Depois de empatar frente ao México e bater as seleções da Rússia e da Nova Zelândia, a seleção portuguesa encara novo desafio na Taça das Confederações, num momento em que a competição entra numa fase de «mata-mata», parafraseando o técnico vice-campeão europeu em 2004, Luiz Felipe Scolari.

O Chile, também estreante nesta competição e atual campeão sul-americano (bicampeão, se contabilizarmos também a excecional Copa América Centenário do ano passado), vai ser o adversário luso na meia-final de Kazan, num jogo que para os chilenos mais otimistas (leia-se, aqueles que acreditavam piamente que venceriam o grupo) é quase visto como uma final antecipada.

Este será o quarto confronto da história entre as seleções seniores de Portugal e do Chile. O primeiro ocorreu também numa fase final, em 1928, nos Jogos Olímpicos de Verão, disputados em Amesterdão. Essa foi a primeira de duas vitórias portuguesas sobre a «Roja» (a outra foi conquistada num torneio oficioso, a Minicopa, disputado no Brasil no ano de 1972). O terceiro (e último) embate entre lusos e chilenos realizou-se em março de 2011, numa altura em que a Seleção Nacional ia discutindo o apuramento para o Euro 2012. No Estádio Magalhães Pessoa, em Leiria, registou-se uma igualdade a uma bola, com Silvestre Varela a faturar pela equipa portuguesa e o à época sportinguista, Matías Fernández, a descontar para os sul-americanos.

Por comparação com esse jogo da Cidade do Lis, são visíveis muito mais alterações nas cores nacionais: apenas Rui Patrício, Nani, João Moutinho (titulares), Pepe e Quaresma se mantêm nas opções. Do lado chileno, é claramente notória uma linha de continuidade, com os titulares dessa noite Claudio Bravo, Gonzalo Jara, Isla, Medel, Arturo Vidal, Beausejour e Alexis Sánchez a manterem um lugar no «onze», seis anos volvidos.

Pizzi, o passado com Fernando Santos e as diferenças para Bielsa e Sampaoli

Depois do sucesso das passagens de Marcelo Bielsa e sobretudo Jorge Sampaoli (campeão da Copa América em 2015) pelo banco chileno, com uma aposta transitória em Claudio Borghi lá pelo meio, a Federação Chilena decidiu escolher um treinador com um perfil distinto, tanto naquilo que é o sistema de jogo como no próprio modelo de jogo e filosofia de trabalho. Foi então eleito Juan Antonio Pizzi, antigo avançado hispano-argentino, com uma passagem bem sucedida pelo futebol espanhol enquanto jogador (Tenerife, Valência, Barcelona e Villarreal) e também com uma experiência de meia temporada no FC Porto, já perto do final da carreira.

Foi precisamente nas Antas que ficou a conhecer aquele que é hoje o técnico responsável por orientar o campeão da Europa. Fernando Santos era, na época 2000/2001, o treinador dos dragões e foi um dos impulsionadores da aposta em Pizzi, atacante empreendedor e de remate fácil, que havia feito furor na Liga Espanhola e que buscava, aos 32 anos, uma experiência num novo campeonato. A passagem foi curta, dado que o atual selecionador chileno regressou ao Rosario Central na segunda metade dessa temporada.

Pizzi arrumou as botas um ano mais tarde e, passadas duas temporadas, já orientava o Colón de Santa Fé, a sua cidade-natal. Depois disso, viveu experiências no futebol peruano (Universidad de San Martín) e chileno (Santiago Morning e Universidad Católica), antes de retornar à Argentina, entre 2010 e 2013, para orientar os históricos Rosario Central (onde havia iniciado a carreira enquanto profissional) e San Lorenzo. Depois disso, esteve no Valência (outro clube pelo qual havia passado enquanto jogador) e nos mexicanos do Club León, antes de assentar arraiais no banco da seleção chilena, em 2016, na sequência da polémica entre a Federação local e Jorge Sampaoli.

A aposta num 4-3-3 reciclável numa equipa dependente das estrelas

O sistema preferencial de Juan Antonio Pizzi é o 4-3-3, com um médio mais defensivo, dois interiores e dois extremos abertos no apoio a uma referência ofensiva na zona central. Porém, e pegando no exemplo do embate frente à Alemanha na fase de grupos, podemos perspetivar uma aposta num 4-4-2 losango, com Arturo Vidal como o elemento mais flexível da equipa, recuando quando necessário para apoiar a saída de bola e subindo até a uma zona de «falso 9» (com Vargas e Alexis a abrirem nos corredores laterais) para condicionar a primeira fase de construção do adversário.

Esta equipa do Chile demonstra, na verdade, processos mais bem definidos a nível ofensivo do que defensivo, embora quando execute essa pressão alta consiga condicionar relativamente bem os progressos com bola do rival. Estimulando ações de ataque rápido ou contra-ataques, a seleção de Pizzi demonstra toda a fúria quando tem a bola nos pés, em especial no último terço, espaço que é propriedade do incisivo Alexis Sánchez.

O atacante do Arsenal é possivelmente a estrela-maior da companhia (a par de Arturo Vidal). Móvel, veloz, deriva muito bem da ala para o espaço interior, demonstrando desde os primórdios da carreira uma invulgar capacidade de aceleração em progressão, conseguindo executar passes e remates em velocidade com uma facilidade tremenda. Associando-se ao robusto e perigoso Edu Vargas, Alexis é uma fonte de desestabilização permanente para as defensivas contrárias.

Porém, o «7» chileno não constrói o perigo sozinho nesta equipa. Atrás, tem quem lhe ofereça passes como o padeiro fornece pão quente logo pela manhã, em especial Marcelo Díaz e Charles Aránguiz. Estes dois costumam ser os responsáveis pela construção mais elaborada a partir de trás (em particular Díaz, exímio no passe vertical), contando para isso com os inestimáveis apoios próximos (ou nas entrelinhas) de Arturo Vidal ou Pablo Hernández e ainda com os esporádicos movimentos de recuo do duo de avançados.

A ideia do 4-4-2 losango passa por fortalecer a zona intermediária, de forma a permitir que a equipa reaja de forma mais ativa e agressiva à perda da bola e, ao mesmo tempo, que esteja mais guarnecida nos momentos em que o adversário conseguir empurrar o bloco chileno para zonas mais recuadas. De destacar, novamente, a ação de Arturo Vidal, fundamental no condicionamento do primeiro passe do oponente e também em ações de construção, condução e rutura (são absolutamente excecionais os movimentos de ataque à área contrária, surgindo de rompante na zona do segundo poste, para cabecear ou rematar com precisão).

Do ponto de vista defensivo, esta seleção chilena exibe alguns problemas, em particular quando o adversário consegue galgar essas primeiras zonas de pressão. Se é verdade que a pressão alta, devidamente efetuada, pode trazer vantagens claras para os campeões sul-americanos, tem também esse lado menos virtuoso e potencialmente problemático, no qual os espaços nas entrelinhas podem surgir para ser explorados pela Seleção Nacional, bem como eventuais situações de desequilíbrio no controlo da profundidade e na cobertura aos corredores laterais (nos quais a seleção orientada por Fernando Santos costuma criar múltiplas jogadas).

É também percetível como este Chile baixa um pouco mais a guarda nas segundas partes dos encontros, não conseguindo manter a intensidade na marcação alta como numa fase inicial. Apesar de tudo, e se tiver de correr atrás do resultado, a Roja irá manter essa intenção, ficando mais «partida» no momento da recuperação defensiva.

Apesar de tudo, com Medel a controlar melhor os espaços, a equipa não fica tão exposta. O central do Inter, que também pode fazer a posição de trinco, é o sustento da última linha, formando uma dupla consistente com Jara, central com maior arcaboiço físico, embora ambos sintam alguns problemas em desvantagem numérica e na reação a cruzamentos precisos para a área. Portugal poderá (e deverá) também atacar as costas de Isla ou Beausejour, quando estes fecham mais por dentro.

Outro ponto fundamental do jogo chileno está precisamente relacionado com os dois laterais. Tanto Mauricio Isla, médio-defensivo de origem (ainda é comum vermos este jogador em posições mais interiores), como Jean Beausejour, atacam a profundidade com constância, emprestando à equipa precisão no cruzamento. Porém, é fundamental que não se exponham em demasia, até pelo que foi explicado em cima (a seleção portuguesa costuma envolver os laterais e alas no processo ofensivo com bastante regularidade).

Finalmente, em termos de bolas paradas defensivas, é percetível um preenchimento considerável da área, com oito homens (mais o guarda-redes) a defender, num sistema que mistura marcações individuais e algumas coberturas à zona (em especial, na zona do primeiro poste). O mesmo modelo se aplica aos livres laterais, sendo certo que a equipa se dispersa um pouco, potenciando ações em antecipação do adversário. Já em termos ofensivos, o Chile possui também cabeceadores de créditos firmados, como Arturo Vidal, Edu Vargas ou até Pablo Hernández.

Portugal pode então esperar um desafio à altura da típica exigência de uma meia-final. Um adversário duro, combativo, capaz de ativar uma pressão demoníaca na frente, fortíssimo a explorar transições rápidas, mas também em sobressalto no momento defensivo. É hora de Cristiano Ronaldo, André Silva e companhia arrombarem o cofre chileno. Basta, para isso, seguir as «regras» dos últimos dois encontros.