O 34º título do Benfica, primeiro bicampeonato em 31 anos, tem muito de Jorge Jesus. Talvez mais do que os outros.

De Jesus e também um pouco de Luís Filipe Vieira, que fosse ou não o mais arriscado, decidiu manter o treinador após uma temporada em que os jogos decisivos correram da pior forma possível, concordando implicitamente que o importante tinha sido estar precisamente nessas decisões, como tanto gosta o técnico de dizer.

Jesus tinha um desafio complicadíssimo pela frente. Tanto que, com o reforço do plantel do grande rival, agora muito rico em soluções e com um Julen Lopetegui desejoso de mostrar trabalho num grande clube, o principal candidato ao título passara, em poucas semanas, a morar no Dragão. Pelo menos, era isso que se pensava.

Na última temporada, o Benfica não conseguiu a Liga Europa, mas conquistou tudo a nível interno. Até essa barriga cheia, por vezes, não é fácil de gerir, quando se pensa no nível de motivação dos jogadores. Só que a verdade é que a equipa sempre se mostrou sequiosa de novas conquistas, e nunca pareceu acomodada com os feitos conseguidos.

Houve a perda de sete jogadores importantes: Markovic, Oblak, Garay, Rodrigo, Siqueira, Enzo Pérez e André Gomes. Fejsa e Amorim também foram lesões de longa duração.

Como tal, o bicampeonato era o grande, e talvez o único objetivo exigível aos encarnados. Exigível e exigente.

Jardel não era Garay, mas Jesus confiou. Porque não havia Fejsa nem Amorim teve de acreditar que Samaris podia jogar mais atrás e que podia trabalhá-lo. Tentou Talisca ao lado do grego, mas reconheceu a tempo - o que também tem mérito - que Pizzi dava mais garantias para fazer de Enzo Pérez. Conseguiu manter as asas endiabradas do costume, com Salvio e Gaitán, e a objetividade de Lima, e beneficiou sim das contratações cirúrgicas de Julio César e Jonas.

Não foi uma época só feita de altos.

Na Liga, o título podia ter conseguido bem antes, não fosse as derrotas em Paços de Ferreira - que daria uma confortável vantagem de nove pontos sobre o FC Porto, derrotado nos Barreiros - e Vila do Conde - depois não aproveitada pelos portistas, que empatou posteriormente na Choupana com o Nacional.

Também porque a reconstrução demora, o Benfica falhou na Liga dos Campeões, num grupo muito equilibrado com Monaco, Bayer Leverkusen e Zenit. Falhou inclusive a ida para a Liga Europa, onde os encarnados tinham somado duas finais consecutivas.

Também saiu cedo da Taça, na Luz, perante o agora finalista Sp. Braga.

E Jesus, mesmo em tempo de vacas magras, viu jovens portugueses, que poderiam ter crescido na Luz, vingar noutros sítios. Pouco vale dizer que para si os jogadores não têm raça, religião ou nacionalidade. Viu André Gomes confirmar-se, Bernardo Silva explodir, e Ivan Cavaleiro e João Cancelo deixarem mostras de que podem crescer. Estes dois ainda pertencem aos quadros da Luz, mas serão para ficar?

Houve até momentos em que o treinador não esteve bem nos duelos verbais com Lopetegui.

Mas o importante conseguiu-o. Ser novamente campeão. Ser bicampeão 31 anos depois, e provocar mais algumas dúvidas no Dragão com a ameaça de uma mudança ainda definitiva de ciclo. Se esta época era fundamental para o equilíbrio de forças entre os dois rivais, a próxima, seja com Lopetegui ou sem o espanhol, adivinha-se de risco grande para o FC Porto.

Primeiro, há na Luz um tabu para dissipar: Jesus renova?

LUÍS MATEUS é subdiretor do Maisfutebol e pode segui-lo no TWITTER. Além do espaço «Sobe e Desce», é ainda responsável pelas crónicas «Era Capaz de Viver na Bombonera» e «Não crucifiquem mais o Barbosa» e pela rubrica «Anatomia de um Jogo».