era para esta região, portanto, que era enviada a maior parte dos presos políticos, de guerra ou criminosos, muitos dos quais só saíam daqui mortos: não havia câmaras de gás, sendo o assassínio feito através da exaustão provocada pelos trabalhos forçados que eram obrigados a realizar.

Ora com o fim da União Soviética os gulags foram encerrados, mas nem todos foram abandonados. Há alguns que estão de facto totalmente decrépitos e a ruir. Mas há cerca de duas dezenas que foram transformados em campos prisionais e continuam nesta altura em pleno funcionamento.

O Maisfutebol tentou visitar algum destes antigos gulags, provavelmente um mais perto de Saransk, mas tornou-se impossível. Os poucos russos que falam inglês nesta cidade fecham a cara quando se fala disso. «Não, não, não», diz um. «Não sei, nunca ouvi falar», atira outro.

A resposta é invariavelmente esta.

«Isso é normal, eles não valar disso. Provavelmente nem a polícia lhe daria autorização para fotografar um campo prisional. Isso faz parte daquela Rússia que as autoridades não querem que se conheça», esclarece José Milhazes, o jornalista que viveu 38 anos em Moscovo, depois de uma sonora gargalhada quando ouve que o objetivo era visitar um desses campos prisionais.

«Mas a Mordovia era de facto o território com mais gulags no tempo da União Soviética. Por um lado, por ser uma região muito extensa, a maior parte dela de acesso muito difícil e longe de tudo. Por outro lado, em Saransk funcionava o complexo militar, com muitas fábricas militares, e era necessária mão de obra para trabalhar, por isso os presos eram enviados para aí.»

Um desses gulags foi transformada, por exemplo, na maior prisão da Rússia para mulheres. Outro foi transformado no campo prisional do país para cidadãos estrangeiros.

Ora esses campos prisionais atuais da Mordovia continuam a obrigar os presos a trabalhar.

«Mas calma aí, não tem nada a ver com os gulags. Não são trabalhos forçados», esclarece José Milhazes. «São trabalhos de cozinheiro, de carpinteiro, de serralheiro, enfim, trabalhos normais.»

Apesar disso, tem havido várias organizações internacionais dos direitos do homem que denunciam o tratamento desumano que as atuais prisões russas da Mordovia dão aos prisioneiros.

A atenção do mundo tornou-se mais militante depois da denúncia de Nadezhda Tolokonnikova, uma ativista que era membro das Pussy Riot e que esteve presa na Mordovia durante dois anos.

Através de uma carta, Tolokonnikova denunciou abusos aos presos como tortura, violência, privação do sono e privação de comida. Nessa mesma missiva, ela denunciava que os presos eram ameaçados de ainda mais abusos se não mantivessem as coisas que se passavam ali secretas.

As autoridades negaram as acusações de Tolokonnikova, mas entretanto mais vozes se juntaram a ela, como por exemplo a também ativista Maryin, que é mãe de três filhos presos na Mordovia.

Durante a prisão da mulher, também o marido de Tolononnikova escreveu uma carta a pedir ajuda, referindo que para quem já passou por um campo prisional russo o inferno parece aceitável.

Certo, certo é que Dimitri Medvedev chegou a referir que queria aliviar a pressão sobre os campos prisionais, mas com a entrada de Putin todas as boas intenções foram abandonadas. Hoje é apenas um tema tabu na Rússia, e ainda mais na Mordovia.

Veja uma reportagem da Russia Today sobre a herança dos gulags: