Taça de Portugal. Pródiga em surpresas. Festa do povo. O sonho do Jamor a cada época, numa quase sempre histórica tarde de maio.

Portugal. Nenhuma outra prova dá tanto o rótulo de tomba-gigantes a um clube. Ou não fosse acontecimento quase perfeito a cada edição.

Esta época, dos clubes nos quartos de final, três de oito já disso gozaram. Deixaram, pelo caminho, rivais de patamares superiores.

Fala-se de Cova da Piedade (II Liga), além de Caldas e Farense, equipas do Campeonato de Portugal que marcam encontro no Campo da Mata. Palco onde os caldenses já afastaram Arouca e Académica, emblemas da II Liga e que há pouco caíram da elite do futebol luso.

Já o Farense, para chegar a esta fase, já afastou, por exemplo, Estoril (I Liga) e Leixões (II Liga).

Esta quarta-feira, nas Caldas da Rainha, há muito mais que 90 minutos de futebol. Esperam-se cerca de seis mil pessoas, mais ou menos mil de Faro. Porque tamanho marco supera qualquer hora ou dia. Depois de 1956, o Caldas regressa aos «quartos». O Farense lá volta 28 anos depois.

Farense tem sido surpresa na Taça de Portugal. Chega aos «quartos» 28 épocas depois»

«A Taça é a festa do povo e é uma surpresa equipas de um campeonato não profissional estarem nesta fase, mas há mérito», atira Jorge Reis, presidente do Caldas, em conversa com o Maisfutebol. «Esperamos um dia de festa. E que a estrelinha esteja do nosso lado. É um sonho chegar às meias-finais, depois logo se vê», antecipa. Isto após um fim-de-semana louco, com jogo nos Açores para o campeonato [Guadalupe, na Graciosa] e viagem atribulada.

«Fez-nos chegar às Caldas às três da madrugada de segunda-feira e às sete [da manhã] alguns jogadores tiveram de ir trabalhar. Depois, treino ao final do dia. E hoje [terça-feira] um treino de preparação. Não foram precavidas as condições, mas é o que temos», lamenta Reis, em alusão ao dia e hora do encontro (quarta-feira, 18h00). No entanto, «não haverá desculpas», garante.

Do outro lado, António Correia, líder máximo do Farense, fala num «espírito em alta». Ou não fossem os algarvios líderes no campeonato, com sete pontos de vantagem. E figura na Taça.

O espírito em Faro é relatado com paixão e fervor. «Vamos levar oito autocarros, dezenas de carros particulares e só não vamos mais porque a lotação está esgotada. Nem vão abrir bilheteiras. A cidade está completamente connosco», conta o presidente. O Farense já esteve no Jamor em 1990 e «é um grande objetivo voltar», embora Correia saiba que, mesmo passando às meias-finais, Rio Ave ou Desp. Aves, um deles será «obstáculo dificílimo».

Num olhar prévio, reparos ao calendário. Se Reis fala num «entrave», até por não haver transmissão televisiva que seria «mais um prémio», Correia aponta o ano de Mundial como um «menosprezar» da prova rainha. «Não há muitos fins de semana disponíveis. Relegam para segundo plano a Taça», refere.

Tarzan, goleador de múltiplas sensações

João Rodrigues é uma das figuras de proa do atual Caldas. Melhor marcador da equipa, com 12 golos. Nove dão-lhe o estatuto de melhor marcador da série D do campeonato. Os outros três, decisivos na Taça. Na terceira eliminatória, golo da vitória (1-2) na casa do Cesarense. A seguir, faturou nos dois empates com Arouca e Académica, ambos 1-1, que sorriram ao Caldas nas grandes penalidades. O último, contra a Briosa, de múltiplas sensações.

João Rodrigues é o melhor marcador do Caldas e teve papel decisivo nas últimas três eliminatórias

«Casa cheia, arrepiei-me imensas vezes. Antes do jogo ainda tive um pinguinho na cueca, algumas lágrimas, inesquecível», recorda, apontando à meta de 25 golos esta época e ao «chegar o mais longe possível» na Taça. Ao Jamor.

João na certidão. Tarzan como alcunha. «Já vem desde o meu avô. Imitava muito o Tarzan quando estava na presença dos amigos. Depois, o meu pai, agora eu e o meu irmão», conta o avançado de 23 anos, natural da freguesia de Usseira e formado na AE Óbidos.

Quando a festa da Taça obriga a jogar longe

O Cova da Piedade-Sporting joga-se no Estádio do Bonfim, longe da casa do clube de Almada. Mas não é caso único esta época. Na terceira eliminatória, o Lusitano de Évora recebeu o FC Porto no Estádio do Restelo. O Olhanense teve de ser anfitrião do Benfica no Estádio do Algarve, em Loulé. Vistorias aos recintos próprios reprovadas. Quilómetros a mais feitos. E o maior encanto da Taça, que os próprios clubes defendiam, a cair por terra. «Todos queríamos jogar aqui, mas houve coisas a que não conseguimos dar a volta», lamentou Bruno Ribeiro, treinador do Cova da Piedade, na antevisão.

Cova da Piedade tombou Marítimo. É o terceiro clube a jogar em casa emprestada nesta edição

Três de escalão inferior nos «quartos»: realidade balançada

Ver três equipas de escalões inferiores à Liga não é cenário tão raro na história da Taça de Portugal, embora com oscilações recentes, após um pico nos anos 80 e 90.

A análise só contempla a participação de equipas portugueses, uma vez que a Taça de Portugal já integrou, nomeadamente nos anos 50 e 60, clubes que não portugueses, como o Ferroviário da Beira ou o Sporting de Lourenço Marques.

Posto isto, e num olhar ao total de 78 edições – já com a atual em conta – contam-se 22 com, pelo menos, três equipas de escalões inferiores à I Liga nos quartos de final. Aproximadamente, uma a cada três edições e meia. Este registo, igualado esta época graças às campanhas de Cova da Piedade, Caldas e Farense, só foi superado por três ocasiões na história da prova rainha. O auge foi na época 1976/77, quando cinco emblemas de divisões inferiores estiveram na dita fase da competição.

Edições com mais de três equipas de escalões inferiores nos «quartos» (3)

1993/94: 4 (Trofense, Rio Ave, Lusitânia Lourosa, Desp. Aves)
1976/77: 5 (CUF, AD Fafe, Famalicão, Gil Vicente, Farense)
1947/48: 4 (Marítimo, Barreirense, Portimonense, UD Oliveirense)

Edições da Taça com três equipas de escalões inferiores nos «quartos» (19)

2017/18: Cova da Piedade, Caldas, Farense
2016/17: Sp. Covilhã, Leixões, Académica
2011/12: Desp. Aves, UD Oliveirense, Moreirense
2001/02: Portimonense, Vila Real e Leixões
2000/01: Bragança, Moreirense, Famalicão
1999/00: Moreirense, AD Fafe, D. Sandinenses
1998/99: Esposende, Moreirense, Torreense
1997/98: Gil Vicente, U. Leiria, Freamunde
1996/97: D. Sandinenses, Estoril, Maia
1994/95: Leça, Ovarense, Oliv. Moscavide
1992/93: Estrela Amadora, Alverca, Amora
1989/90: Maia, Farense, Valonguense
1984/85: Sp. Covilhã, Marítimo, Paredes
1983/84: P. Ferreira, Torreense, Vizela
1981/82: Ginásio Alcobaça, Leixões, Juventude Évora
1980/81: Esperança Lagos, Famalicão, Oliveira de Frades
1964/65: Olhanense, Salgueiros, Sanjoanense
1960/61: Sacavenense, V. Setúbal, U. Madeira
1944/45: Atlético, UD Oliveirense, Boavista

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