Todos os adeptos do futebol – e em particular os adeptos do futebol inglês – deviam começar os seus sábados dedicando um pensamento de gratidão a William McGregor. Quem? A pergunta é legítima e justifica duas respostas. A primeira pode resumir-se assim: «o homem que, há mais de 127 anos, deu início aos campeonatos de futebol tal como os conhecemos hoje». A segunda é um pouco mais desenvolvida.

Foi em março de 1888 que McGregor, um comerciante de tecidos escocês, residente em Birmingham, consumou, em forma de carta, uma ideia que o ocupava há já algum tempo. Entusiasta de futebol, que começara a ver, na forma mais rudimentar na Escócia, ainda por alturas da década de 1860, McGregor tinha-se casado e mudado para as Midlands em 1870. Abstémio convicto, membro entusiasta da Liga para a Temperança e profundamente religioso, era um homem de paixões desportivas intensas - o basebol rivalizava com o futebol, que considerava um instrumento importante para formar valores morais – mas também um comerciante de espírito prático.

A sua loja de tecidos, nos arredores de Birmingham, começou a comercializar equipamento desportivo e tornou-se um ponto de encontro de entusiastas da modalidade. Isso permitiu-lhe tornar-se um homem conhecido e influente. E, ao mesmo tempo, perceber, bem antes de outros dirigentes mais convencionais, o imenso potencial de negócio de uma atividade ainda destinada aos jovens de famílias abastadas, mas que rapidamente se estenderia às classes sociais mais baixas.

Tudo isso levou a que McGregor fosse convidado, em 1877, a envolver-se nos destinos do Aston Villa, um clube local em ascensão que, dez anos mais tarde, atingiu o pico da sua projeção, vencendo pela primeira vez a Taça de Inglaterra.

Esta era, à época, o símbolo do futebol britânico, o que equivale a dizer do futebol mundial. Mas o modelo já não chegava para viabilizar os muitos clubes que, a partir de 1871, se tinham juntado ao fenómeno em crescimento. O profissionalismo, primeiro proibido, a seguir envergonhado, depois assumido às claras - em especial após a conquista da Taça de 1883 pelo proletário Blackburn Olympic - ainda dividia opiniões entre os dirigentes da elite. Mas era o caminho inevitável para aqueles que verificavam, no terreno, o crescimento da paixão junto dos adeptos e praticantes das classes trabalhadoras.


O Aston Villa em 1880. McGregor é o segundo à esquerda na fila de cima

Demasiado popular para se confinar ao amadorismo de colégios e universidades e das classes abastadas, como o críquete ou o râguebi, o futebol gerava público e receitas. A industrialização e o crescimento do caminho de ferro facilitavam as viagens e os contactos entre clubes de cidades afastadas. McGregor, com a mistura exata de apaixonado e negociante, percebeu que os clubes precisavam de uma nova fórmula para se tornarem sustentáveis. Essa fórmula iria juntar desporto e negócio, desde o primeiro momento. A 2 de março de 1888, Wlliam McGregor, na condição de dirigente do Aston Villa, sentou-se à secretária e começou a escrever.

Além dos seus colegas da direção do Aston Villa, a carta era dirigida a representantes de quatro clubes respeitados, Blackburn, Bolton, Preston North End e West Bromwich Albion. A mensagem era simples. A organização de jogos amigáveis, como complemento a uma competição volátil, como a Taça, já não garantia o volume de receitas necessário para sustentar clubes profissionais. O público era muitas vezes defraudado com jogos arranjados à pressa, com adversários de fraca qualidade.

Feito o diagnóstico, McGregor propunha o caminho: «peço-vos que considerem esta sugestão, como forma de superar as nossas dificuldades: que dez, ou doze, dos mais proeminentes clubes ingleses combinem entre si a marcação de jogos em casa, e fora, ao longo de uma temporada». O equilíbrio desportivo era assegurado, no mesmo passo que a partilha de receitas. Um ovo de Colombo, capaz de suportar no tempo uma estrutura que, até aí, podia ser posta em causa por uma eliminação prematura na Taça.

O escocês terminava a carta com dois pedidos: um, o de que os destinatários sugerissem mais clubes com capacidade para aderir ao desafio. Outro, o de uma primeira reunião preparatória, em Londres, a 23 de março, véspera da final da Taça de 1888. Com avanços e recuos, e o boicote inicial dos clubes do Sul, a «Football League» nasceria nesse ano. Em setembro de 1888, começou a jogar-se o campeonato, com 12 clubes. O Preston North End seria campeão invicto.


O Preston North End, primeiro campeão inglês

A fórmula que McGregor propôs para o futebol inglês foi de sucesso imediato: até 1900, seria replicada na Irlanda do Norte, Escócia, Holanda, Argentina, Bélgica, Suíça e Uruguai. O resto do mundo viria pouco depois. McGregor prolongou a carreira de dirigente até morrer, em 1911. Foi presidente da Liga, da federação, colunista, e pioneiro a negociar contratos publicitários, dando o seu nome a botas e bolas de futebol. Em 2009, foi inaugurada uma estátua sua numa das entradas do Villa Park, estádio que ajudou a construir e de cuja inauguração, em 1897, foi um dos atores principais.


O Villa Park

Foi nesse mesmo estádio que, 99 anos mais tarde, Karel Poborsky fez um vistoso chapéu a Vítor Baía, dando um desgosto à chamada geração dourada do futebol português em pleno Euro-96. Mas não será isso que apaga a nossa dívida de gratidão para com McGregor, o homem que cruzou paixão com faro para o negócio e inventou os campeonatos.

Soldados desconhecidos é uma rubrica dedicada a figuras pouco conhecidas da história do futebol, com percursos de vida invulgares

*Adaptado de um texto publicado originalmente no projeto IOL Push, em março de 2013