Tom Brady já era grande, mas a Super Bowl LI foi o momento que imprime a lenda. Ele liderou a maior reviravolta da história da final da NFL, é o maior de sempre do futebol americano. Cinco títulos de campeão, quatro vezes melhor jogador da final. A consagração definitiva para um grande desportista. Que até podia ter seguido outro caminho há 21 anos. O mundo do desporto americano teria sido bem diferente.

Brady não chegou de caras à NFL. Aliás, começou por ser selecionado para jogar na Major League Baseball (MLB) em 1995. Era um adolescente californiano que estudava no liceu Junipero Serra e praticava três desportos: basebol, basquetebol e futebol americano. Era no basebol que se distinguia, como «catcher», recetor na equipa do liceu. Quando chegou o draft de 1995 da MLB não entrou nas contas à primeira, nem à segunda. Mas acabou mesmo escolhido, à 18ª ronda, pelos Montreal Expos.

Ainda em junho passado o próprio Tom Brady recordou esse dia.

«Ele chamava mais a atenção no basebol», diz um antigo colega, John Kirby, ao Bleacher Report: «Todos pensávamos que se iria tornar profissional de basebol. Era um bom «catcher».»

Mas também não se dava mal no futebol americano

Brady queria era jogar futebol e tinha uma estratégia. Ele e a sua família. Tom Brady Sr, o pai, contou como decidiu compilar uns vídeos «promocionais» do jovem Tom como jogador de futebol, para apresentar a várias universidades pelo país fora.

«Editámos algumas cassetes de jogo com os momentos dele. Depois sentámo-nos e decidimos que escolas ele devia considerar. Mandámos as cassetes a essas escolas. Acho que mandámos para 54 escolas», contou Tom Brady Sr ao «Bleacher Report».

«O Tommy sempre gostou de futebol desde que começou a jogar no ano de caloiro no liceu. Fizemos mais do que desencorajar as pessoas do basebol, porque o Tommy tinha decidido que ia jogar futebol», acrescenta Tom sénior.

Os Montreal Expos perderam Tom Brady. Ninguém sabe o que teria sido da equipa e do basebol se ele não tivesse dito não. Os Expos haviam de desaparecer em 2004, a «franchise» deslocalizada e convertida nos Washington Nationals.

John Hughes era olheiro dos Expos naquele tempo. E diz que Brady teria singrado no basebol, se quisesse. «Olhava-se para ele e era «Wow, ele tem o que é preciso. Sabia lançar. Recebia bem», contou Hughes em 2015 ao site oficial da MLB: «Acho que teria sido profissional. Não há razão para pensar que este tipo não teria sido um «catcher» de primeiro nível.»

Mas Hughes diz também que na altura cedo se percebeu que Brady iria escolher outro caminho. E a NFL agradece. Hughes conta também o comentário que fez entre amigos quando Brady ganhou a sua segunda Super Bowl, em 2004: «Podia ter dado cabo da história da NFL se tivesse contratado este tipo.»

Brady estava destinado a ser desportista de alta competição. Ainda Hughes: «Via-se que pertencia a um balneário profissional. Não quer dizer que fosse espalhafatoso, ou isso. Mas olho hoje para ele na TV e penso: «É o mesmo tipo.» Até hoje, em todos os meus anos como observador, o Tom ainda é o miúdo de liceu mais impressionante que acompanhei. A pessoa, a presença. Agora, obviamente, é mais maduro. Mas não é uma mudança dramática. Tinha esta presença.»

A experiência no basebol ajudou aliás a formar o «quarterback» Brady. Quem o diz é Bill Harris, então adjunto da universidade de Michigan, que viu uma das cassetes de Brady e decidiu pôr-se em campo para o ir buscar. «Descobri que ele tinha jogado basebol e que era «catcher». Pensei: os «catchers» têm que ser duros. Portanto este miúdo deve ter a resistência de que precisamos se vai ficar lá atrás a levar pancada», conta Harris na mesma reportagem do Bleacher Report.

Harris fez-se ao caminho e foi conhecer a família Brady, Tom, os pais e as três irmãs mais velhas. «Eram todos muito competitivos, e a mãe era a mais competitiva de todos. O Tommy era o mais novo e passava a vida a perder para as irmãs. Estava a lutar para pôr o nome dele no topo em algum lado. Quando se conhece a família e se vê de onde ele vem, dizemos a nós próprios que é o tipo de pessoa que queremos em Michigan.»

Aqui está a família de Brady, agora alargada e depois da conquista de domingo

 

It takes a team. And so much love. #NeverStopBelieving

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A universidade de Michigan foi mesmo a escolha da família Brady. Passou lá quatro anos e não era primeira opção regular na equipa. Mas quando entrava fazia a diferença e liderou Michigan numa série de reviravoltas. É desse tempo que vem uma das suas alcunhas, «Comeback Kid». Nem de propósito.

Mas quando chegou o «draft» não era uma escolha óbvia. Aliás, foi o 199º a ser selecionado nesse ano de 2000, apenas à sexta ronda.

Levaram-no os New England Patriots. Até hoje. Chegou a Boston cheio de confiança, como recorda o dono da equipa, Robert Kraft. «Ainda tenho a imagem do Tom Brady a entrar no velho Foxboro Stadium com uma caixa de pizza debaixo do braço, um magricela, e quando se me apresentou disse: «Olá senhor Kraft.» Ia dizer quem era, mas eu disse «Sei quem és, és o Tom Brady. És a nossa escolha da sexta ronda.» E ele olhou-me nos olhos e disse: «Sou a melhor decisão que esta organização já tomou. Parece que podia ter razão», contou Kraft à CBS.

Não foi chegar e convencer. As portas da equipa só se abriram de forma clara para Brady no segundo ano, face à lesão do «quarterback» titular, Drew Bledsoe. Tom estava lançado de vez e começou logo por conquistar nesse ano a sua primeira Super Bowl, frente aos St Louis Rams, em fevereiro de 2002.

O resto é história. Como formou com o treinador Bill Belichik a dupla de maior sucesso da história da NFL e como se tornou de caminho um ícone do desporto e do sonho americano. Os títulos, o talento, a presença, a relação com a super-modelo brasileira Giselle Bundchen, sua mulher e mãe dos seus dois filhos.

Uma figura pública, o que lhe trouxe alguns embaraços nos últimos tempos, pela sua relação com Donald Trump. O novo presidente norte-americano fez alarde da sua amizade com Brady, o jogador chegou a ser filmado no balneário com um boné da candidatura de Trump, mas quando foi questionado diretamente sobre esse apoio evitou uma resposta concreta e disse que a mulher, a qual já contestou Trump publicamente, lhe tinha dito que era melhor não falar de política. Um tema muito sensível por estes dias, tal como ficou claro no Super Bowl, quando vários dos anúncios milionários dos intervalos da transmissão deixaram no ar mensagens políticas e de contestação mais ou menos velada a Trump, em temas como discriminação ou igualdade de género.

Voltando ao jogo. Com Brady e Belichik, os Patriots tornaram-se a equipa mais dominadora da NFL nos últimos anos. Ganharam cinco Super Bowls, perderam duas, ambas para os Giants.

As últimas duas épocas viram os Patriots no centro de um caso que ficou conhecido como Deflategate. A equipa foi acusada de esvaziar de propósito as bolas para ganhar vantagem na decisão da American Football Conference (AFC) de 2015 frente aos Indiana Colts. O caso arrastou-se até à temporada que agora terminou. Brady foi acusado de estar envolvido no processo e suspenso. Falhou os quatro primeiros jogos da época.

E os Patriots chegaram a mais uma Super Bowl. Nada de novo até aqui. Chegaram como favoritos, frente a uns Atlanta Falcons que estavam apenas na segunda final da sua história.

Mas os Falcons jogaram muito bem na primeira metade e chegaram a liderar por 21-0. Estava em 21-3 no arranque do terceiro quarto e ainda chegou a 28-3.

E depois os Patriots foram tomando conta do jogo. Com Brady a liderar, lá de trás, voz de comando, um passe atrás de outro a fazer a equipa avançar. E os Pats forçaram mesmo o primeiro prolongamento da história da NFL, e depois precisavam de um «touchdown» no final. Brady lançou James White e lá está. 34-28, a quinta para os Patriots, a quinta para Tom Brady, nunca um «quarterback» ganhou tantas vezes a Super Bowl.

Uma reviravolta épica como não há memória no futebol americano. Mais uma, incrivelmente, num ano histórico a esse nível para o desporto profissional americano. Na NBA, os Cleveland Cavaliers tornaram-se na primeira equipa a vencer o título depois de ter estado a perder por 1-3 na final, frente aos Golden State Warriors. E no basebol os Chicago Cubs também perdiam por 1-3 a decisão frente aos Cleveland Indians mas deram a volta, para chegar a um título que perseguiam há mais de 100 anos.

Históricos os Pats, mas lendário Brady. Aos 39 anos, e agora com o mundo à espera do que fará depois disto, quando já se especulava sobre a sua reforma.

Para já Brady saboreia o momento. A reação dele, quando o jogo terminou.

Brady foi o MVP da final, com uma série de recordes: 43 passes completos, 62 tentados e 466 jardas de progressão. Mais dois passes para «touchdown». No final, muitos acentuaram o momento com a expressão reservada aos maiores: GOAT, Greatest Of All Time.

Na NFL e fora dela. Os elogios a Brady chegaram de todos os desportos. LeBron James, por exemplo.

Ou Kobe Bryant

Foi até à Europa e com humor pelo meio. Os alemães do Colónia brincaram com o acrónimo GOAT e o facto de o seu símbolo ser uma cabra