Os constrangimentos económicos e a dificuldade em competir por grandes contratações no mercado com os grandes tubarões do futebol europeu levam os clubes portugueses a apostarem cada vez mais na formação. É sobretudo a estas contingências dos novos tempos que as equipas B vieram em boa medida dar resposta.

Depois dos campeonatos de reserva das décadas de 60, 70 e 80, e das equipas-satélite dos anos 90 – como o Alverca em relação ao Benfica, o Tourizense para o FC Porto e o Lourinhanhense para o Sporting – os grandes do futebol nacional e não só apostaram nas equipas B na viragem do século: em 1999, Benfica, Porto, Marítimo e Sp. Braga deram os primeiros passos, mas a impossibilidade de jogar acima da II Divisão B (terceiro escalão do futebol nacional) minou o futuro destes projetos.

Os «bês» hibernaram, ressurgiram em força em 2012/13, já na II Liga, num nível competitivo bem mais exigente.

A aposta de Benfica, FC Porto, Sporting, Sp. Braga, V. Guimarães ou Marítimo revelou-se um êxito não só em termos desportivos para os próprios clubes como até para as seleções nacionais, que beneficiam com este espaço privilegiado para os jovens competirem, como salienta Rui Jorge.

«No último jogo da seleção principal contra a Hungria estiveram em campo nove jogadores que surgiram das equipas B. Quando chegámos à Federação Portuguesa de Futebol, havia uma diferença tremenda a nível da utilização profissional dos jovens jogadores em comparação com aquilo que encontrávamos lá fora. No Mundial de 2014, por exemplo, estávamos aquém da Alemanha que tinha 15 ou 16 jogadores. Hoje em dia, a utilização é consideravelmente superior e isso reflete-se no nível competitivo dos jogadores e das seleções. Era impensável há 6 anos na seleção de sub-19 termos jogador a competir a um nível profissional, por exemplo», explicou o selecionador nacional sub-21 no VI Fórum do Treinador, que decorreu segunda e terça-feira, em Gondomar.

Ganham os clubes, ganha a seleção

No mesmo debate, Luís Castro, técnico do Rio Ave, que levou o FC Porto B à conquista da II Liga na última temporada (um feito inédito de uma equipa secundária em Portugal), salienta que esta nova realidade tem cumprido o princípio com que foi criada, que era colmatar o hiato competitivo que existia entre o escalão de sub-19 (juniores) e os seniores:

«As equipas B voltaram a ser uma necessidade devido à exigência que um jogador encontra quando chega a uma equipa principal. Por isso, foi fundamental o seu aparecimento. Em Inglaterra, existe campeonato de sub-21 e de sub-23. Em França, as equipas B podem jogar até à 3.ª divisão. Em Espanha, até à II Liga. Ou seja, os melhores campeonatos da Europa têm equipas B», afirmou Luís Castro, acrescentando que «os ganhos do clube e da seleção são consequência dos ganhos do jogador».

Luís Castro levou uma equipa B (o FC Porto) à conquista de um inédito título da II Liga

Por sua vez, Vítor Campelos, treinador da equipa secundária do Vitória de Guimarães, salienta a importância dos «bês» não só para a formação nacional, mas como espaço aberto a jovens talentosos de outros países, que permite uma adaptação mais suave ao futebol português, como Konan e Raphinha, no caso do Vitória, que tiveram algumas dificuldades e não começaram logo a jogar a titulares na equipa B. Ganharam o seu espaço e agora conquistaram-no na equipa principal».

Campelos salienta outros aspetos em que as equipas B se tornaram relevantes em termos competitivos e também financeiros: «O Vitória já teve proveitos e realizou importantes encaixes financeiros com jogadores como o Dalbert (Nice) ou o João Pedro (LA Galaxy). Além das vendas, as B permitem também a redução do número de atletas no plantel principal, evitando gastos em salários. Noutra perspetiva são também importantes para ajudar atletas a recuperar ritmo competitivo após lesão, como foram os casos do Otávio no ano passado e do Zungu já nesta temporada.»

Neste caso concreto do Vitória, não faltam exemplos de vários jogadores que ao longo das últimas épocas subiram para o patamar da equipa principal – Miguel Silva, Dalbert, João Pedro, Cafu, Konan, Sacko, João Vigário, Pedrão, Raphinha, Zungu…

André Silva, Gelson e Semedo: tudo bons exemplos

Mais difícil é encontrar jogadores que cresceram na equipa B e que os grandes souberam aproveitar para o plantel principal.

No caso do FC Porto, campeão em título da II Liga na época passada, André Silva é quase caso isolado. O jovem avançado de 21 anos teve uma ascensão meteórica, de melhor marcador do escalão secundário na primeira metade da época passada para a equipa principal do FC Porto na segunda metade e daí para titular no clube e, recentemente, na Seleção Nacional. O guarda-redes José Sá é outro raro caso dos que subiram também esse degrau para o plantel principal – Rúben Neves, por sua vez, subiu diretamente dos sub-19.

André Silva ainda no FC Porto B

Nestas cinco épocas de «bês» o FC Porto (que esta época são finalistas da Premier League International Cup) tem sobretudo formado jogadores para ceder a outros clubes do futebol nacional. A lista é extensa: Rafa Soares, Gonçalo Paciência, Fábio Martins, Leandro Silva, Tozé, Ivo Rodrigues, Victor García, Kayembe…

Já no caso do Benfica a equipa B tem servido de impulso para a venda de talentos para o futebol europeu, impulsionadas pelo empresário Jorge Mendes: João Cancelo, André Gomes, João Teixeira, Bernardo Silva, Ivan Cavaleiro, Hélder Costa... Há, no entanto, também os casos de Renato Sanches e Gonçalo Guedes, que subiram ao plantel principal já com Rui Vitória, e se valorizaram antes de serem transferidos para Bayern de Munique e Paris Saint-Germain. E também os exemplos de Victor Lindelöf e Nelson Semedo, que se afirmaram no onze principal do Benfica.

Bernardo Silva foi vendido ao Mónaco antes de se afirmar no plantel principal do Benfica

Ainda assim, entre os grandes, o melhor exemplo de aproveitamento das equipas B para o plantel sénior é o Sporting. Da equipa principal leonina, sob o comando técnico de Jorge Jesus, fazem parte Rúben Semedo, Ricardo Esgaio, Palhinha, Francisco Geraldes, Daniel Podence, Gelson Martins e Mattheus Pereira. Sete jogadores formados na equipa B, que ao longo da última meia década ajudou a formar talentos como João Mário (transferido para o Inter de Milão no início da época), Carlos Mané, Iuri Medeiros ou Bruma.

Gelson, Semedo e Mané: três jovens saídos da equipa B leonina

Basta atentar no rol de nomes que passaram pelos plantéis secundários dos grandes nesta meia década para compreender melhor a afirmação de Vítor Campelos, em jeito de conclusão: «Orientar as equipas B é poder trabalhar com o melhor que há em Portugal para os próximos anos.»

O futuro do futebol português passa pelo lado B.