Não gostam que lhes chamem Real Massamá. Real Sport Clube, assim é que é o nome do emblema que eliminou o Arouca da Taça de Portugal e pretende representar uma região.

«Um dos maiores clubes do concelho de Sintra», diz o presidente Adelino Ramos, a definir o clube que nasceu em 1995 da fusão de dois outros emblemas da região, o Grupo Desportivo de Queluz e o Clube Desportivo e Recreativo de Massamá.

O Real «é muito mais que futebol», diz o presidente. E tem dois sonhos, um a curto prazo e outro a longo prazo.

Vamos então do sonho particular (futebol) para o geral. O Real escreveu este domingo a mais bela página da sua história ao alcançar os 16 avos de final da Taça de Portugal, tudo abrilhantado por eliminar um clube da I Liga, o Arouca.

90 minutos de brilhantismo, de fulgor, de qualidade: enfim, 90 minutos em que o Real foi de I Liga e o Arouca um clube de escalões inferiores.

Para Adelino Ramos foi uma partida de emoções, sempre com a confiança a aumentar a cada minuto de jogo: «Comecei a sentir-me mais tranquilo durante o jogo na expectativa de vencer. Pelo menos se não vencessemos já tínhamos mostrado o nosso valor. Com o decorrer do tempo, sobretudo na segunda parte acreditei... Havia uma pontinha que acreditava que seria possível.»

O Real iniciou a segunda parte a carregar, falhou várias oportunidades, inclusive uma grande penalidade. Nem isso abalou. «Nem por falhar o penálti, pelas oportunidades que estávamos a criar acreditava. De facto foi um jogo de emoções para um clube como o nosso. Quem esteve aqui hoje pôde comprovar isso, de facto a nossa equipa deixou tudo em campo e conseguiu este feito.»

Perto do fim, Nélson marcou o golo que daria a vitória e deu umas das maiores alegrias da vida do presidente. Não escondeu a emoção, mas recordou que nada disto é por acaso.

«Sinto-me muito feliz. Há duas épocas já tínhamos ameaçado quando eliminámos o Portimonense e fomos perder na casa do Gil Vicente pela margem mínima. Penso que foi um feito histórico que esta equipa, liderada pelo mister Filipe Martins, bem merece.»

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Jogadores que vivem «como profissionais»

A vitória foi justa, nem Lito Vidigal discutiu isso, e o plantel deu a primeira prenda da época ao presidente. «Histórico», definiu assim Adelino Ramos, mas o seu sonho é levar a equipa este ano à II Liga.

Este época a direção empenhou-se a fundo nesse propósito e os jogadores vivem «como profissionais». Não fazem mais nada, são jogadores a tempo inteiro, chegam de manhã para o pequeno-almoço, treinam em seguida e depois há todo o trabalho e ginásio, preparação e observação de adversários.

«O que mudou foi a vontade de atingir o objetivo. Naturalmente que, para conseguir isso temos vindo a criar condições, a nível do plantel e os jogadores que temos são de grande qualidade. Toda a direção está mobilizada para isso. Às vezes, se há qualquer coisa que possa falhar, estamos logo ali para tentar resolver. É evidente que contámos com o apoio de várias entidades, juntas de freguesia, Câmara Municipal e temos parceiros que estão connosco neste objetivo e que nos têm apoiado para irmos mais longe.»

Para já está a dar frutos. Seguem na Taça fazendo história e lideram a série G do Campeonato de Portugal com cinco vitórias e apenas um desaire (com o Loures).

Rúben Marques é o capitão de equipa, e está no Real há oito anos: quatro na formação e quatro como sénior. Não hesita em dizer que a mudança é benéfica. «São realidades diferentes, estávamos habituados a treinar à noite, agora treinamos de manhã, com condições diferentes. Não somos profissionais, somos semi-profissionais e estamos muito contente com isso. O nosso objetivo é levar o clube para escalões superiores que já bem merece há alguns anos.»

Esta aposta e mudança de hábitos do plantel sénior levou até o capitão de longa data a sair do plantel, por lhe ser impossível treinar de manhã. «O que a empresa onde ele trabalha lhe paga, nós não podemos pagar», revelou um dirigente.

A braçadeira passou para Rúben, que este domingo capitaneou o seu plantel contra o Arouca.

«O que me dá mais prazer não é capitanear o plantel, mas fazer parte deste grupo. Ter a braçadeira é apenas uma ‘coisinha’ que não tem um significado assim muito grande», revelou, sem esconder que foi «especial» estar por dentro deste feito: «Estou no Real há oito anos. Já há dois anos estivemos quase, com o Gil Vicente, já sonhávamos com isto há muito tempo e conseguimos. Este clube já merecia.»

E qual foi o segredo para o plantel bater este Arouca e ser tão superior nos 90 minutos?: «Trabálhamos para isto, fizemos tudo para isto, sabíamos que ia ser um jogo muito difícil, sabíamos que o Arouca era uma equipa que vinha das competições europeias e isso deu mais motivação para ficar por cima do Arouca.»

O sonho da Taça de Portugal vai continuar no próximo mês de novembro para o Real, mas o foco principal está no campeonato como disse, em conferência de imprensa, o treinador Filipe Martins.

É o sonho de todos, levar este clube à II Liga e não se vão desviar um milímetro disso.

O outro sonho, o sonho geral de um clube eclético, é construir um pavilhão para as modalidades.

Ali, naquele clube que nos próximos dias estará em destaque no futebol português, não se vive só futebol. Há muito para além disso e muita gente a envergar o símbolo do Real Sport Clube em diversas modalidades.

«Temos mais de 20 modalidades de ginásio, que mobilizam um milhar de atletas. Acho que o Real Sport Clube já merecia ter construído o pavilhão. Vamos passo a passo, criando condições para que isso seja uma realidade», contou Adelino Ramos.

E prosseguiu: «Todas as direções que têm por aqui passado, sobretudo a do grande e saudoso José Pereira Libório, que no fundo foi um dos principais responsáveis por este complexo que temos. Ao longo destes anos, as direções de uma forma ou outra têm ambicionado criar melhores condições para os nossos atletas.»

Usar a pista de atletismo no meio da festa da Taça

Aliás, mal terminou a festa no relvado do Complexo Desportivo do Real Sport Clube a pista de atletismo que envolve o perímetro de jogo começou a ser utilizada. Não por algum atleta do clube, mas sim por um sócio que tem autorização para praticar atletismo ali.

Tudo em festa, jogadores a dar entrevista, sorrisos e cumprimentos e lá continuava aquele sócio às voltas à pista, como que a dar o mote ao plantel: 'Ganharam uma batalha, mas este duelo já passou e há que continuar a trabalhar'.

Naquela bancada estavam poucos adeptos, principalmente os de Arouca. Deste lado havia uma bancada repleta de adeptos do Real. Teve muito apoio a equipa da casa.

Manuel Palacios, pode ser um nome a decorar

A exibição do Real foi perfeita, podemos apelidá-la assim, e não houve um jogador que não merecesse um destaque positivo. São até vários os que demonstraram qualidades para outros patamares, sobretudos os quatro da frente: Érico Castro, Guti, Brash e Palacios.

Este último já andou pela II Liga ao serviço do Atlético Clube de Portugal, mas a experiência não correu tão bem como o esperado.

O colombiano, em conversa com o Maisfutebol, explicou que «individualmente» até esteve bem, mas que outras coisas prejudicaram a afirmação. «No Atlético aconteceram muitas coisas», disse o extremo, não querendo especificar. Em dois anos marcou 10 golos em 56 jogos. O Atlético acabou por cair ao Campeonato de Portugal e Palacios mudou-se para o concelho de Sintra.

 «O Real é um clube que tem boa visão, boa disponibilidade. Às vezes é bom dar um passo atrás para dar dois à frente. Faz parte da vida, o importante é trabalhar, trabalhar...», explicou.

Na Colômbia jogava na I Liga, no Patriotas, mas mudou-se para a segunda divisão portuguesa e acabou por cair para o terceiro escalão. Não sente que esteja a ser uma experiência negativa.

«Estava a jogar na Colômbia, na I Liga, o meu empresário trouxe-me para Portugal. Está a ser uma boa experiência. Acho que agora estou a ganhar mais experiência, estou a sentir-me melhor e pouco a pouco as coisas vão melhorar.»

Palacios, que revela inspirar-se em Ronaldinho Gaúcho, não esconde que o objetivo é chegar à I Liga e sorri quando se pergunta se um dia brilhará nesses palcos: «É o meu sonho jogar nos clubes grandes de Portugal, mesmo que seja noutro país. Estou no bom caminho, tenho que continuar a trabalhar, que é isso que nos leva ao topo.»

Hoje foi talvez o jogador mais em evidência na sua equipa, com uma potência de arranque e drible fantásticas. Pena o jogo não ter tido transmissão televisiva, porque seriam vários os lances de Palacios a entrar nos resumos. Como exemplo, para quem não esteve na festa da Taça em Massamá, um lance na primeira parte em que deixou Nuno Coelho, Vítor Costa e Zequinha para trás e não contente com isso voltou a fintar o capitão arouquense. Não foi em vão, deu num colega e a jogada teve seguimento. Perdoou na finalização, mas saiu como herói e com uma grande ovação a dois minutos dos noventa.

Agora não tem preferência de adversário para ultrapassar, quer é continuar neste sonho. «Já fizemos o mais dificil, passámos um clube da I Liga, agora vamos ver o que calha. Se tocar o Benfica, FC Porto, Sporting ou Sp. Braga... Serão sempre jogos complicados e tudo está na mão de Deus e que seja o que Deus quiser.»

LEIA A CRÓNICA DO JOGO ENTRE O REAL E O AROUCA