Não tem discursos formatados, diz o que pensa e nem sequer se esforça por ser politicamente correto. Miguelito tem pouco a ver com as estrelas do futebol em tudo o que não seja o talento com a bola nos pés. Aí, diz quem o conhece, pode ombrear com muito boa gente. Aliás, o próprio diz o mesmo.

«Já fiz mais do que o suficiente para merecer uma oportunidade». A frase sai-lhe naturalmente durante a conversa com o Maisfutebol, no day-after à festa da Taça em Amarante, após consumada a eliminação do Marítimo.

A naturalidade com que fala das oportunidades que não chegam é fácil de entender. Aos 25 anos e depois de uma vida dedicada ao clube da terra, Miguelito tem pouco a perder. E muito a ganhar. Esta segunda-feira, porém, pôde provar um pouco da fama inerente às estrelas da bola.

Viveu, nas suas palavras, «um dia diferente dos outros». «Tenho recebidos muitos telefonemas, mensagens, tenho dado muitas entrevistas. É um dia que não tem nada a ver com a minha rotina, mas que daqui a pouco vai ficar mais parecido», comenta. Perguntamos porquê. «Tenho treino», responde entre risos.

A verdade é essa, de facto. A fama pode ser efémera, sobretudo quando alicerçada num feito singular. Miguelito sabe-o, mas, claro, aproveita a onda. «Poderá não voltar a acontecer», brinca.

Por entre a euforia do dia seguinte ao jogo com o Marítimo, já teve tempo para parar e pensar naquilo que o seu clube conseguiu. Não só o Amarante nunca tinha chegado tão longe na Taça de Portugal, como nunca tinha eliminado uma equipa do primeiro escalão.

«No final do jogo ainda não tinha bem a noção. Nem eu nem ninguém, claro. Naturalmente sabíamos que tínhamos conseguido algo muito bom, porque eliminamos uma equipa que está constantemente a lutar pela Europa na principal Liga portuguesa. Agora já deu para acalmar, pensar no que conseguimos e ver que foi muito importante para o clube», resumiu.

«Se a proposta não chegar, arranjo um trabalhinho e a vida segue»

Imaginamos que Miguelito estaria farto de receber mensagens esta segunda, mas o português atalha caminho avisando para o duplo sentido da palavra: «Farto não estou. Habituava-me bem a isto».

« É sempre bom sermos reconhecidos, ainda por cima quando é em algo que gostamos tanto de fazer. Mas acaba por ser o menos importante nisto tudo, embora seja sempre bom ser reconhecido. É como juntar o útil ao agradável»,
explica.

Sabia que era importante deixar uma boa imagem neste jogo até a nível pessoal. Mas coloca os objetivos da equipa à frente: «Como o treinador nos disse, a Taça é o nosso parque de diversões. É para aproveitar. O principal objetivo é a manutenção no Campeonato de Portugal. Na Taça, o que vier por acréscimo…melhor.»



E se vier algo para si? «Já tenho dito isto e continuo a insistir: sinceramente, acho que não posso fazer mais nada para conseguir um contrato com uma equipa profissional. Pronto, se calhar só se for marcar ao Sporting ou ao FC Porto», atira entre risos.

Garante nunca ter tido propostas de clubes da Liga nem da II Liga, de onde chegou «uma ou outra abordagem». «Depois houve propostas de equipas do mesmo escalão do Amarante, mas, nesse caso, e muito sinceramente, vou mudar porquê?», questiona.

«Já fiz mais do que o suficiente. Se esse contrato não chegar, a vida continua, não vou ficar triste nem frustrado. Se aparecer é muito bom. Se puder ganhar algum dinheiro mais com aquilo que gosto de fazer…Se não, vou continuar por cá, depois arranjo um trabalhinho e a vida segue», remata, sempre lúcido.

Sonho é jogar no Dragão ou ser treinado por Jesus

O Amarante, 6º classificado na Série C do Campeonato de Portugal, está entre as 16 melhores equipas da edição 2015/16 da Taça de Portugal. Feito impensável no início da temporada. Segundo apuramos já rendeu ao clube 21,5 mil euros só em prémios, sem contar a receita de bilheteira do jogo com os insulares que, revelou o presidente António Duarte, reverteu totalmente a favor do seu clube, com a bênção do Marítimo.

É inevitável questionar Miguelito sobre o que deseja na próxima ronda. Dois nomes à cabeça, sempre com o coração a falar mais alto.

«Como já disse, sou simpatizante do FC Porto e gostava de o defrontar. Mas também gostava de jogar contra o Sporting, que é a equipa do momento. Gostava de encontrar o Jorge Jesus. Apesar de ser portista, é um treinador que aprecio muito. Se era um sonho defrontá-lo? Sonho era ser treinado por ele»
, brinca.

Salienta que «em termos monetários», o Amarante poderia lucrar mais com um jogo no Dragão do que em casa. «Estamos a falar de uns oitavos de final da Taça. É claro que o estádio não vai estar cheio, mas já atrai bastante gente. Acredito que estariam umas 15, 20 mil pessoas e isso poderia ser uma receita muito importante para o Amarante», sublinha.

«Mas para a cidade era melhor o jogo ser cá. Beneficiava a zona, o comércio… Para mim? Eu preferia jogar no Dragão. Sou adepto do FC Porto e posso nunca mais ter outra oportunidade», lembra.

Aproveitar a Taça para realizar um sonho não é crime para alguém que sempre quis ser jogador de futebol. Atualmente, aliás, é só isso que faz, mesmo jogando no terceiro escalão do futebol português. «Não trabalho. Nesta zona é complicado arranjar um trabalho compatível. Vivo só do futebol. Não é por opção», garante.

E explica: «Eu conseguia facilmente arranjar um trabalho num bar, por exemplo. Mas isso implica estar fora de casa até tarde e não é bom para quem joga futebol, claro. Um trabalho normal é mais complicado. Nesta zona não há muito comércio e o que há está esgotado.»

Quando estava nas camadas jovens e os sonhos ocupavam mais espaço do que agora, diz ter sido «cobiçado por vários clubes». Ficou no Amarante, contudo.

«Tive a oportunidade de ir para o Boavista, aos 10 anos, mas tinha de ficar lá, no lar do clube e a minha mãe não deixou. Não sei se foi a decisão certa ou não, mas não a crítico (risos). Se calhar, se tivesse ido hoje nem no Amarante estava! Há tantos jogadores que saem das camadas jovens dos grandes clubes e depois é sempre a descer, não arranjam clube em lado nenhum»
, recorda.



«Vocês ainda vão fazer de mim jogador»

Era impossível falar com Miguelito e não tocar no outro tema mais comentado além do golo ao Marítimo: o seu visual. O cabelo, mais propriamente. Cada vez menos raro, mas sempre ilustrativo.

Logo no final do jogo admitiu que se identificava com Fellaini, belga do Manchester United que usa penteado semelhante. «É a minha referência, mas só em termos de cabelo», atira entre risos. «A nível futebolístico não me comparo. Aliás, nem o sigo muito, não me desperta grande interesse», acrescenta.

«Outros ídolos? O André André, do FC Porto, que até é o inverso de mim a nível de cabelo (risos). Também gosto muito do João Mário, Bernardo Silva. Mas o meu ídolo de sempre é o Deco, mas esse já não joga», completa.

Em jeito de provocação, questionamos se alinharia numa promessa que envolvesse a farta cabeleira. «Alinhava facilmente. Neste momento estou por tudo», atira, sem hesitar.

«O que me poderia fazer rapar o cabelo? Olhe, se calhar conseguir o contrato que tanto procuro. Ou se sair o FC Porto na próxima eliminatória. Pode ser: se sair o FC Porto rapo o cabelo. Mas só no fim do jogo, antes não», diz, entre gargalhadas, para fim de conversa.

É assim Miguelito. Prático, bem disposto e com poucas cerimónias na hora de falar. E simpático, já agora, como atesta a mensagem que nos deixa antes de desligar a chamada: «Obrigado por tudo. Vocês ainda vão fazer de mim jogador.»