Jorge Jesus decidiu ser jogador profissional de futebol depois de cair com a cara na sopa.

O treinador do Sporting lembrou que, quando era junior, foi emprestado pelo Sporting ao Cova da Piedade. Nessa altura trabalhava como soldador numa empresa durante o dia e treinava na Margem Sul depois de sair do trabalho.

«Um dia a minha mãe estava a dar-me uma sopa e eu caí com a cabeça dentro do prato. Adormeci. Ela contou ao meu pai e o meu pai disse que não podia ser: tinha de decidir entre trabalhar na empresa ou ser jogador a tempo inteiro. Decidi ser jogador.»

Nesta entrevista à SIC, Jorge Jesus emocionou-se quando falou da mãe, por causa de quem vestiu de preto durante muitos anos.

«No início da minha carreira andava sempre de preto e as pessoas usavam isso para me atacar, mas não sabiam que eu estava de luto pela minha mãe e aquela era a maneira de sentir que ela continuava perto de mim.»

A mãe, que descreveu como «uma santa», faleceu em 1994 e Jesus lembrou que muitas vezes, nessa altura, saía de Felgueiras às 21 horas, conduzia longas horas até Lisboa para dar a morfina que um médico amigo lhe arranjava à enfermeira que tratava da mãe e regressava a Felgueiras às cinco da manhã para dar o treino.

O técnico recordou também o pai e confessou que Virgolino de Jesus já não soube que ele era treinador do Sporting: a doença já não lhe permitia ter esse discernimento.

Jorge Jesus falou dos amigos, confessou que preza ver famílias com muitos filhos e disse que tem três, mas «gostava de ter o dobro». «Adoro ver uma mulher grávida, adoro», acrescentou.

Por falar em crianças, o técnico garantiu que nunca foi insultado na rua por trocar o Benfica pelo Sporting, mas que houve situações depois dessa transferência que o marcaram. «Houve miúdos com pais que me pediam um autógrafo ou uma fotografia, perguntavam-me porque deixei o Benfica e começavam a chorar. Aí percebi que essas crianças tinham crescido comigo a ser o treinador do Benfica e que a minha mudança tinha mexido muito com elas.»

Pelo caminho falou dos amigos. «Não gosto de viajar. A maior parte das pessoas adora, eu não gosto. Gosto de ficar em casa, com os amigos ou sozinho. Gosto muito de estar sozinho.»

Muitos dos amigos estão na equipa técnica e com esses Jesus admite não ser uma pessoa fácil. «Se eu ligar às três da manhã a um adjunto meu, ele sabe que não pode ter o telefone desligado. Não acontece ligar muitas vezes a essa hora, mas já aconteceu. Sobretudo quando perco, e porque não durmo, preciso de falar com eles para perceber o que aconteceu.»

De resto, Jesus admitiu que sempre orientou a sua vida de acordo com as especificidades do futebol.

«Nunca toquei numa gota de wiskey. Nem com Coca-Cola. Nada. Nunca bebi uma aguardante. Bebidas brancas não sei o que isso seja. Um dia disseram-me que fazem mal para quem queria ser jogador de futebol e fiquei com essa ideia para sempre. Álcool só bebo um copo de vinho ao jantar, mais nada», referiu.

«Entrei pela primeira vez numa discoteca quando tinha 27 anos. Eu sei que os meus jogadores gostavam de poder ir a uma discoteca e ser como os outros jovens, mas eles não são como os outros. Têm responsabilidades. Podem ir à discoteca no dia certo. Nos outros dias têm de descansar. Muitas vezes digo aos meus jogadores: atenção, tu tens um bebé, mas tens de descansar, se ele chorar durante a noite, diz à tua esposa para cuidar dele. Eu quando fui pai dormia num quarto à parte e a minha mulher ficava com os bebés noutro quarto. Eu precisava de descansar porque eu é que sustentava a família.»

Para terminar, Jorge Jesus recordou também duas histórias caricatas.

A primeira quando um homem lhe apontou uma arma à cabeça.

«Estava em Felgueiras, onde era um treinador de Lisboa a treinar uma equipa do Norte. Era um mouro. Um dia estava a dar o treino, entra um homem pelo campo, encosta-me uma arma à cabeça e diz: vai-te embora, mouro. Era um cobrador de quotas. O presidente conhecia-o, disse-lhe para baixar a arma, ele lá baixou, depois foi levado para fora do campo e foi despedido.»

Outra história aconteceu quando treinava o Belenenses e o norte-americano 50 Cent. estava a fazer um ensaio no Restelo.

«Eu cheguei ao treino e era um barulhão que não podia estar-se ali. Disse logo que tinham de sair. Ah, e tal, mas eles pagaram um grande cachet para estar aqui. Disse que não queria saber, que eles tinham de sair dali. Dirigi-me ao palco e disse para irem embora, que não podiam estar ali. Ele era um grande artista internacional e ficou ofendido por eu estar a dar-lhe ordens, devia estar a pensar que era aquele tipo para falar com ele assim. Foi-se embora chateado e já não houve ensaio.»