De Bissau a Manchester e daí até Arouca. No início desta longa e admirável jornada, seis meses infrutíferos em Alcochete. O itinerário de Jorge Intima no mundo do futebol já deu muitas voltas para um jovem avançado de apenas 21 anos.

Jorge, aliás, Jorginho, como é conhecido no meio futebolístico, vai reencontrar-se esta quarta-feira, pela segunda vez este mês, com o Sporting, o clube em que tentou afirmar-se sem sucesso quando no final de 2011 teve a sua primeira aventura no futebol europeu.

«Treinei seis meses na Academia do Sporting, mas nunca fui inscrito para jogar. Treinei lá com o Gelson Martins, que voltei a encontrar nos escalões jovens da seleção… Ele já mostrava ter o grande talento que agora toda a gente vê. Mas para mim não correu bem. O treinador da equipa mudou a meio e a minha oportunidade não apareceu. Sair de África e adaptar-me ao estilo de vida, ao clima, etc… é muito difícil em tão pouco tempo», recorda ao Maisfutebol Jorginho, que fez testes ainda no Valência antes de ser contratado pelo Manchester City em 2012 após um estágio que a equipa inglesa fez em Portugal.

Colega de Iheanacho, fã de David Silva

Assim que integrou os escalões jovens dos citizens, Intima teve a oportunidade de conhecer a equipa sénior e o seu ídolo David Silva. O encontro ficou-lhe na memória: «Estava meio tímido e em português disse-lhe que o meu sonho era jogar ao lado dele. E ele respondeu: “Tens de trabalhar para chegar a este patamar.” Ofereceu-me a camisola e eu pedi para tirar uma foto com ele. Nessa altura, eu tinha já uma foto dele comigo no fundo de ecrã do telemóvel, mas era uma montagem.»

A adaptação ao futebol inglês foi mais fácil também por iniciativa da família de acolhimento com quem o futebolista luso-guineense viveu. Barbara e Lance são um casal de cinquentões que têm um contrato com o City para acolherem jovens jogadores do clube. Fazem-no bem e há muitos anos. Na sua casa passaram parte da adolescência internacionais ingleses como o defesa Micah Richards ou o avançado Daniel Sturridge. Tal como também passou Jorginho, que até foi colega de casa de Kelechi Iheanacho, avançado nigeriano que é uma das revelações na equipa principal agora orientada por Pep Guardiola.

«Vivia com o Ihenacho e com um rapaz norueguês que também jogava no City. Como os treinos eram bidiários, sobrava pouco tempo livre, mas por vezes íamos juntos passear pela cidade, sobretudo a lojas para comprarmos roupa; em casa, víamos filmes juntos. Ficámos amigos. Agradeço sobretudo à minha família de acolhimento. Trataram-me como filho deles. Não me faltavam com nada. Quando eu cheguei não falava nada de inglês. Eles compravam livros e filmes para eu aprender mais rápido a língua. Ao fim de um ano já falava “na boa”. Mantenho contacto com eles. Aliás, quero convidá-los para virem ver um jogo meu aqui a Arouca.»

Em Manchester, Jorginho jogou nos escalões jovens e na equipa de reservas do City. Chegou a vencer o campeonato de juniores, sendo o melhor marcador da prova, mas a oportunidade para jogar ao nível sénior surgiu apenas a meio da época anterior através do Arouca, clube com o qual assinou contrato até 2019.

Golo de estreia dedicado a Lito Vidigal

A realidade alterou-se substancialmente. Jorginho trocou as ambições de chegar à Premier League a curto prazo pela realidade de poder jogar no imediato na Liga Portuguesa. Cresceu com jogador e como homem, de tal modo que agora vive sozinho na pequena vila do distrito de Aveiro.

«Às vezes vou ao Porto fazer compras, mas estou sobretudo em casa, focado no trabalho e no meu sonho de triunfar no futebol português e de chegar à Seleção Nacional (Jorginho é internacional sub-19). Como vivo sozinho, estou a aprender a cozinhar. Por exemplo, daqui a pouco vou fazer massa para o jantar. É o que eu gosto e, na verdade, a única coisa que sei cozinhar. Quando tenho saudades de outra comida vou ao restaurante.»

O grau de exigência é maior do que o do campeonato de reservas com o City, pelo que este «é um salto importante em termos competitivos». E mais um passo na afirmação foi dado no último domingo: o primeiro golo como sénior, ao terceiro jogo oficial pelo Arouca nesta época.

Jorginho acertou em cheio na sua estreia a marcar, já que o golo que fez ao Paços de Ferreira, logo aos 6 minutos de jogo, valeu três pontos e uma importante vitória na 11.ª jornada da Liga. Festejou-o tentando correr para Lito Vidigal, até os colegas travarem-lhe a marcha em direção à linha lateral, abraçando-o:

«Quando marquei, corri para junto da linha lateral para dedicar ao mister. Dois dias antes do jogo, ele já me tinha dito que ia jogar e marcar: “Tens de fazer um golo”, disse-me. Ele tem-me dado muita confiança, dizendo para trabalhar bem que as oportunidades surgirão», diz ao Maisfutebol Jorginho, revelando que a festa do seu primeiro golo na Liga Portuguesa estendeu-se até à Guiné-Bissau. Mais precisamente a um salão de vídeo em Canchungo, pequena cidade a oeste de Bissau, onde a família do jogador assistia ao jogo da Liga Portuguesa.

«Na Guiné, é comum as pessoas juntarem-se a ver os jogos em direto em salões. Pagam para entrar e assistem, porque muito pouca gente tem acesso em casa ao canal que transmite os jogos. O meu pai e o meu irmão Marcelo estavam lá a ver o jogo entre o Arouca e o Paços com muita gente do bairro e contam-me que foi uma festa...», diz Jorginho, que começou a jogar futebol nas ruas de Canchungo, antes de rumar a Bissau, para integrar a Academia Vitalaise, do empresário guineense Vital Sauane, de onde saíram talentos como Bruma ou José Gomes: «Comecei a jogar na rua, claro. Chorava sempre que via uma bola e pedia à minha mãe para comprar. Ainda hoje, quando vejo alguma criança com uma bola, tento “roubar-lha” para jogar. Mas já me controlo mais. [risos] Aliás, agora tenho muitas bolas em casa.»

Esta quarta-feira, em Alvalade, o miúdo que queria ser como David Silva volta a Alvalade, depois de lá se ter estreado esta época na Liga – derrota por 3-0 – para disputar a primeira ronda do Grupo A da Taça da Liga.

«Vamos fazer um grande jogo e espero marcar», acredita. «Para vingar aquela dispensa da Academia, em 2011?», perguntamos. «Também», responde a sorrir, acrescentando: «Mas sobretudo para ajudar o Arouca, que acreditou no meu valor.»