Quaresma é o arquétipo perfeito de que as melhores coisas da vida vêm em embalagens pequenas.

O extremo tem dez dedos, mas no fundo só três é que valem a pena. Exatamente os três da parte de fora do pé direito. É com eles que cria momentos de puro talento e pinturas de verdadeiro génio.

Está a falar-se, por exemplo, do golo que esta noite marcou ao Irão. Um golaço. Um instante que fica para a história deste Mundial. Recebeu a bola junto à linha, combinou com Adrien, que o recolocou no centro da ação com um toque de calcanhar, e atirou de trivela ao ângulo, sobre a grande área.

O mundo inteiro viu em direto e abriu a boca de espanto.

É justo e faz sentido. Não havia melhor forma, aliás, de Portugal marcar diferenças em relação a esta seleção do Irão do que esta: sendo exatamente Portugal. Sendo muito português. Sendo aliás tão português como um português pode ser. Um manifesto de lusitanidade em todo o seu esplendor.

No fundo o Irão tentou levar o jogo para o campo da arruaça, da desordem e da confusão. Desde o primeiro minuto, aliás. Os jogadores foram agressivos, pressionaram o árbitro, criaram tumultos.

Confira a ficha de jogo e as notas dos jogadores

A Seleção Nacional, no entanto, decidiu o apuramento com um golo de puro talento. Há melhor forma de responder a um jogo que não é bem futebol do que esta?

No final fez-se justiça, portanto.

É verdade que Portugal não venceu, e até terminou com o coração nas mãos, mas conseguiu o mais importante que era o apuramento. Pelo caminho mostrou que o futebol ainda vale a pena: o alvoroço e o conflito não podem ser uma forma de ter sucesso num Mundial.

O caminho é o talento. Nos três dedos de fora do pé direito de Quaresma, por exemplo.

Portugal poderia ter tido uma noite bem mais tranquila, aliás, se por exemplo Cristiano Ronaldo não tivesse falhado a grande penalidade. Ou se o árbitro não tivesse assinalado penálti por mão na bola de Cedric quando sentiu o peso de um estádio inteiro em cima das costas, ao rever a jogada na televisão.

E o Irão?

Bem, o mundo encantou-se com esta história de uma pequena seleção que bateu o pé a grandes como Portugal e Espanha, o que é um prémio justo para o que a equipa fez no Mundial.

Quaresma, e um golo para a história: os destaques do jogo

Não está em causa o facto do Irão não querer ter bola, de defender com todos, de só saber criar jogo em lançamentos longos. Tudo isso é legítimo. As equipas não são todas iguais.

O que é menos legítimo é este futebol feito de agressividade e provocações. Esta tendência que tem para pressionar adversários, árbitros, adeptos e tudo o que mexa. O que é menos legítimo, enfim, é esta coisa de transformar um jogo num campo de batalha, como se o futebol fosse apenas isso.

A partir de agora convém que sejam os melhores a seguir em frente. E Portugal é melhor do que este Irão.

Mesmo sem estar num bom momento, mesmo sem jogar bem, mesmo sem ter capacidade de entrar na zona de finalização, mesmo sem ter velocidade, mesmo com uma carência gritante de imaginação, Portugal é melhor do que este Irão.

Quis jogar mais, quis jogar mais de uma forma limpa e teve três dedos de talento.

Há lá melhor forma de defender o futebol?

Que venha agora o Uruguai em Sochi. O sonho continua vivo.