Na estreia do Uruguai neste Mundial 2018, aos 89 minutos do jogo com o Egito, o central Giménez fez o golo da vitória e as câmaras apontaram para o banco de suplentes. Nesse instante viu-se um frenético Oscar Tabárez levantar-se de um salto, esquecer as canadianas e soltar um grito.

«Uruguay nomá», atirou o selecionador a plenos pulmões.

Numa seleção que se orgulha de conjugar todos os verbos na primeira pessoa do plural, este grito não é só uma imagem de marketing: é um clamor que vem do fundo da alma.

Uruguay nomá é um diminutivo de Uruguai não mais, que por sua vez já é um diminutivo de Uruguai e nada mais. É no fundo um grito com dezenas de anos, que os uruguaios utilizam para celebrar os feitos e as vitórias, as conquistas e as alegrias. É uma coisa só deles, portanto.

É quase um ícone nacional, um clamor espontâneo, uma afirmação de orgulho.

Ora este Uruguay nomá não foi inventado por Oscar Tabárez: já existia muito antes. Mas foi seguramente recuperado por ele. O selecionador uruguaio pegou na seleção em 2006, depois de falhado o apuramento para o Mundial da Alemanha, e em doze anos virou a equipa do avesso.

Nunca mais o Uruguai falhou um Mundial e nem sequer falhou a passagem à segunda fase: em 2010 chegou às meias-finais, em 2014 caiu nos oitavos, em 2018 ainda estamos para ver.

Oscar Tabárez foi um jogador mediano. Passou por clubes modestos como Sud América, Sportivo Italiano, Montevideo Wanderers, Fénix, Puebla e Bella Vista, nos quais jogou como central ou como lateral direito. Terminou a carreira aos 33 anos e começou então a ter finalmente sucesso.

A caminhada como treinador começou quando respondeu a um anúncio de rádio a pedir antigos jogadores com estudos para treinarem camadas jovens. A partir daí andou por clubes como Bella Vista, Danúbio, Montevideo Wanderers, Peñarol e Deportivo Cali, passou duas vezes pela seleção sub-20 do Uruguai e foi chamado à seleção principal em 1988.

Esteve no Mundial 90, em Itália, levando o Uruguai à segunda fase. Depois disso emigrou. Esteve no Boca Juniors, no Cagliari, no Oviedo e no Milan, passou pelo Velez Sarsfield e voltou ao Boca Juniors. Ganhou um campeonato argentino, um campeonato uruguaio e uma Taça dos Libertadores. Pelo meio ainda chegou a uma final da Copa América.

Até que em 2006, na ressaca da frustração pelo não apuramento para o Mundial 2006, foi convidado para voltar à seleção uruguaia. Tinha um convite do Liverpool, mas preferiu voltar ao Uruguai, para pegar numa equipa nacional em profunda crise de resultados e de valores.

Na apresentação mostrou o que trazia: um documento que ficou conhecido como El Processo.

No fundo chamava-se O Processo de Institucionalização das Seleções e da Formação dos seus Futebolistas e era sobretudo um documento para mudar a mentalidade futebolística do país.

Como responsável pelo futebol de toda a Federação Uruguaia, Oscar Tabárez colocou grande enfâse na formação de jogadores, mas sobretudo na criação de uma cultura futebolística própria.

Professor primário de formação, profissão que desempenhou até ir treinar o Peñarol (por isso lhe chamam maestro), fala num tom baixo, pausado, tranquilo e com um vocabulário rico. Dizem que nunca se lhe ouviu um palavrão. Mas acima de tudo que consegue entrar na cabeça das pessoas.

Por isso recuperou traços identitários do futebol uruguaio. A garra charrua, acima de todos. Mas também o orgulho na equipa nacional. O sentido coletivo. A solidariedade e o carácter.

Lembra constantemente que o Uruguai é um país de 3,5 milhões de pessoas, pelo que formar um bom jogador para eles corresponde a formar 50 bons jogadores no Brasil ou 10 bons jogadores na Argentina. Mas nada disso impediu a equipa de chegar às meias-finais do Mundial 2010 ou de vencer a Copa América em 2011.

Entretanto o maestro Tabárez foi atingido pela doença. Uma doença neurológica que lhe afeta os movimentos e o equilíbrio. Há dias em que tem de andar num carrinho de golfe, outros em que se desloca em cadeira de rodas, há outros em que se apoia apenas numa canadiana.

A imagem de grande fragilidade não lhe tirou o discernimento e por isso diz que do pescoço para cima está ótimo. «Enquanto sentir que os jogadores me respeitam, não vejo razões para deixar de trabalhar», acrescenta. O país comoveu-se com a doença e aplaudiu a coragem: Tabarez é uma instituição no Uruguai. Afinal de contas é o treinador com mais jogos à frente de uma seleção.

Em doze anos, de resto, recuperou o orgulho do país na equipa nacional e o grito de Uruguai nomá.

Já durante este Mundial 2018, aliás, tornou-se viral um vídeo de um grupo de crianças a celebrar como loucas o golo de Giménez frente ao Egito.

O vídeo chegou a Oscar Tabárez, que o viu, se lembrou do tempo de professor e se comoveu.

«Quando vejo que há crianças muito pequenas a ver o Uruguai e a festejar uma vitória com um golo em cima da hora – que é quase como uma religião, porque é o jeito que gostamos de ganhar –, a reflexão é que essas crianças nunca mais se vão esquecer disso. Talvez até transmitam esse sentimento aos seus filhos e aos seus netos. Isso é retomar o fio da cultura futebolística uruguaia.»

Uma cultura feita de orgulho, de coletivismo, de solidariedade, de paixão. A celeste hoje em dia é mais que uma seleção: é um poderoso elemento de identificação nacional. Por isso, aliás, 74 por cento dos uruguaios revêem-se na equipa nacional e as crianças encontram heróis que as inspiram.

É com este Uruguai que Portugal vai jogar esta noite.