O 41º aniversário da chegada de Brian Clough ao Nottingham Forest – 6 de janeiro de 1975 - foi devidamente assinalado na semana que agora chega ao fim. Sabe-se no que deu essa história: já foi recordada aqui, por exemplo. Mas na versão resumida pode dizer-se que três anos depois o clube estava a festejar o seu único título de campeão inglês, antes de festejar dois títulos consecutivos de campeão europeu.

Mas se a história de Brian Clough tem sido, muito justamente, contada e recontada das mais diversas formas, incluindo no cinema já a da sua outra metade é bem menos divulgada – o que torna a figura gorducha e nariguda de Peter Taylor um legítimo candidato a figurar nesta galeria de sodados desconhecidos.



Abra-se um parêntesis aqui para lembrar que raramente se dedica tempo a estudar o papel dos adjuntos na história do futebol – e o caso de Peter Taylor e Brian Clough chegaria, por si só, para mostrar como isso é errado. Juntos, formaram uma das melhores duplas técnicas da história do futebol. Em separado, nenhum dos dois conseguiu sequer aproximar-se dos níveis de eficácia que tinham em equipa.

Nascido em 1928, Taylor, um guarda-redes de carreira discreta, era sete anos mais velho do que Clough, com quem se cruzou no Middlesbrough, entre 1955 e 1961, ainda como colega de equipa. Calmo, lúcido, excelente observador, Taylor foi dos primeiros a perceber o potencial do jovem avançado, sendo um dos seus grandes apoios no balneário. E Clough, goleador de méritos invulgares, que viria a acabar prematuramente a carreira, por força de uma grave lesão no joelho, nunca esqueceu o apoio de Taylor durante os seus anos de ouro.

Alguns anos mais tarde, quando iniciou a carreira de treinador, não teve dúvidas em escolher o braço direito: o perfil ponderado e analítico do antigo guarda-redes completava a dinâmica febril de Clough. E enquanto o chefe de equipa motivava, criticava e elogiava os jogadores, e usava os media em seu proveito, para dentro e fora do grupo, o outro, trabalhando na sombra, ia muito além do papel clássico de contraponto emocional.



Clough considerava Taylor como um dos melhores detetores de talentos no futebol inglês, especialmente vocacionado para trabalhar em clubes com orçamento reduzido. «Eu sou a montra, mas ele é o stock no armazém», disse um dia, a respeito do seu homem de confiança. Todos os observadores que acompanharam de perto os sucessivos milagres que o homem que andava sobre as águas foi fazendo ao longo da carreira sublinham a importância de Taylor, não só na escolha de reforços, mas também a forçar o equilíbrio de um ego que pouca gente conseguia domar.

Foi assim no Derby County, clube que a dupla levou da II divisão ao título de campeão em menos de cinco anos. Foi assim no Nottingham Forest, que levaram do escalão secundário ao título europeu em ainda menos tempo. E não foi assim, nem nada parecido, quando se separaram pela primeira vez, e Brian Clough decidiu, a solo, treinar os rivais do Leeds, sucedendo ao seu inimigo Don Revie, que tinha ido para a seleção: sabotado pelos jogadores e por um ego sem controlo, Clough saiu ao fim de 44 dias. E só voltaria a ser grande no reencontro com Taylor, em 1976.



Esta história não é um conto de fadas, e dificilmente poderia sê-lo, com um protagonista de feitio tão exuberante e tão egocêntrico como Clough. A relação entre os dois foi sobrevivendo a algumas beliscadelas, em especial porque Taylor, vocacionado para trabalhar na sempre estava disposto a engolir vários sapos – mesmo quando Clough renegociava aumentos salariais que não o incluíam.

A corda partiu de vez, porém, no início da década de 80, quando Taylor, sem consultar Clough, lançou uma autobiografia em que explica os métodos de trabalho da dupla. O chefe de equipa detestou não ter sido consultado e gostou menos ainda de não receber parte da receita. Daí à cisão definitiva, em 1982, foi um curto passo, agravado pelo facto – Clough considerou uma traição inominável – de Peter Taylor ter assumido o comando do Derby County, com o qual derrotou o antigo chefe de equipa, numa eliminatória de Taça. Clough, que não tinha por hábito medir palavras, chamou-lhe de tudo: «traidor», «cascavel», acrescentando, em letra de imprensa: «Nós cruzamo-nos regularmente na A 52, a caminho do trabalho. E se um dia o vir a pedir boleia, por ter o carro avariado, atropelo-o».

Mas por essa altura, Clough já era mais uma personagem pública do que um grande treinador: sem o apoio de Taylor não voltou a conseguir ter sucesso no Nottingham Forest, começando a perder a batalha para um alcoolismo que, na década de 90, se tornou tão incontrolável como o seu ego. Quanto a Taylor, a outra metade do homem que fazia milagres, percebeu rapidamente que não tinha feitio para ser treinador principal. Deixou o futebol em 1984, e morreu seis anos depois, com apenas 62 anos, sem que alguma vez ele e Clough voltassem a trocar uma palavra.

Quando soube da notícia, Clough percebeu que a rutura entre os dois tinha sido o maior erro da sua vida: nunca mais se referiu a Taylor se não da forma mais elogiosa e, sempre que pôde, assumiu publicamente o arrependimento pela separação - pedindo mesmo ao Nottingham Forest para rebatizar a bancada Brian Clough, chamando-lhe «Brian Clough and Peter Taylor stand». Em 1994, já reformado, depois de ter sido despedido pelo clube que levou à glória europeia, Clough dedicou a autobiografia ao antigo adjunto. A amizade, desfeita por um livro, era recuperada, a título póstumo, por um outro livro, com uma mensagem sentida: «Para o Peter. Ainda sinto muito a tua falta. Um dia disseste que quando eu me visse livre de ti deixaria de ter tantos risos na minha vida – e tinhas razão».



Sem risos, sem troféus, e sem a outra metade profissional, Brian Clough não voltou a ser capaz de caminhar sobre as águas.

Soldados desconhecidos é uma rubrica dedicada a figuras pouco conhecidas da história do futebol, com percursos de vida invulgares.