São cinco, estão numa mesa ao nosso lado e riem muito. Percebe-se que são iranianos, até pelo facto da mãe utilizar um hijab que lhe cobre toda a cabeça.

O Maisfutebol aproxima-se devagar. É preciso ter cuidado com as culturas que se conhece mal. A primeira abordagem, porém, é muito bem-recebida: falam abertamente e são amigáveis.

Falamos de futebol, de Carlos Queiroz, do Irão. Perguntam muito sobre a Seleção Nacional.

«Sou grande fã de Cristiano Ronaldo, é o meu ídolo», atira Erfan, o filho do meio, provavelmente uns quinze anos e também o que melhor fala inglês.

«Estou um pouco dividido para o jogo. Gostava que Ronaldo fizesse um golo e o Irão ganhasse.»

Aos poucos vamos entrando dentro da família. Percebemos que são cinco, o pai é engenheiro civil e a mãe é professora universitária. São, portanto, uma família da classe média alta de Teerão.

O pai é aliás o único que diz o nome todo. Tem mais de 60 anos, chama-se Mohammad Ali Amin e este é o quarto Campeonato do Mundo que acompanha ao vivo.

«O primeiro que vi foi o de França, em 98. Depois estive na Alemanha, em 2006, no Brasil, em 2014, e agora aqui na Rússia. Fui a todos sozinho, este é o primeiro que trago a família.»

A mãe está sempre com a cabeça envolvida no hijab e chama-se Maryam. Depois há um filho com pouco mais de vinte anos, de nome Alireza, há o tal Erfan que terá uns 15 anos e há Parinaz, a única filha do casal e também o membro mais novo da família. Talvez uns 13 anos.

Ao contrário da mãe, não traz a cabeça envolta no hijab. Mas é seguramente a mais retraída. Quando se pede para tirar uma fotografia, é ela que rapidamente diz que não. «Não há fotos», atira. O pai, curiosamente, até estava inclinado a deixar fotografar a família, mas ela é intransigente.

Curiosamente, pouco antes, quando se tinha pedido o sobrenome, também tinha sido ela a dizer que não. É uma adolescente de ideias firmes e muito pragmática.

O Maisfutebol percebe que ela está desconfortável e pergunta se há problema. «É melhor não falar muito», responde. Insiste-se que no Irão ninguém lês jornais portugueses e ela reage com um sorriso tímido. Como que a dizer que o melhor é não facilitar.

Ela e a mãe, no entanto, são a razão de se estar ali a falar com eles. Vindas de um país que proíbe as mulheres de ir ao futebol, queremos perceber quais as sensações de finalmente ir a um estádio.

«Fui ver os jogos com Marrocos e com Espanha ao estádio. Foi a primeira vez que vi um jogo de futebol no estádio», diz a mãe Maryam, num inglês algo limitado, mas esforçado.

«As sensações foram muito boas, muito boas. A atmosfera é fantástica. As pessoas estão todas contentes, muitas cores, muita música, é uma festa enorme. E nós pudemos ser parte dessa festa e ao mesmo tempo apoiar o Irão, apoiar o nosso país que tanto amamos.»

Maryam está de sorriso rasgado e a falar com uma abertura admirável.

«Por que é que gosto de futebol? Porque o meu marido gosta de futebol. Ele está sempre a ver os jogos e acabámos por o fazer todos juntos. É louco por futebol. Vemos os jogos do campeonato do Irão, do campeonato de Itália, de Espanha, de Inglaterra», acrescenta.

«Somos todos apoiantes do Real Madrid. O Real Madrid tem muitos seguidores no Irão. Então juntamo-nos todos à volta da televisão e vemos os jogos em família.»

Mohammad, o marido, já esteve em três Mundiais antes deste, mas nunca levou a família e por isso Maryam nunca teve a possibilidade de ver um jogo ao vivo. Tal como a filha Parinaz.

Até agora. Até chegar à Rússia. Até ao dia 15 de junho, em São Petersburgo. O Marrocos-Irão, que a seleção de Carlos Queiroz venceu por 1-0, foi o jogo que cumpriu um sonho de mais de seis décadas de Maryam: ver futebol ao vivo no estádio.

«O problema no Irão não são os homens. Ninguém se importa que as mulheres vão ao futebol, até gostávamos que elas pudessem ir. O problema são as autoridades», diz Alireza, o filho mais velho.

Mohammad, o pai, interrompe a conversa para lançar uma piada.

«No Irão sou eu que não a deixo ir aos estádios. Se ela não é adepta do Persepolis não pode ver futebol», brinca.

«Eu sou do Persepolis e ela é do Esteghal. Aliás, todos eles são do Esteghal. Mas o Persepolis é o melhor clube do Irão.»

Maryam fala mais a sério. Diz que se pudesse ir ao estádio, provavelmente até via mais futebol. Mas como no Irão os estádios estão vedados às mulheres, acaba por se desinteressar.

«No Irão não vamos ver futebol porque não podemos. Vemos só na televisão. Eu gostava de ir, mas não é possível. Gostava de ver a seleção nacional, gostava de ver o Esthegal», atira.

«Só posso ver na televisão. Mas eu não gosto de ver na televisão. Não tem atmosfera nenhuma. Ir ao estádio é totalmente diferente. Sente-se a festa do jogo. Eu gosto disso.»

Esta segunda-feira, no Arena Mordovia, em Saransk, vai estar nas bancadas a gritar pelo Irão, frente a Portugal. Como tantas vezes sonhou fazer.

Vai viver a festa por dentro, vão sofrer, vai sentir o coração bater. Vai ser feliz.

«Espero que a minha filha não passe por isto e possa ver futebol nos estádios em pouco tempo.»

A conversa acaba com Mohammad a pedir o número de telefone ao jornalista. «Depois do Mundial vamos de férias para Espanha. Depois ligo-lhe», atira.

Boas férias. E bom Mundial.