Dando a volta à derrota mínima da primeira mão, o Benfica tornou-se o primeiro finalista da Taça de Portugal, impondo ao FC Porto (3-1) a 11ª derrota da temporada. Uma vitória encarnada que, pelo simbolismo – primeira vez desde 1993 que o Benfica ganha dois jogos ao FC Porto no mesmo ano civil – e pelas circunstâncias – conseguida após 65 minutos em inferioridade numérica e com um golo memorável de André Gomes a sublinhar a proeza – vale bem mais do que uma presença no Jamor: tem contornos de ponto de viragem numa história bem maior.

A história do jogo fica condicionada por um tremendo disparate de Siqueira, que dois minutos depois de ter visto um cartão amarelo, não resistiu a uma entrada por detrás, diante de Quaresma, que lhe valeu ordem de expulsão. Estavam decorridos 27 minutos, o Benfica tinha mandado no jogo até aí, e anulado a desvantagem do Dragão, graças a um grande cruzamento de Gaitán e uma finalização feliz de Salvio, com a cabeçada a desviar em Alex Sandro (17 minutos).

Com a eliminatória no ponto zero, a imaturidade de Siqueira interrompia a entrada forte da sua equipa e deixava o FC Porto sair de uma situação complicada e assumir a iniciativa. Gaitán tapou o buraco durante oito minutos, o tempo de Jesus fazer entrar André Almeida para o lugar de um Cardozo que, numa equipa com dez, arrumada atrás, estaria condenado a desempenhar papel de corpo estranho no resto do jogo.

A partir da expulsão, a posse de bola tornou-se um dado adquirido para o FC Porto. Impressionou o pouco que conseguiu fazer com ela, para lá de uma ou outra bola parada para os cruzamentos largos de Quaresma. Foi na sequência de um canto apontado pelo extremo - quem mais? - que o Benfica teve o susto mais sério da primeira parte, quando um cabeceamento de Fernando, prensado contra Jackson, acabou por ir parar às mãos de Artur com o guarda-redes do Benfica já deitado. Tirando isso, até ao intervalo mais nada.

Varela acende, Reyes apaga

Durou pouco a ilusão de que a diferença de estados de alma e de confiança chegaria ao Benfica para manter o jogo no congelador até final. Bastou ao FC Porto que o invisível Herrera aparecesse uns metros mais à frente e assumisse um ou outro movimento de risco para a baliza de Artur ser mais pressionada. E, já depois de o mexicano ter rematado por cima na área, num lance em que escapou à vigilância de Enzo, Varela, um dos mais lúcidos naquela primeira parte, substituiu a falta de chama coletiva do dragão por um belo momento de inspiração individual, deixando André Almeida para trás à entrada da área e batendo Artur com um remate cruzado e rasteiro (52 minutos).

O empate não fazia do FC Porto uma equipa melhor do que tinha sido até aí. Mas, perante um adversário obrigado a marcar dois golos, com um homem a menos, deixava-o no comando folgado da eliminatória. Só que uma equipa intranquila e sem rumo vê-se nestas pequenas coisas: apenas quatro minutos depois do golo de Varela, já Gaitán estava a criar uma grande ocasião para Rodrigo, acendendo novamente a Luz. E quando, na sequência de um lançamento lateral de Maxi, a defesa portista parou e abriu alas para a entrada de Salvio, com Reyes a derrubar o argentino em plena área, percebeu-se que o último ato da peça ainda não estava escrito.

À beira de um ataque de nervos, Jesus entrou em campo quase até à grande área, para exigir que Rodrigo desse a vez a Enzo na cobrança do penálti. A indicação estava correta: o argentino não tremeu, e a montanha que o Benfica tinha para escalar passava, subitamente, a ter metade do tamanho. E até poderia ter ficado ao nível do mar logo a seguir, num lance em que Rodrigo aproveitou a sonolência de Reyes para se isolar, sendo traído pela relva molhada quando preparava o remate, já na área.

Da cartola de André Gomes saiu um bilhete para o Brasil?

Este período de desnorte devolveu o FC Porto à apatia da primeira parte, com uma posse de bola sem ideias nem consequências. Os treinadores refrescavam ataques, lançando Lima e Ghilas, e o jogo tornava-se mais físico, nervoso e intenso. Não havia um padrão lógico a antecipar de onde poderia vir a decisão, embora o esforço do Benfica a meio-campo para atenuar a diferença numérica lhe permitisse pressionar mais à frente e perturbar a saída de bola portista. 

E foi precisamente de um dos médios encarnados – André Gomes, a assinar, muito provavelmente, a melhor exibição na equipa principal do Benfica – que saiu o golpe de asa, o momento sublime que relegou para segundo plano tudo o que tinha acontecido até aí e viria a acontecer depois. Do chapéu alto com que tirou Fernando do caminho, dentro da área, saiu o remate rasteiro que bateu Fabiano e embalou o Benfica para o Jamor, sentenciando a eliminatória. E, quem sabe, poderá ter saído, também, um bilhete para o Mundial.

Faltavam ainda dez minutos, mais os descontos, mas de aí em diante houve pouco futebol. Alguns adeptos, eufóricos, invadiram o relvado, obrigando os stewards a trabalho extra, perante o olhar atento de Michel Platini, em mais um teste para a final da Liga dos Campeões. 

O jogo esteve parado dois minutos e, quando recomeçou, já só tinha nervos e cabeça quente: Jorge Jesus, que tinha entrado em campo pela segunda vez, foi expulso, Luís Castro seguiu-lhe as pisadas pouco depois, e Quaresma, que tinha sido desde o primeiro minuto o principal foco de calor no jogo, perdeu de vez o controlo da temperatura, fazendo-se expulsar numa altura em que Mangala já jogava a ponta de lança, para tirar partido do jogo de cabeça. Foi o último sinal da rendição definitiva de um FC Porto tão traumatizado pelo passado recente que nem foi capaz de tirar partido de dois momentos privilegiados de vantagem durante o jogo - a expulsão de Siqueira e o golo de Varela.

Muito contestada, em especial pelos adeptos do Benfica, a arbitragem de Pedro Proença deparou-se com um daqueles jogos em que ninguém está disposto a facilitar o trabalho e, quando assim é, os erros tornam-se inevitáveis. Talvez o primeiro amarelo a Siqueira, exagerado, seja o maior foco de polémica – até pelas consequências que teve depois. Quanto ao resto, que nos perdoem as cabeças mais quentes, errou bem menos do que os jogadores: não é por aí que se escreve esta história.