DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.

O tom pausado, o vocabulário rico, a ligeireza de palavras: Marco Aurélio fala como jogava, exatamente. Com serenidade e uma certa suavidade.

Diz que é uma característica que o acompanha há muitos anos.

«Tive um passado de casos e algumas agressões no América Mineiro e no Vasco da Gama, mas depois descobri Jesus e o manual de instruções que é o Evangelho», conta.

«É muito fácil falar, pregar uma coisa e fazer outra, mas eu não sou assim. Por isso a minha calma e tranquilidade vem do Evangelho.»

Quem se lembra do brasileiro, que na década de noventa pegou de estaca durante cinco épocas em Alvalade, não estranha estas palavras: Marco Aurélio nunca escondeu a religiosidade, digamos assim. Embora ele não goste da palavra. Não é religião, é crença.

Nomenclaturas à parte, Marco Aurélio deixou uma imagem de profissionalismo, atenção e credibilidade.

Chegou a Alvalade do modesto União da Madeira e parecia começar atrás de Valckx (internacional holandês), Vujacic (internacional jugoslavo) e Naybet (internacional marroquino). Obrigou Carlos Queiroz a desviar o primeiro para o meio campo e o segundo para a lateral esquerda. O centro da defesa foi sempre dele e de Naybet.

O dia em que Sousa Cintra se ria do FC Porto

Ao longo de cinco épocas mostrou por que é que Benfica e FC Porto tentaram contratá-lo antes. Diz que estava destinado que haveria de ser o Sporting e que foi uma dádiva: não trocava o que viveu em Alvalade por nada.

Ganhou uma Taça de Portugal e uma Supertaça, mas recorda sobretudo as pessoas.

«Sousa Cintra era uma figura. Muito folclórico. Sempre com o charuto enorme na boca, a fumar em todo o lado. Mas era uma pessoa muito direta e clara. Quando assinei disse-me logo: Tinha prometido que não contratava mais brasileiros. Vê lá o que vais fazer, hã? Não me faças arrepender. Não sei o que os brasileiros lhe fizeram, mas para primeiro contacto não foi muito simpático», sorri.

Mas houve mais.

«No dia em que assinei contrato com o Sporting fui jantar a casa dele, para estarmos juntos e conversarmos. Estava a dar o FC Porto-Benfica da final da Supertaça e ficámos a ver. O FC Porto ganhou e ele ria-se. Naquele jeito dele de falar. Eh pá, olha para isto. Os gajos nem comemorarem sabem... E ria-se mais.»

FC Porto outra vez, agora na vitória mais saborosa de todas

Em semana de clássico em Alvalade, é bom recordar o FC Porto. Porque a vitória mais saborosa da carreira de Marco Aurélio teve do outro lado precisamente os azuis e brancos.

«Na minha primeira época no Sporting tínhamos uma equipa muito concentrada em ganhar o campeonato. Tinha Figo, Balakov, Valckx, Naybet, Oceano, Juskowiak, Amunike, Iordanov. Uma grande equipa. Mas não ganhámos.»

Ganharam apenas a Taça de Portugal, no fim de treze anos sem qualquer troféu, que deu direito a disputar a Supertaça no ano seguinte.

«Já não tínhamos uma equipa tão talentosa como antes, mas era uma equipa guerreira. O Octávio Machado passava-nos muita garra. Então ganhámos a Supertaça, numa finalíssima com o FC Porto em Paris, em que vencemos por 3-0», recorda.

«Foi marcante porque foi um jogo gostoso. O Pedro Barbosa fez uma exibição fantástica.»

Foi também marcante porque marcou uma viragem: pouco antes o Sporting tinha somado uma sequência de dezoito jogos sem vencer ao rival do Porto.

«Nunca fiz parte de uma equipa do Sporting que se achasse inferior ao FC Porto. Mas o FC Porto dessa altura era muito forte. Tinha, por exemplo, o Jardel, que fazia muitos golos. Lembro-me de uma derrota muito dura, por 0-1 em Alvalade, com um golo do Domingos, numa altura em que estávamos a lutar pelo título... Nesse jogo em Paris fomos muito melhores e ganhámos com enorme conforto.»

Por isso Marco Aurélio elege aquele jogo como o mais saboroso: por isto tudo e, já agora, por mais uma razão.

«Fui capitão e levantei a taça. Foi a primeira vez que fui capitão do Sporting», conta. «Para mim foi uma surpresa, havia jogadores com mais anos de Sporting na equipa. Mas o Octávio chamou-me de lado no balneário, antes do jogo começar, e disse-me que eu ia ser o capitão. Acabei por ficar na história do Sporting ao levantar aquela Taça. Nas imagens sou eu que apareço a levantar o troféu...»

«Por isso eu digo que estava destinado a ir para o Sporting. Foi Deus que tinha guardado para mim esse destino, e estou-lhe muito grato por isso.»

Regresso a Portugal como gestor do futebol: sim, pode estar para breve

Hoje, à distância de um oceano, Marco Aurélio continua a acompanhar e a torcer pelas vitórias do Sporting: fá-lo na pequena cidade de Lins, a 500 quilómetros de São Paulo. Onde garante ter encontrado a tranquilidade que precisa.

«Agora em Outubro termino um curso da FIFA em gestão desportiva, que estou a fazer no Rio de Janeiro. A minha ambição é nos próximos anos ser gestor ou gerente de futebol de um clube, estando debaixo do presidente e fazendo as equipas de todas as camadas do clube, desde os mais jovens até os mais seniores.»

E será que isso pode acontecer em Portugal?

«Pode, claro Os meus três filhos nasceram em Portugal e viveram a adolescência em Itália, para onde fui jogar quando saí do Sporting. Voltámos para o Brasil para eles experimentarem esta cultura, mas dois deles já decidiram que querem voltar para a Europa depois de se formarem. Por isso a possibilidade de eu regressar a Portugal é grande.»

O Sporting, claro, seria um sonho...

Recorde a festa do Sporting na vitória na Supertaça frente ao FC Porto: