O principal entrave ao crescimento do futebol em Svalbard é o urso polar. E a neve também não ajuda, certamente. Estamos a falar de um arquipélago perdido no Oceano Glacial Árctico, já muito perto do Pólo Norte. Até aqui, a este pedaço de terra gelada no Reino da Noruega, os tentáculos prolixos do desporto-rei chegam.

A paixão pela bola não escolhe territórios, credos ou climas. Debaixo de 25 graus negativos, cerceado por águas brumosas, fiordes encantados e montanhas brancas, resiste o clube de futebol mais setentrional do planeta Terra. Chama-se Svalbard Turn, joga quatro vezes por ano e tem um presidente apaixonado pela Premier League.

«Temos a nossa liga regional e somos a equipa mais titulada. O nosso adversário é sempre o mesmo, o Barentsburg, porque nestas ilhas não há mais clubes. Eles são de uma vila pequena e habitada essencialmente por mineiros russos», apressa-se a explicar Stig Goran Lund, principal impulsionador do futebol neste mundo de maravilhas profusas, em conversa com o Maisfutebol.

A principal cidade do arquipélago de Svalbard tem um nome impronunciável: Longyearbyen. É ali que se estende o único campo com condições mínimas para a prática de futebol. «Fazemos milagres. Treinamos no pavilhão durante o Inverno e aproveitamos o Verão (a temperatura máxima é quatro graus centígrados) para jogar no exterior. Mas aí temos de ter cuidado com outras situações.»

«Há trabalho e não temos guerras. O que mais desejar?»

O ideário destas gentes é uma propaganda à coragem e um tributo à exortação do limite humano. Após longos meses de espera, Svalbard Turn e Barentsburg digladiam-se em condições não raras vezes sobre-humanas. A fúria dos elementos naturais sopra numa miríade esquartejada, a bola ressalta na santa trindade terra/lama/erva e o urso polar tudo observa com um olhar soporífero.

«Não temos medo. Normalmente os animais não se aproximam das vilas, mas quando têm fome arriscam mais. Já tivemos de interromper alguns jogos por causa dos ursos, é verdade, embora isso seja raro», minimiza Stig Goran Lund, ansioso por falar um pouco mais sobre a sua terra.

«Aqui vive-se bem. Há trabalho para todos, as casas são aquecidas e não temos guerras. O que podemos desejar mais? É pena que não possamos jogar mais vezes futebol, sem dúvida. De qualquer forma, agora em Janeiro teremos mais um torneio de futsal e isso dá para matar as saudades.»

Andar descalço e comer baleia: tradições ancestrais

Se algum dia se sentir entediado e decidir visitar Svalbard, talvez seja bom conhecer algumas das excêntricas tradições destas ilhas. Não se atreva, prezado leitor, a entrar calçado em locais fechados, a não ser em lojas e pavilhões desportivos. Igrejas, museus, edifícios públicos, todos eles estão preparados para receber convidados em peúgas.

É provável também que encontre alguns menus de gosto duvidoso aqui e ali. A carne de baleia, por exemplo, é uma iguaria apreciada nas redondezas. O nosso anfitrião assegura, porém, que uma visita a Svalbard «nunca é a última».

«Para quem gosta da natureza no seu estado puro, isto é o paraíso.» Entre Maio e Julho, os meses menos glaciais do ano, até é provável que possa assistir a um jogo de futebol. O que até seria um instante histórico.

Afinal, estamos a falar das duas equipas mais próximas do Pólo Norte.

Um documentário amador sobre Svalbard: