Moscovo, 20 de junho, 13 horas.

Está marcado no calendário o momento para provar Portugal não é só um país cheio de portugueses a falar português: Portugal é essencialmente um país que tem futuro porque tem passado.

Tem uma memória de elefante, carregada de recordações e histórias, de feitos e fracassos, de honra, orgulho e vergonha. Portugal tem uma biografia, tem espírito, tem um contexto e tem enredo.

Tem quase novecentos anos e lembra-se de tudo. Da batalha de São Mamede e da padeira de Aljubarrota, dos Descobrimentos e de Alcácer Quibir, de Vasco da Gama e do Regicídio.

Por isso, esta quarta-feira, 20 de junho, pelas 13 horas, chegou a altura de Portugal ser Portugal.

Chegou a altura de olhar passado para projetar o futuro.

Há mais de trinta anos, numa tarde quente em Guadalajara, no México, a Seleção Nacional viveu um dos momentos mais tristes: a precisar de um empate, acabou derrotada sem apelo nem agravo.

Esse foi o único jogo oficial entre Portugal e Marrocos. Convém que a seleção tenha memória dele quando entrar em campo, no Estádio Luzhniki, para reeditar esse encontro, outra vez num Mundial.

As semelhanças são evidentes.

Marrocos é nesta altura, como era então, a mais europeia das equipas africanas. Era pouco menos do que desconhecida, mas tinha valor: gostava de ter a bola, tinha um futebol curto, mas intenso, jogava de coração aberto, sim, mas com uma segurança defensiva admirável.

Esta seleção de Marrocos, por exemplo, cumpriu toda a fase de apuramento sem sofrer golos.

A outra, a de 1986, chegou ao jogo com Portugal depois de ter imposto um nulo à Inglaterra e outro à Polónia, pelo que mantinha a baliza inviolada durante o Mundial. Passou por Portugal com enorme autoridade e só foi derrubada pela Alemanha, com um golo de Matthaus aos 89 minutos.

Era uma equipa que valia mais do que se pensava e exigia por isso a melhor Seleção Nacional.

Quantas alterações no onze?

Mais de trinta anos depois, Portugal tem de ser Portugal: um país com memória. Olhar para o passado com ternura e recordá-lo com lucidez. Para não repetir Alcácer Quibir, lá está.

Se o fizer, se tiver em si a humildade de um idoso e a perspicácia de um jovem, Portugal sabe que tem futuro. Até porque uma vitória deixa a Seleção muito perto do apuramento.

Ora para o fazer, é provável que Fernando Santos mude alguma coisa no onze. Já se sabe que um Mundial é uma competição curta, mas intensa, pelo que é necessário gerir bem o esforço dos jogadores. Esse facto, somado ao pressentimento de que Marrocos vai dar menos espaço nas costas da defesa do que deu a Espanha, pode justificar algumas alterações na equipa inicial.

André Silva, antes de mais, pode ter uma oportunidade ao lado de Ronaldo. João Mário pode também ocupar o lugar de Bruno Fernandes. E até a lateral direita está em dúvida, entre Cedric e Ricardo, embora o primeiro possa partir ligeiramente na frente por dar confiança ao treinador.

A boa notícia, de resto, é que Portugal tem trabalhado com todos os jogadores disponíveis e sem qualquer problema físico, pelo que a equipa está a cem por cento: algo incomum nas fases finais.

Do lado de Marrocos, também são esperadas alterações no onze pelas mesmas razões: é necessário gerir esforços. Nesse sentido, Boutaib pode tomar o lugar de El Kaabi no ataque e Harit pode sair da equipa para permitir a entrada de Dirar, com Amrabat a subir no terreno.

Para lá disso, já se sabe o essencial: esta é a hora em que Portugal precisa de ser Portugal. Hervé Renard desfez-se em elogios à equipa nacional, mas convém não ir em cantigas.

Guadalajara precisa de ter valido a pena, e convém ter memória disso.

ONZES PROVÁVEIS:

Portugal:

Outros convocados: Anthony Lopes, Beto, Ricardo, Ruben Dias, Bruno Alves, Mário Rui, Adrien Silva, Manuel Fernandes, Bruno Fernandes, Quaresma, Gonçalo Guedes e Gelson Martins.

Marrocos:

Outros convocados: Bounou, Mendy, Manuel da Costa, Fajr, Bennasser, Harit, En-Nesyri, Bouhadouz, Amrabat, Tagnaouti, Carcela e El Kaabi.