Wunderteam. Equipa-maravilha. Equipa-maravilha e futebol austríaco parece que não combinam. Mas não é bem assim. Na década de 30, uma selecção deste país empolgou os adeptos e só não conquistou qualquer título porque não dava jeito aos ditadores Mussolini e Hitler. O maior de todos era Matthias Sindelar, cuja categoria lhe granjeou cognomes como Der Papierene («Homem de papel») ou «Mozart do futebol». Sindelar é ainda um mito em Viena. Não só por ter sido um futebolista brilhante, mas pela oposição ao nazismo e pela aura de mistério que envolve a sua morte.
Em Dezembro de 1998, 60 anos após a sua morte, Sindelar foi nomeado atleta austríaco do século XX. Pouco jogadores foram capazes de comover o seu país como o «Homem de papel», chamado assim por ser bastante magro. Nasceu no dia 10 de Fevereiro de 1903 na vila de Kozlau, na Morávia, que hoje faz parte do território da República Checa. Depois da I Grande Guerra, o seu talento já chamava a atenção do Hertha, equipa juvenil local. Em 1924, começou a jogar no Weinar Amateure, que, dois anos depois, mudou o nome para FK Áustria, clube associado aos judeus. O início foi difícil. Uma lesão no menisco obrigou a uma operação delicada, mas o avançado recuperou. Para bem do futebol.
Em Setembro de 1927, a Taça Mitropa, antecessora da Taça dos Campeões Europeus, realizou-se em Veneza, sob o patrocínio do austríaco Hugo Meisl, futuro seleccionador e mentor da Wunderteam. Foram convidados clubes da Jugoslávia, Áustria, Checoslováquia e Hungria. Sindelar e o seu FK Áustria ganharam duas taças. Era o primeiro sinal do que aí vinha.
Um ano antes, Sindelar estreou-se na selecção com um golo sobre a Checoslováquia. Mas o Wunderteam só seria chamado assim quando conseguiu o impossível, golear uma das grandes potências de então, a Escócia, por 5-0. Meses depois, o impensável era já o contrário: perder. Com Sindelar lesionado devido uma entrada brutal, a Itália, a jogar em casa, ganhou com um golo irregular de Guaita o direito a estar na final do Mundial de 1934. Mas a sensacional série de vitórias continuara: 16 jogos, 12 vitórias, dois empates e duas derrotas; 63 golos marcados, 20 sofridos. 4,1, 4-3, 8-1 à Suíça; 6-0 e 5-0 à Alemanha, 8-2 e 5-2 à Hungria; 6-1 e 4-1 à Bélgica, 4-0 à França; 4-2 à Itália. Fantástico! Derrotas em Itália (1-0) no Campeonato do Mundo de Mussolini e em Wembley (4-3) perante os inventores do futebol.
Apesar do desaire de Wembley, o futebol dos austríacos tornou-se lendário. John Langenus, árbitro belga da partida, ficou apaixonados: «Zischek marcou dois golos, mas o golo de Sindelar foi uma obra de arte, que nunca ninguém tinha conseguido frente a uma equipa como a Inglaterra. Nunca antes dele, nunca depois dele. Sindelar ficou com a bola a meio do relvado e passou por todos que surgiram no seu caminho. Finalmente, marcou.» Só Maradona furou a lógica de Langenus em 1986. Sindelar, o herói, foi cobiçado por clubes de Inglaterra e do resto da Europa, mas era já património austríaco.
A Áustria qualificar-se-ia para o Mundial 1938, mas foi anexada. Os jogadores mais importantes, todos excepto Sindelar, juntaram-se à equipa da Alemanha Nazi. Para celebrar a união, organizou-se um jogo, com clara desvantagem para a equipa de Sindelar, já que os antigos companheiros defendiam agora a suástica de Hitler. Führer só pensava na propaganda da vitória. Aos 35 anos, o «Homem de papel», fez o golo que desafiou o III Reich. A Áustria venceu com proibitivo 2-0 perante 60 mil espectadores.
O dia 23 de Janeiro de 1939 fica associado à sua morte. Um ano depois da vitória frente à Alemanha. Foi encontrado morto na cama ao lado da namorada, a italiana Camilia Castagnola. As teorias variam entre o suicídio e o assassinato pela Gestapo. «Envenenamento por monóxido de carbono» (gás doméstico) foi a alegada causa da morte. O incidente nunca foi esclarecido. Os relatórios policiais desapareceram no final da Guerra. E Sindelar... tornou-se lenda.