* Por Rui Pedro Silva

A Super Bowl tinha acabado há poucos minutos. Peyton Manning mal tinha tido tempo para festejar com os colegas de equipa e com o treinador e já os repórteres de campo faziam fila para perceber se o fim tinha chegado. Saindo em grande e com a segunda Super Bowl da carreira, aquela vitória (24-10) sobre os Carolina Panthers seria ou não a última partida do quarterback de 39 anos?

«Vou tirar algum tempo para refletir. Mas antes disso tenho outras prioridades: quero beijar a minha mulher e os meus filhos, abraçar a minha família e beber muita cerveja esta noite. Isso posso prometer-te», atirou na direção da jornalista.

O experiente jogador tinha tanto de feliz como de aliviado. Nove anos depois voltara a vencer uma Super Bowl mas a exibição esteve longe de ser convincente: completou apenas 13 dos 23 passes tentados, não conseguiu um único passe para touchdown e permitiu uma interceção numa fase decisiva do encontro. Além disso, sofreu cinco sacks.

A linha estatística é uma das piores de um quarterback vencedor numa Super Bowl mas Manning conseguirá viver com ela. Mais não seja porque daqui a uns anos, na memória só estará o facto de ter duas Super Bowls na carreira. E, muito possivelmente, que se despediu com uma vitória.

Peyton Manning comandou o ataque dos Broncos

Peyton joga à defesa e garante não querer tomar uma decisão precipitada. «Não sei como responder isso. Falei com o Tony Dungy [treinador com quem ganhou a Super Bowl nos Indianapolis Colts em 2007] na semana passada e ele disse-me que tinha de falar comigo. Terá bons conselhos para mim, para não me precipitar e tomar uma decisão com uma base emocional, seja ela qual for», explicou.

Se o quarterback está numa fase de reflexão, os pais e os amigos mais próximos não parecem ter dúvidas. Archie Manning, segunda escolha no draft de 1971 e antigo quarterback sem grande sucesso, revelou que recebeu cerca de 200 mensagens escritas de amigos no telemóvel e que a maioria espera o fim de carreira. «Nove em cada dez acham isso. É consensual. Há muitas coisas a apontar para algo que toda a gente quer que ele faça», explicou.

A mãe Olivia tem uma opinião ainda mais definitiva: «Gostava que terminasse a carreira. Está no topo e não acho que, fisicamente, compense continuar. Ganhou a Super Bowl, é a melhor forma de sair.»

Peyton Manning (à esquerda) com a mãe, o irmão Eli e o pai Archie

Fim de ciclo

Não se trata apenas de sair quando se está no topo. Para Peyton Manning, o contexto transcende-o, é muito maior do que isso. A começar pela idade: aos 39 anos tornou-se o quarterback mais velho a jogar uma Super Bowl – e, naturalmente, a ganhá-la. Além disso, tem sofrido muito com lesões nas épocas passadas, com o tornozelo em 2013, a coxa em 2014 e o pé em 2015.

Tudo junto fez com que muita gente duvidasse que Peyton Manning conseguisse ser capaz. E os números, semana após semana na fase regular, fizeram desta a pior época do quarterback desde o ano de estreia, com nove passes para touchdown e 17 interceções. Ainda assim, fez história no nono jogo da equipa, contra os Kansas City Chiefs. Os problemas físicos já o assombravam mas insistiu em jogar: «Pensei que estava suficientemente bem. Talvez tenha sido só uma sensação falsa, ou errada». O treinador Garry Kubiak cedeu ao desejo de Manning mas foi obrigado a substituí-lo durante o encontro: «Para ser honesto, estava a protegê-lo porque estava preocupado. Devia ter-lhe dito que não jogava esta semana, mas ele é um competidor nato, queria jogar.»

Manning foi substituído contra os Kansas City Chiefs

A questão é que não era um jogo qualquer. Peyton Manning estava a apenas duas jardas de bater o recorde da NFL, que pertencia a Brett Favre. O recorde foi batido mas o dia foi amargo, com quatro interceções e apenas cinco passes completos em vinte tentados. O pior, contudo, só veio depois, com a rutura parcial da fáscia plantar do pé esquerdo. Uma lesão que já existia mas que se agravou durante o encontro.

Durante seis jogos, Manning ficou de fora e entregou os comandos da equipa a Brock Osweiler, o quarterback de recurso. O regresso, tímido, deu-se no último jogo da fase regular (cinco passes completos em nove tentados sem touchdowns ou interceções) e confirmou que o jogador estaria pronto para os playoffs. O resto é história.

As lutas de Peyton

O mau registo na Super Bowl não diminui a sensação de vitória de Peyton. E não apenas no jogo, mas também contra o dono da antiga equipa, a crítica e… o próprio irmão.

Vamos por partes. Peyton Manning foi a figura ímpar dos Indianapolis Colts entre 1998 e 2011. Durante esse período, venceu uma Super Bowl, perdeu outra e bateu vários recordes até falhar a última época por lesão, culpa das operações ao pescoço, em maio, e à coluna, em setembro.

O quarterback tinha acabado de assinar um contrato por mais cinco anos mas o proprietário Jim Irsay tinha outra ideia em mente: Manning não saiu da lista de lesionados e os Colts partiram para o pior registo da temporada (2-14), assegurando a primeira escolha do draft e… Andrew Luck. E assim, de repente, Manning foi dispensado a 7 de março de 2012.

O quarterback com Irsay no dia em que foi anunciada a dispensa

Os Denver Broncos surgiram 13 dias depois. A equipa tinha acabado de ter uma época insólita com Tim Tebow – com muitas críticas mas a alcançar as meias-finais de conferência – e precisava de um líder.

A segunda vida de Peyton Manning não podia ter tido melhor impacto e em 2013 bateu dois recordes: 55 passes para touchdown e 5477 jardas de passe numa só época. Faltava o título, que não chegou na Super Bowl de há dois anos, perdida quase de forma humilhante para os Seattle Seahawks (8-43).

O orgulho de Peyton Manning continuava em jogo. Não bastava bater recordes e demonstrar que podia ter continuado a jogar, era preciso entrar para a elite e vencer mais uma Super Bowl.

É por isso que a tal má exibição deste domingo não faz diferença. Peyton Manning atingiu as 200 vitórias na carreira, ultrapassando as 199 de Brett Favre, e tornou-se o primeiro quarterback titular a vencer o título por duas equipas. E, já agora, deixou de estar em desvantagem no campo familiar, igualando as duas Super Bowls do irmão Eli Manning, o elemento menos eufórico no camarote durante o jogo.

A aposta em si próprio também foi recompensada. No início da temporada, Peyton Manning chegou a acordo com os Denver Broncos para reduzir o salário de 19 para 15 milhões de dólares, de forma a conseguir criar espaço para dotar a equipa com mais-valias. Mas com duas cláusulas: um bónus de dois milhões em caso de atingir a Super Bowl e dois milhões adicionais caso a vencesse.

Manning foi o centro das atenções quando o jogo acabou

Se acabar a carreira agora, não serão os números da última época a ficar na memória mas sim os recordes fixados: as 71940 jardas de passe são o máximo que fixou na última jornada da fase regular.

Com dois títulos na Super Bowl, deixa de estar sob a nuvem de ser muito bom na fase regular mas vacilar nos momentos decisivos. Mais do que ele, só mesmo Terry Bradshaw, Joe Montana e Tom Brady com quatro e Troy Aikman com três.

E na fase regular continuará a ser o rei, detendo cinco troféus de MVP, mais dois do que os perseguidores diretos: Jim Brown, Johnny Unitas e Brett Favre.

É este o pecúlio com que se pode terminar uma longa carreira com o número 18, herdado do irmão Cooper Manning (wide receiver), com quem jogou na universidade.

Os dados estão na mesa – a cerveja provavelmente também estará -, falta a decisão. Como vai ser, Peyton?