O ano de 1974 discorre serenamente na Covilhã. Portugal permanece enrugado no andrajo de uma ditadura insuportavelmente castradora. José Sócrates é apenas um «aluno introvertido» no 11º ano da Escola Frei Heitor Pinto. A 25 de Abril desse ano acompanha à distância a Revolução dos Cravos. Nas aulas de filosofia com a professora Bettencourt, uma açoriana de gema, brade o alívio e a celebração.

36 anos depois, a nostalgia percorre as palavras de Aníbal Mendes, director da unidade de ensino e antigo colega de turma do actual primeiro-ministro. São muitas as recordações, as saudades, a vontade de partilhar instantes diluídos no tempo.

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«Fizemos muitos jogos nesta escola. De futebol e de basquetebol, especialmente. O Zé não era um jogador seleccionável para o Mundial, nem sequer talentoso. Mas gostava de jogar à bola. Ele era melhor no bilhar snooker e de três tabelas», conta o docente à reportagem do Maisfutebol, a poucos quilómetros do local onde estagia a Selecção Nacional.

José Sócrates estudou na Escola Frei Heitor Pinto entre os 12 e os 17 anos. Foi sempre uma pessoa «tímida, brincalhona e solidária». «Os nossos lugares predilectos eram o campo de jogos e os restantes espaços livres. Qualquer sítio plano servia para jogarmos à bola. Ele era inteligente, embora pouco preocupado com as notas. Matemática e Desenho eram as disciplinas favoritas, além de filosofia.»

«O único sinal político era a capacidade de argumentação»

A conversa alterna animadamente entre a Selecção Nacional e o passado de José Sócrates. Carlos Aguilar, sub-director, foi colega de carteira do governante nos dois últimos anos do secundário. «O único sinal de ligação à política era a capacidade de argumentação. Apesar de ser um aluno mediano já sabia como passar a mensagem. Normalmente não se evidenciava. Era muito discreto.»

Nascido em Alijó, José Sócrates chega muito novo à Covilhã. O pai, arquitecto, é contratado pela Câmara Municipal e a família assenta arraiais na serra. «Apesar de pertencer a gente de classe média/alta, ele sempre foi muito simples e tratou todos os colegas da mesma maneira. Aquela imagem altiva que transmite não é verdadeira», insiste Carlos Aguilar.

«Estivemos muitas vezes juntos e durante dez anos foi o nosso anfitrião nas visitas que a escola fez à Assembleia da República. Fazia questão de nos acompanhar e respondia a todas as perguntas dos alunos.»

Até ao dia 1 de Junho não há politiquice na Covilhã

Os tempos mudam e os imperativos políticos afastam José Sócrates das raízes. A Escola Frei Heitor Pinto continua à espera de obras de melhoramento, impassível. A presença na Selecção Nacional na Covilhã apenas serve de lenitivo para uma chamada de atenção. O interior do país, onde o primeiro-ministro estudou, precisa de alento.

Para já, o orgulho tem de bastar. O orgulho de ter sido o palco de uma adolescência lânguida e vulgar daquele que conduz os destinos políticos do país. «Temos aí mais alguns candidatos a primeiro-ministro», avisa Aníbal Mendes. «Os alunos sabem que o José Sócrates estudou aqui e querem imitar o percurso dele.»

Na Covilhã fala-se mais de futebol e menos, muito menos, de política. A Selecção Nacional funciona como uma profilaxia capaz de apagar todos os males da interioridade. Pelo menos até ao dia 1 de Junho.